Apesar de sua data de aniversário oficial nunca ter sido registrada, estudiosos do mundo todo consideram que William Shakespeare nasceu na primavera de 23 de abril de 1564, em Stratford-upon-Avon, na Inglaterra. Exatos 52 anos depois, em 23 de abril de 1616, o poeta inglês morreu de uma pressuposta febre.
Em sua vida, Shakespeare escreveu mais de 30 peças, 154 sonetos e dois longos poemas narrativos. Considerado o maior dramaturgo inglês que já viveu, William é mais conhecido por sua peça trágica, Romeu e Julieta, escrita entre 1594 e 1596.
A história dos dois amantes desafortunados é amplamente conhecida e foi adaptada para incontáveis livros e produções audiovisuais. O amor proibido entre Romeu Montecchio e Julieta Capuleto, dois jovens filhos de famílias rivais, nasce em um salão de baile na antiga Verona, levando a encontros escondidos, planos de fuga e uma trilha de sangue pelo caminho. Por causa de uma carta que chegou tarde demais, Romeu encontra Julieta supostamente morta e ingere veneno para assim também se juntar a ela. Instantes depois, quando Julieta desperta e encontra o corpo do amado ainda quente ao seu lado, toma seu punhal e mata a si mesma. Depois da morte dos jovens, Capuletos e Montecchios finalmente selam um acordo de paz.
Para além da tragicidade da peça, é inquestionável a beleza da escrita de Shakespeare e o peso que essa história carregou ao longo dos séculos. Romeu e Julieta são o símbolo do amor proibido até os dias de hoje e todos conhecem seus nomes.
Entretanto, ao contrário do que é suposto em uma análise superficial, a história de Romeu e Julieta não veio à mente de William Shakespeare já lapidada. Na verdade, a história geral tal qual a conhecemos já tinha sido escrita por diversos autores, e o embrião do que veio a se tornar a famosa peça, na verdade, já existia cerca de 120 anos antes de Shakespeare colocá-la no papel.
Segundo estudos, a história começa com Masuccio Salernitano, um poeta italiano nascido em 1410. Ele é o primeiro autor conhecido a publicar uma versão de Romeu e Julieta na trigésima terceira seção do seu trabalho Il Novelino, em 1476. A coleção de 50 contos e novelas, inclusive, foi adicionada mais tarde ao Index Librorum Prohibitorum por possuir um personagem anti-clérigo. Nessa primeira versão, Romeu e Julieta eram chamados Marriotto e Gianozza, e o plot é parecido com aquele de Shakespeare, com exceção das mortes no final. Salernitano ainda afirmava que seu trigésimo terceiro conto tinha de fato acontecido com pessoas reais pouco tempo antes em Siena, na Itália, mas a verdade das palavras permanece um mistério.
Mais tarde, em 1530, Luigi de Porto, um escritor e historiógrafo italiano, adaptou a versão de Salernitano e adicionou alguns personagens extras à história, como Mercúrio e Teobaldo. Seu conto era dedicado à “Bela e graciosa Madonna Lucina Savorgnana”, uma jovem parente do lado de sua mãe que frequentou a mesma festa que ele em 1511. Apaixonado por Lucina, Luigi pediu permissão ao seu pai para se casar com ela, mas o tio recusou devido a alguns conflitos envolvendo os dois lados da família. Acredita-se que os desfortúnios de Luigi de Porto influenciaram a escrita de Romeu e Julieta, aliás, não há como negar que alguns pontos convergem de maneira clara, como a festa onde os dois se veem e se apaixonam, os lados de uma família rival e a perda da amada.
Mas a história continua, caindo, em 1554, nas mãos de Matteo Bandello, outro italiano que, segundo estudos, teve sua escrita como fonte de inspiração para diversas das peças de Shakespeare, como é o caso de Noite de Reis (Twelfth Night) e Muito Barulho por Nada (Much Ado About Nothing). Saindo de solo italiano, a história ainda ganhou sua versão francesa por Pierre Boaistuau.
Quase um século antes de a primeira versão ser publicada, em 1462, chegamos à fonte direta de Shakespeare para a escrita de Romeu e Julieta. O poeta Arthur Brooke, baseado na versão francesa de Pierre Boaistuau, publicou um poema popular intitulado Tragic Tale of Two Lovers, sendo a primeira pessoa a trazer a história dos dois amantes para o inglês.
Os escopos das obras de Brooke e Shakespeare são de fato similares, mas há triunfos que podem ser creditados inteiramente ao dramaturgo inglês. O modo como ele desenvolveu Mercúrio, Teobaldo e Páris, por exemplo, que antes eram apenas mencionados no poema de Brooke, é notável. Ele transformou a narrativa escrita em um drama encenável, como pontua Adrian Poole em sua introdução escrita para a tradução da peça para português pela Penguin-Companhia. Shakespeare adicionou profundidade a uma história existente há mais de cem anos, a trouxe para o palco com maestria e a tornou um símbolo vivo e cheio de significados mesmo quatrocentos anos depois da sua publicação. Se todo o sucesso alcançado por Shakespeare se deu, em parte, por ele ter trazido para o inglês uma história que antes era de domínio quase exclusivamente italiano, já é outra discussão. Aliás, não seria a primeira vez que ingleses se destacaram como pioneiros em algo que na verdade já pertencia a outras línguas e culturas.
Contudo, William Shakespeare merece o reconhecimento que lhe é dado e Romeu e Julieta não sobreviveria a tantos anos sem chegar às suas mãos se não fosse uma história digna de ser contada e reinventada. Um conto que passou por tantos autores, décadas e países deve, sem sombra de dúvidas, ser olhado mais de perto, despertando fascínio tanto nos leitores quanto na plateia, ensinando sobre ódio, vingança, sangue e também sobre amor.
Referências
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