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Carpe Diem e a Sociedade dos Poetas Mortos


Sociedade dos Poetas Mortos
 é uma obra cinematográfica de 1989 que narra a chegada de um professor de inglês que irá lecionar em um colégio tradicional para rapazes, escola esta que possui uma estrutura educacional rígida, com pilares para moldar estes jovens em suas perspectivas e ambições, tais quais não são idealizadas por eles mesmos, e sim por seus pais, que tinham uma grande influência na escolha profissional dos filhos e nos demais docentes da escola. O conservadorismo se destacava nessa época, e o filme se passa em 1959, logo, é notório perceber que os princípios centrados eram tradicionais, sendo estes (tradição, honra, disciplina e excelência) os quais formavam os jovens acadêmicos em líderes de orgulho para a sociedade, seus pais e a Academia Welton.

A chegada do professor de inglês John Keating (Robin Williams) nos aproxima desses garotos, que no início são apenas molduras presas em quadros colocados na parede por seus pais, como um altar que os põem em destaque, o que também pode levá-los a uma certa pressão e a receios, acumulando fardos em suas juventudes que mereciam ser vivenciadas por algo além do que já estava regrado para eles. Keating logo de início se mostra ousado quando os provoca com a ideia de rasgar as primeiras folhas dos livros didáticos. Tal ato faz com que os alunos indaguem os métodos de ensino do professor, mas para ele, o seu olhar estava voltado para enxergar o que eles poderiam conhecer, para que eles indagassem por conta própria suas realidades, o que era contrário ao que a Academia tinha como prioridade. As responsabilidades que estavam impostas a eles não lhes davam direito de possuírem suas próprias visões.

A poesia torna-se atrativa a cada um dos jovens quando estes são apresentados a obras e autores clássicos, aproximando suas realidades ao belo e às belezas proporcionadas pela arte, com grande destaque em poemas, mas também no teatro e a outras feições artísticas. A mudança de aluno para professor se reflete pelo fato de Keating ter sido um dos ex-alunos da Academia Welton, e que agora regressara para atuar como professor. De forma particular, John Keating apresenta suas metodologias de perspectivas diferentes, vistas como "fora da caixa", e tudo isso se ressalta em uma curiosidade que cativa os demais alunos, fazendo com que anseiem por fazer parte e conhecer o diferente que estava sendo posto na frente de cada um deles.

Um dos primeiros ensinamentos do professor aos jovens rapazes fora a seguinte frase: "Carpe Diem. Aproveitem o dia, meninos. Tornem suas vidas extraordinárias". Neil Perry (Robert Sean) fica fascinado pelo método de ensino do professor e seus olhos brilham com a esperança de se enxergar sem a máscara que cobria seu rosto e a faceta de seus desejos. O aluno, junto dos demais, encontra o anuário do ano em que o professor foi aluno da escola e vê que nas anotações está registrado algo como um "clube", sendo este a "Sociedade dos Poetas Mortos", o que leva os estudantes a questionarem o professor sobre o que seria tal sociedade. Pressionado pela curiosidade e o fascínio do brilho no olhar daqueles que o observavam, o professor então relata que a "sociedade" servia como uma fuga para ele, e que no meio das pressões que o absorviam, ainda existia um pouco de prazer na arte e na poesia, onde encontrava a vivacidade que o fazia lembrar de tornar sua vida extraordinária.

Tendo capturado a essência do clube, Neil possui a ideia de reproduzir da mesma forma os encontros com os amigos e, assim, se inicia outra vez a sociedade, frequentando os mesmos lugares e abrindo espaço para a arte, a poesia e a filosofia em suas vidas. Há naqueles encontros em conjunto um novo significado ao que também é importante para a vida, muito além do que somente notas boas e responsabilidades impostas pelos seus pais.

Tal ensinamento é dito pelo próprio professor, que dedica suas aulas a ensinar de forma nua e crua que cada um deles pode ampliar suas visões, já acomodadas, e observarem que a escolha de seus caminhos poderia ser além do que já estava destinado a eles, algo que nos aproxima dos personagens e ressalta que cada um emana uma lição sobre si mesmo.

"Não lemos nem escrevemos poesia por que é bonitinho. Lemos e escrevemos poesia porque somos humanos. A raça humana está repleta de paixão. E medicina, advocacia, administração e engenharia são objetivos nobres e necessários para manter-se vivo. Mas a poesia, a beleza, o romance, o amor... É para isso que vivemos."

Para Keating, os "Poetas Mortos" dedicavam-se a extrair a essência da vida, a não se conformar com uma vida em silêncio, e sim se libertar. Suas ideias eram contrárias aos demais, que ignoravam a vivacidade das belezas de tais detalhes.

"Não importa o que digam, palavras e ideias podem mudar o mundo."

A obra nos pede para trocarmos a lente com a qual observamos o mundo, para pensarmos por nós mesmos, irmos mais além do que "aproveitar o dia". O professor surge aos alunos como uma luz de esperança com o seu apreço à filosofia da vida. Em diversos momentos do filme é posto em prática as experiências dos alunos, exercícios que foram propostos para que pudessem observar os detalhes com um outro olhar, sendo um deles a composição de poemas livres, momento no qual outro personagem se destaca: Todd Anderson (Ethan Hawke) é mais um dentre os outros alunos, acabara de chegar na Academia, mas sua timidez se ressaltava e fora mais um detalhe observado pelo professor, que o levou em frente À turma, mesmo o jovem não tendo escrito seu poema. Ainda assim, Keating pede para que o garoto feche os seus olhos e fale em voz alta, quase como um "bardo", os versos que emanassem de sua mente. Essa cena do filme é vista com muito apreço, pois adentramos nas palavras que transbordam de forma espontânea, que voam da boca do jovem e saem em liberdade por toda a sala, fascinando os outros colegas e o professor, que neste momento o observava. Todd possuía as mesmas pressões impostas pelos pais, recebendo o mesmo presente todos os anos, para lembrá-lo de suas escolhas futuras; escolhas feitas, mas não por ele. Ao entrar na Academia, Neil fora o primeiro a se aproximar do garoto, lhe dando o conforto de estar fazendo parte entre os demais colegas e sendo um outro membro da sociedade. Em determinado momento, um próximo exercício propunha que os alunos subissem na mesa para que do alto pudessem enxergar a vida em suas diversas facetas, ou seja, em suas diferentes perspectivas. Nos demais exercícios, é notório observar que o ponto principal é a poesia, a qual é vista como o sentido e o que dá razão à vida. Em todos esses momentos é perceptível que já existe uma aproximação maior dos alunos com o professor e também um mesmo interesse, já que este é ressaltado nos encontros da sociedade, os quais acontecem na floresta, no que parece ser em uma caverna que mesmo fria ainda os acolhe em segredo para que juntos eles possam ler e falar sobre obras e escritores, suas paixões e anseios que vão além de tudo aquilo, pois estavam aprendendo a tecerem seus próprios pensamentos e visões. 

A arte em todas as suas versões estava ampliando espaço no coração dos jovens. Eles estavam se conhecendo melhor através da arte, encarando suas realidades e o que de fato queriam para que pudessem aproveitar os seus dias e tornarem suas vidas extraordinárias; suas ações envolviam se declarar para a garota por quem se estava apaixonado; se sentir um herói que não possuía medo e que podia alcançar o que bem quisesse; gritar para o vento com sua própria voz; perder medos e inseguranças, como se apresentar na frente da turma; e também seguir as vozes que os chamam em seus corações, tal qual Neil, que descobre sua paixão pelo teatro e o anseio de querer atuar, algo que foge das expectativas de seu pai, logo reprimindo o sonho do garoto. Nem mesmo a rigidez do pai o impediu de naquele momento ousar-se a tentar seguir o sonho que o chamava; sem a autorização dele, o jovem se inscreve em uma peça de teatro, na qual iria encenar Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare, a qual seus amigos, junto com o professor, vão prestigiar. O pai de Neil descobre o ato do filho e ainda assim presencia a sua encenação. Ao assistirmos o filme pela primeira vez podemos sonhar com a esperança de que esse momento poderia mudar e o jovem poderia fazer suas próprias escolhas, mas mal sabíamos que o momento mais feliz de sua vida estava sendo o primeiro e último.

As tentativas de contar ao seu pai sobre o que o ansiava e aquilo em que tanto acreditava não adiantaram, pois este não dava espaço para os desejos do filho. Neil, por mais que tentasse, teve seus sonhos negados. O desfecho acaba por ser trágico, pois Neil não enxergava esperanças para continuar desfrutando da vida quando o que tanto ansiava lhe fora tirado. Para o afastar de seus sonhos, o pai do garoto, com inúmeros sermões, resolve transferir o filho para uma escola militar, sendo este um lugar mais rígido. O ato do pai fora um grande aprisionamento para Neil, o qual não aguentava mais sustentar as frustrações que tanto recebia. Neil, ao decidir dar cabo da própria vida, tornara-se agora um poeta morto, quando este fora oprimido, não aguentando viver sem as esperanças no que havia encontrado vivacidade, sendo esta uma escolha que gerada pela dor e por não ter liberdade. Ele é agora um poeta morto, pois fora obrigado a matar consigo a poesia que o abraçava e o possuía. Igualmente em sua peça apresentada, visto de um outro olhar, podemos imaginar que Neil partiu para a floresta em busca de vida. Tal comparação é feita pela harmonia das cenas que se complementam quando, momentos antes de tirar a própria vida, ele recoloca a mesma coroa de flores usada por seu personagem como se estivesse se despedindo enquanto as cortinas se fecham por uma primeira e última vez. Mesmo tendo seu último dia, ele sabia que tivera o mantra seguido e pôde uma única vez ter aproveitado o seu dia.

As cenas finais do filme nos remetem a uma das aulas em que uma citação é narrada pelo professor e podemos observar a perceptível intenção de comparar esses dois paralelos. Trata-se de uma citação de Henry David Thoreau, de seu livro Waden: A Vida Nos Bosques:

"Fui para os bosques viver de livre vontade. Para sugar todo o tutano da vida. Para aniquilar tudo o que não era vida e para quando morrer, não descobrir que não vivi."

O trágico final ocasionado pela decisão de Neil acaba por culpar o próprio professor, que fora acusado de ser o responsável a estimular tais atos nos alunos com suas ideias contraditórias, de os levarem à inquietação de explorarem o que estava distante de suas realidades, quando este os observava com esperanças para sonharem e aprenderem a abraçar a vida, sem enxergá-la com preconceitos, dando voz ao que pensavam e sentiam, pois os enxergava como mais do que alunos, mais do que apenas notas e responsabilidades. Sendo punido de forma injusta, o professor acaba por ser demitido, mas nem mesmo isso iria resolver ou apagar as experiências vividas e com as quais agora teriam de lidar. A escola jogou a culpa em alguém de forma abrupta e cruel, escondendo suas falhas estruturas, enquanto todos os amigos do jovem sabiam que isso não tinha fundamentos, era muito mais do que encontrar alguém para culpar, mas sim uma vida que se perdeu, pois ousou sonhar com o que não estava ao seu alcance. Tal acontecimento nos deixa com sentimentos familiares a revolta e a dor que sentimos de forma empática pelo professor e pelos demais amigos de Neil.

Apesar da dor que havia ficado pela perda de um amigo que entre todos os outros se destacava por seus sonhos e de forma pura ainda emanava esperanças, ainda assim, essa seria a imagem deixada pelo jovem que partiu e também sentida pelo professor que o enxergou como muito mais do que um aluno e, junto aos demais, também sentiu todas as esperanças, paixões e coragem de ser, com muito orgulho e honra.

Nos momentos finais da obra, o professor está indo na sala buscar seus materiais para enfim se despedir, e a inquietação absorve muito dos alunos ali presentes, que sentiam toda aquela dor que estavam reprimindo pelos mesmos medos. Mas nem a presença do diretor naquele momento os impediu de dar um adeus digno ao professor, quando estes sobem na mesa e proclamam juntos: "Oh captain, my captain!" ("Oh capitão, meu capitão") em respeito e apreço ao professor com quem partilharam bons poemas e lado a lado vivenciaram momentos extraordinários de suas vidas.



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Lyriel Damasceno
Amante da arte, cinéfila na maior parte do tempo e leitora assídua nas horas vagas. Aspirante a escritora que transborda na poesia das canções de Taylor Swift e sofre incondicionalmente por Crepúsculo, Antes do Amanhecer e Sociedade dos Poetas Mortos. Suas principais inspirações se fazem presentes nas escritas de Jane Austen, na poesia de Emily Dickinson e na melancolia de Clarice Lispector.

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