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O casamento do meu melhor amigo: a Cinderela vai dançar de novo?

Há certos livros e filmes que precisamos revisitar quando temos mais bagagem emocional e de vida. Um desses filmes com certeza é O casamento do meu melhor amigo. Lançado em 1997 e estrelado por Julia Roberts, o longa arrecadou mais de 100 milhões de dólares e modificou a forma de construir uma comédia romântica. Hoje em dia temos mais filmes como este, no qual a protagonista não é perfeita e o romance não é o ponto central da história, mas, na época, quase 30 anos atrás, gravar um filme focado no crescimento pessoal de uma personagem "horrível", e ainda fazer com que ela não ficasse com o cara no final, foi uma grande surpresa.

O longa conta a história de Julianne (Julia Roberts), uma renomada crítica gastronômica, que é estonteante, livre e independente. Quando seu amigo e ex-namorado, Michael (Dermot Mulroney), um jornalista esportivo, liga dizendo precisar falar com ela urgentemente, ela acredita que ele vai pedi-la em casamento, pois, anos antes, eles fizeram uma promessa de que se estivessem solteiros aos 28 anos, eles se casariam. Mas as esperanças de Julianne desaparecem quando Michael confirma que precisava sim falar desesperadamente com ela, mas o assunto era outro. Michael está apaixonado por uma jovem chamada Kim (Cameron Diaz), que conheceu recentemente, e vão se casar em poucos dias. É quando, em choque, desesperada com a ideia de perder o homem que a amou incondicionalmente por praticamente uma década, Julianne aceita o convite de Kim para ser sua madrinha, com a intenção de acabar com o casamento e reconquistar Michael.

"— Eu sou uma mulher ocupada. Tenho quatro dias para destruir um casamento, roubar o noivo, e nem imagino como fazer isso."

Este artigo não tem a intenção de transformar Julianne em uma mocinha adorável que nunca errou, não é isso que ela é e nunca seria, e essa é justamente a parte mais fascinante na personagem. Ela é uma mulher desesperada para separar duas pessoas que se amam, que teve diversas oportunidades de ficar com Michael quando bem quisesse, mas apenas entendeu que o amava quando estava prestes a perdê-lo de vez. Julianne é uma personagem complexa e incondicionalmente humana. Ela é palpável e real, não é apenas uma adorável jovem apaixonada. Ao se deparar com a possibilidade de nunca mais ter uma chance com Michael, ela descobre estar disposta a tudo para tê-lo de volta. E em momento algum o filme passa a mão em sua cabeça, muito menos o faz seu verdadeiro melhor amigo, George (Rupert Everet ), que é, como ele mesmo diz, o mais interessante e apaixonante homem da trama. Mas o que faz Julianne literalmente chegar ao fundo do poço e cometer atos horríveis para separar Michael e Kim? Será mesmo que Michael é apenas um homem inocente e seu relacionamento com Kim era saudável? Reconhecer os erros de Julianne não anula os de Michael, e abre um precedente para se debater sobre como alguém pode agir quando está desesperada e com medo da solidão, e também quando se está tão dependente de alguém que não nota-se estar anulando sua própria vida.

" — Meu Deus! A noiva e a mulher que ela nunca será."

Mas ex-namorados não podem se tornar melhores amigos? Claro que sim, porém, a questão aqui não é essa. As relações se modificam, evoluem ou terminam, sejam amorosas ou de amizade. A realidade da vida adulta muitas vezes faz com que amizades se afastem e se transformem em outra coisa. Aos poucos, uma pessoa que se conhecia tão bem e com a qual se convivia todos os dias se torna uma estranha. O que existe entre Julianne e Michael é uma sensação e um sentimento que muitas vezes não se apaga, mas que também não vai para a frente. A intimidade e o flerte, o ciúme e os olhares que se cruzam e permanecem e que, de tempos em tempos, em algum momento da noite faz com que eles se perguntem "e se?".

Michael e Julianne não são melhores amigos; eles podem ter sido, mas não são mais. E assim como dito pela própria Julianne em uma conversa com George, eles também não são compatíveis romanticamente:

"— Continue. É tão emocionante. São almas gêmeas?
— Não, ele não tem nada a ver comigo. Parece você, só que é hetero."

Julianne nunca poderia dar o que Michael desejava e precisava, e ele notou isso depois de muitos anos quando conheceu Kim, que, assim como Julianne, está disposta a tudo para ficar com ele.

Mesmo determinada a terminar com o relacionamento dos noivos, Julianne admite que "se não precisasse odiá-la" gostaria muito de Kim. E enxerga não apenas como um modo de separá-los, mas também com desconfiança o fato de que Kim decidiu não terminar a faculdade e seguir Michael pelo país por conta de seu emprego. Kim parece ser uma jovem adorável, mas que ao se ver tão apaixonada por Michael passa a sensação de que apenas se anulando conseguiria levar a relação para a frente.

Em uma cena no restaurante, Julianne coloca um de seus planos em prática, e Kim, sem saber, se torna sua cúmplice, pois ela mesma admite que gostaria de terminar a faculdade e um emprego de 6 meses na empresa do pai para Michael poderia ser um teste perfeito para ele pensar a respeito. Mas o que acontece é o contrário, o plano de Julianne dá certo, ela sabia que Michael ficaria furioso com a ideia de desistir de seu emprego. A reação de Kim é tão desesperada quanto a que Julianne teve ao decidir separá-los. A jovem se ajoelha, chora, implora, diz que tudo é sua culpa e que não conseguiria viver sem ele. Apenas após se humilhar para o restaurante inteiro Michael perdoa Kim. É curioso ver como ele simplesmente surta com a possibilidade de trabalhar na empresa do pai de Kim e não aceita fazer concessões e culpa Kim por tudo. Ela desistiria de tudo por ele, mas ele não faria o mesmo por ela. Fazer concessões faz parte de um relacionamento, como poderia existir um meio-termo quando Michael se recusa a sequer pensar a respeito? Mesmo admitindo que Julianne é o amor de sua vida, ele sabe que ela jamais faria isso.

No que diz respeito a Julianne, é muito evidente a insegurança que a jovem sente por ela. Kim é a segunda escolha, é claro que ele fica com ela no final, mas todos ao seu redor sabem que Michael é apaixonado por Julianne e não fazem muita questão de esconder isso. Quando George finge estar noivo de Julianne a pedido dela mesma, Kim fica exultante, pois acredita que não vai mais precisar lutar pelo amor de seu noivo.

"— Ele a colocou num pedestal. Mas tem a mim nos braços dele."

Falando de George, desde o início da trama fica evidente que é ele o verdadeiro melhor amigo de Julianne. Michael nem ao menos consegue pensar no lado da própria noiva, muito menos no de Julianne. Quem viaja ao encontro dela e dá conselhos valiosos é George, inclusive no que diz respeito a toda a situação. Todos se apaixonam por George; quando ele entra em cena todas as atenções vão para ele. Sua espontaneidade e personalidade combinam com as de Julianne, os momentos em que ela ri verdadeiramente, sem se preocupar com nada, acontecem ao lado dele. Ele quer que a amiga seja honesta, mas também tenta fazê-la entender que ela não precisa daquilo, que Michael vai ficar Kim, e não tem nada que ela possa fazer a respeito:

"— George, o que ele vai fazer?
— Ele vai escolher a Kim. Você vai ficar ao lado dela no casamento, vai se despedir dele e vai para casa.
[...]
— Ele está atrás dela. Você está atrás dele. Quem está atrás de você? Ninguém, entendeu?"

O final é um dos melhores da história do cinema. Julianne desiste de seus planos, Michael escolheu Kim, ela não pode mudar o que fez, mas, pode seguir em frente. Desde o início Julianne sempre disse que ambos eram incompatíveis, mas isso não quer dizer que não se pode amar alguém completamente diferente de você. Mas é preciso ter maturidade para entender que é necessário muito mais que amor para manter um relacionamento. E assim, fica evidente que, no final das contas, a história não era sobre isso. Em uma entrevista de 2022, o diretor P. J. Hogan e o roteirista Ronald Bass comentam sobre como O casamento do meu melhor amigo mudou a maneira como se enxergava as comédias românticas, e como seu final único teve muito a ver com isso:

"O final real de O casamento do meu melhor amigo é tão sublime quanto o de qualquer comédia romântica da época. Enquanto Julianne está sentada sozinha no casamento, seu celular toca. É George, claro, checando sua amiga uma última vez. 'Posso imaginar você aí, sentada sozinha em sua mesa em seu vestido lilás', diz ele. 'Eu disse a você que meu vestido era lilás?', ela responde. [...] Enquanto 'I say a little orayer' toca ao fundo, George faz seu grande discurso, provocando Julianne sobre um homem misterioso antes de revelar que ele apareceu pessoalmente para levá-la para a pista de dança. [...] Para Ron Bass, essa reescrita teve o bônus adicional de aproximar O casamento do meu melhor amigo ao tipo de filme que ele sempre quis fazer. 'O objetivo do filme é que a pessoa que você mais ama em sua vida não precise ser aquela com quem você está dormindo', diz Bass. 'Pode ser seu filho. Pode ser seu pai. Pode ser seu colega de trabalho. Pode ser seu melhor amigo. É a pessoa que você ama. E não é crime dizer que esse amor era a coisa mais importante para ela.'"

Nos primeiros minutos do filme, George pergunta a Julianne se ela e Michael são almas gêmeas, o que ela não demora a negar, achando a ideia absurda. E no final das contas, as almas gêmeas nem sempre dizem respeito a amores românticos. Neste caso, ao terminar dançando com George, a mensagem é clara: sim, a Cinderela vai dançar de novo, e como o próprio George afirma, a vida continua. Ele pode não ser o amor romântico de sua vida, mas ele ofereceu o amor e o apoio de que ela precisava não apenas naquele momento, mas em toda a trama. Tomar consciência de que estava atrás de alguém que desde o primeiro momento não tinha a intenção de correr atrás dela de volta é o melhor final que Julianne poderia ter tido. Em um casamento, dançando com o homem mais devastadoramente lindo no salão. Seu melhor amigo.

"De repente, uma música familiar. E, você se levanta da cadeira em um movimento requintado. Imaginando, procurando, farejando o vento como um cervo malhado. Deus ouviu sua pequena oração? A Cinderela vai dançar de novo? E então, de repente, a multidão se abre e lá está ele: elegante, estiloso, radiante e carismático. Estranhamente, ele está ao telefone. Mas então, você também. E então ele vem em sua direção… com os movimentos de um gato selvagem. Embora você saiba perfeitamente que ele é gay, ele é o mais devastadoramente belo dos homens solteiros da sua idade. Então você pensa 'E daí? A vida continua'. Talvez não haja casamento, talvez não haja sexo. Mas, por Deus, haverá dança."




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Babi Moerbeck
Carioca nascida no outono de 1996, com a personalidade baseada no clipe de Wuthering Heights, da Kate Bush. Historiadora, escritora e pesquisadora com ênfase no período do Renascimento, caça às bruxas e iconografia do terror. Integrande perdida do grupo dos Românticos do século XIX e defensora de Percy Shelley. Louca dos gatos, rainha de maio e Barbie Mermaidia.

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