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Um teto todo seu: a luta feminina pela escrita retratada por Virginia Woolf

 

Aquele laço sobre o qual falei, mulheres e ficção, a necessidade de chegar a uma conclusão em um assunto que evoca toda sorte de preconceitos e paixões.

(Um teto todo seu, Virginia Woolf)

Um teto todo seu é um ensaio baseado em dois artigos lidos para a Arts Society, do Newnham College, e para a ODTAA, do Girton College, em outubro de 1928, um ano antes da obra ser publicada.

Em uma sociedade em que mulheres não tinham voz, Virginia Woolf escreveu. Em uma sociedade em que a opinião feminina não importava, Virginia palestrou. Em um mundo em que os livros não eram assinados por mulheres, Virginia publicou.

Adeline Virginia Stephen nasceu em 1882, na cidade de Kensington, Inglaterra. É uma das escritoras mais influentes de todos os tempos, tendo publicado diversas obras, como Mrs. Dalloway e Ao farol, que serviram de inspiração para futuros escritores.

Na obra em evidência, Woolf retrata a grande dificuldade das mulheres não somente em publicar suas obras, mas em escrevê-las e assiná-las, cravando seu nome no mundo, e sem necessitar de pseudônimos ou ter que partir para a publicação anônima; isso quando algum homem não se passava pelo autor. Virginia nos mostra a real dureza que era para uma mulher se tornar escritora no século XX, e, através de seus conhecimentos da literatura de Jane Austen e das irmãs Brontë, nos mostra como tais dificuldades assomavam no século XIX. Por que homens têm mais vantagem sobre o mundo do que as mulheres? Por que homens conseguem escrever mais do que as mulheres? Qual a influência da pobreza sobre a escrita? Essas são algumas questões que Woolf evidencia em Um teto todo seu

As primeiras mulheres 


Porque é um enigma perene a razão pela qual nenhuma mulher jamais escreveu qualquer palavra de uma literatura extraordinária quando todo homem, ao que parece, é capaz de uma canção ou de um soneto.

(Um teto todo seu)

A italiana Christine de Pizan foi a primeira mulher a ser remunerada por trabalhar no mundo da escrita. Sua obra Cidade das damas, lançada em 1405, é um marco na história da literatura ocidental, pois é considerada a primeira obra a ser escrita e publicada por uma mulher. Mas muitos e muitos anos antes que ela, na Grécia, por volta de 600 a.C., havia uma célebre moça chamada Safo, que residia na ilha de Lesbos, e que era conhecida por ter uma poesia que era cantada acompanhada do instrumento lira. Essas mulheres tiveram de dar o primeiro passo para que as que viriam em seguida continuassem a trajetória.

Os homens sempre tiveram seus lugares ao sol. Quando um homem fala, todos escutam: no trabalho, em casa, na sociedade etc. Mas quem ouve as mulheres? A necessidade de escrita vem daí: de serem ouvidas, e de externar suas ideias sobre o mundo, para o mundo.

A começar pelas famílias elitizadas, Woolf relata a primeira discrepância de gêneros na literatura pelo fato de que os homens possuem seus escritórios, suas salas particulares, para se dedicar a seus escritos; lugares nos quais poderiam passar horas a fio apenas se dedicando à literatura. Enquanto isso, as mulheres cuidavam dos filhos e da casa. Suas atividades se restringiam a bordar, costurar e tomar chá. Para as mulheres provenientes de uma família rica, até havia tempo no dia a dia para dedicarem-se aos seus escritos. Mas se havia tempo, não havia permissão.

Virginia Woolf

Jane Austen, influente escritora inglesa do século XIX, era uma dessas damas que vinham de uma família burguesa, mas a quem a sociedade não permitia o ato de escrever. Austen começou a redigir seus textos em um caderno, escondida de todos. Segundo Virginia Woolf, ela o mantinha consigo e, quando havia uma brecha entre um afazer e outro, quando os serviçais não estavam no cômodo e ela não precisava fazer sala para as visitas, Jane puxava seu caderno e seu lápis, e escrevia freneticamente. Woolf fala que é esse o motivo de ela ter nos deixado tantas obras: por ter sido proveniente de uma família rica da qual não necessitava de seus afazeres domésticos para levar a vida, ela conseguiu tempo e espaço para escrever.

A pobreza e a ficção


Por que os homens bebem vinho e as mulheres, água? Por que um sexo é tão próspero e o outro, tão pobre? Que efeito tem a pobreza sobre a ficção? Quais as condições necessárias para a criação de obras de arte?

(Um teto todo seu)

Mas o mesmo não aconteceu com as irmãs Brontës. Estas, vindas de uma família necessitada da qual o pai era um pastor na igreja da cidade, sequer tinham espaço no mundo, quem dirá no da escrita. As Brontës começaram a trabalhar como preceptoras desde muito novas para poder ajudar em casa com as despesas. 

Mas apesar disso, as Brontës davam um jeito de fazer o que gostavam: escrever. Virginia Woolf nos lembra que, justamente por terem raízes em uma família pobre, as irmãs não conseguiam se dedicar tanto à escrita como fez Jane Austen. Daí de elas terem nos presenteado com poucas obras. Esse é um dos reflexos da pobreza na literatura: além das atividades domésticas, também é necessário tempo e dinheiro para comprar papel e lápis.

Mary Wollstonecraft, também conhecida como a mãe de Mary Shelley, grande escritora inglesa famosa por seu livro Frankenstein - considerado o primeiro livro de ficção científica -, publicou Reivindicação dos direitos das mulheres, lançado às luzes em 1792, que é considerada uma das primeiras obras de filosofia feminina. A obra trata do direito da mulher enquanto cidadã.

Simone de Beauvoir, escritora que chegou um pouco depois de Virginia Woolf, também tratou do sexo frágil, encorajando às mulheres a lutarem por seus direitos e deveres. Sua famosa frase “não se nasce mulher, torna-se mulher”, é um belo exemplo de que ser mulher é uma construção diária. O feminismo é uma luta diária. A igualdade também. Pois primeiro viemos ao mundo, depois nos tornamos o que queremos nos tornar.

Em determinado momento de Um teto todo seu, Virginia utiliza-se de uma metáfora para se referir ao sexo feminino: “gato sem rabo”. Sim, Virginia nos compara com um gato sem rabo. Ela profere que, quando um gato desprovido de seu rabo passa, por exemplo, por uma praça, todos que estão ali em seu torno o observam com curiosidade, como se questionassem: “Como isso é possível?”, “Por que aquele gato não tem rabo?”, “Por que ele anda à solta tão livremente?”, “Será que não se sente constrangido de todos os gatos em seu torno terem rabo, e ele não?”. Os gatos com rabo são os homens; os sem, as mulheres. Não é normal um gato não ter rabo. Como, para os homens, não é normal uma mulher ser tão bem-sucedida quanto eles. Incomoda. É estranho. Dói à vista.

A todas as escritoras que tiveram suas obras refutadas pelas editoras e críticos porque foram escritas pelo “sexo frágil”; que o mundo não seja tão cruel com as futuras escritoras como foi com estas. Que o valor da escrita de uma mulher não venha somente porque “é uma mulher escrevendo”, mas que seja estabelecido por serem obras de cunho importante e fundamental para o entendimento do mundo.


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Vitória Schmidt
21 anos, estudo Letras – português/inglês e moro no Rio Grande do Sul. Sou uma amante da literatura, principalmente do Romantismo Inglês e da literatura Moderna brasileira. Também sou apaixonada pelas outras artes e por história.

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