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A literatura erótica clássica: uma breve introdução

Considerações iniciais: A exposição deste artigo se limitará a abordar o que será chamado “literatura erótica clássica”, que não irá remeter somente ao período clássico antigo, mas usará o termo com maior abrangência como se faz nesta revista. Isso implica que não se pretende abordar os livros eróticos da atualidade. A ideia deste artigo é introduzir um nicho da literatura que apresenta noções construtivas de filosofia e arte, além de representar temas pertinentes na atualidade como libertação de sexualidade e gênero, com variados enfoques em teoria feminista, psicanalítica e revolucionária. Avisos de gatilhos serão deixados na apresentação das obras para evitar desconfortos, mas não faremos qualquer tipo de juízo de valor e de moral sobre qualquer obra citada, mesmo as mais polêmicas. O objetivo deste texto é de apresentação de uma literatura, de suas nuances e questionamentos. 

Sontag e a questão da literatura erótica como arte

“Para colocar a questão de forma mais geral: a arte (e fazer arte) é uma forma de consciência; seus materiais são a variedade de formas de consciência. Nenhum princípio estético pode fazer com que essa noção de matéria-prima da arte seja construída excluindo-se mesmo as formas mais extremas de consciência, que transcendem a personalidade social ou a individualidade psicológica.”

A citação acima é retirada do ensaio de Susan Sontag intitulado “A Imaginação Pornográfica”, escrito em 1967. Neste ensaio, Sontag explora o papel (e se ele existe mesmo) do que ela escolhe por chamar “pornografia” na literatura. Apontando uma visão centrada em críticos dos Estados Unidos da América e nos da Grã Bretanha, Sontag discute se podemos considerar essa literatura “suja” (termo dela) e subversiva como literatura realmente, ou seja, como arte. 

Sontag utiliza de uma posição neutra por vários momentos, mas seu ensaio aborda como os temas da literatura erótica são pertinentes no estudo da consciência humana, da sexualidade, da emancipação e libertação feminina e de amarras de questões limitantes de gênero no geral mesmo que ela cite as perspectivas realistas da fetichização e do machismo que ainda existem dentro da literatura erótica. Ela escreve ao falar sobre Sade: “Justine é o estereotipo do objeto sexual (invariavelmente feminino, uma vez que a maior parte da pornografia é escrita por homens, a partir do ponto de vista masculino estereotipado)”. Não é que Sontag não tenha considerado as escritoras mulheres de erótica (Anaïs Nin já havia deixado escritos quando Sontag escrevia seus ensaios), mas há uma crítica neste ensaio junto com uma defesa de que há uma arte, mas falta considerar muita coisa ainda.

A história da literatura erótica acompanha a história da literatura como um todo. Desde poemas escritos na Antiguidade até as mais recentes formas de publicações de “fanfic de conteúdo hot”, o erótico teve seu lugar na polêmica e subversividade, mas também na expressão imediata do desejo humano. Progressivamente as elegias foram se tornando contos mais complexos, mais explícitos, até chegarem ao ponto de, na modernidade, se misturarem com a pornografia causando ainda mais polêmicas no meio literário e nas questões da moral, geralmente religiosa.

Na atualidade, a literatura erótica tomou temas muito amplos e se envolveu mais abertamente com outros tipos de literatura, aparecendo mais em romances, em livros de fantasia, ficção cientifica, fazendo sucesso com números de vendas e adaptações para TV e cinema. Estima-se que durante a pandemia, quase metade da população feminina da Inglaterra consumiu algum tipo de literatura erótica. Mas não é apenas o ócio da quarentena que levou essas mulheres a experimentarem essas leituras; desde que a erótica existe ela tem sido sinônimo de libertação sexual, de autoconhecimento, e funciona também como veículo de expressão de sentimentos e de questionamento filosófico. 

Essas características filosóficas e estéticas da literatura erótica são parte do que a diferencia de uma literatura puramente pornográfica, que só visa a mera descrição de atos sexuais para excitar os leitores. No erótico, encontra-se também expressão de beleza, principalmente em livros como A Vênus das Peles, no qual a beleza da arte e do corpo atraem muito o personagem principal.  

Se o termo “implicações filosóficas” causa estranheza por não conseguir relacionar literatura erótica com a filosofia, pode ser devido ao senso comum e a modernidade que resumiram o estatuto literário do erotismo à mera pornografia da mídia corrompida, expressando mais o ato sexual em si do que a significância real do erotismo na cultura e psicologia humanas. Mas há em vários textos mais antigos e consagrados expressões do erotismo que implicam em uma análise mais demorada sobre o significado daquele texto e que podem nos revelar nuances da psique humana que não consideramos antes seja por medo do pecado ou apenas por não procurar compreender a si. Seguindo o exemplo deixado pelo Oráculo de Delfos grego, a literatura erótica também é um convite a conhecer a si mesmo. 

O Erotismo de Bataille

O filósofo/poeta/ensaista/romancista francês Georges Bataille se destacou em sua filosofia e literatura por um tema central do erotismo, defendendo que este é exclusivamente humano, já que não há atividade erótica para os animais, mas apenas instintos reprodutivos. O autor movimenta também uma noção de que o erotismo surge de certo tabu imposto socialmente (e religiosamente) que causa angústia e sensação de pecado, e nisso que ele chama de transgressão o ser passa do ato sexual meramente reprodutor (animalesco) para uma busca de prazer erótico. Ele conecta essa noção de transgressão com a teoria de Nietzsche no O Nascimento da Tragédia do apolíneo e dionisíaco, em que o mundo da ordem e da razão concerne o primeiro, o erotismo é condenado no apolíneo e o dionisíaco serve como a expressão dessa transgressão.

Ele movimenta duas noções essenciais dos seres humanos: continuidade e descontinuidade. A descontinuidade é, para ele, nossa solidão, pois somos seres que nascem sozinhos e morrem sozinhos, mas neste meio tempo entre nascimento e morte, encontramos a continuidade na relação com os outros. 

Nas formas de continuidade o autor cita o erotismo, a morte, a reprodução e a violência como nossas maneiras de relação. Pode parecer macabro, mas o que o autor está dizendo, ao postular suas três formas de erotismo (dos corpos, do sagrado e dos corações) é que as nossas relações são muito mais complexas do que parecem, e abarcam muito mais do que apenas amor e ódio. O erotismo dos corpos se restringe àquela continuidade de que falamos apenas pelo ato sexual. O sagrado é o mais difícil, pois se dá em uma noção de sacrifício muito complexa, em que a continuidade se dá por uma relação de encontrar a morte por causa de outrem, nisso poderíamos pensar nos mártires, por exemplo, pois na teoria do autor há sim certo erotismo em se sacrificar por um outro e definitivamente a morte é intrinsecamente relacionada a ele (mas isso fica para outro artigo).

No erotismo dos corações temos a expressão mais conhecida na literatura: a dos amantes. O amor é central neste tipo de erotismo, mas também traz a problemática de sua relação com a morte e com a violência, se consideramos que o amante pode ser tão tomado pelo desejo de continuidade que seria capaz de matar o amado em um acesso de ciúmes, ou seria capaz de indizíveis violências, das mais condenáveis possíveis, e nisso, mesmo que este tipo de erotismo implique no amor, ele também deve ser o que mais demanda cuidado.

Tendo essa introdução da introdução considerada, faremos um percurso histórico, indo até a Grécia antiga buscar possíveis raízes da elegia erótica até chegarmos aos contos e poemas eróticos escritos no Brasil no século XX.

Poesia homoerótica clássica

As elegias consideradas eróticas no período clássico (grego e romano tardio) eram, em grande parte, constituídas de poemas, que eram um pouco mais comuns do que narrativas em prosa dentro da literatura. Por isso, grande parte do que temos de literatura erótica da época é em forma de poesia pouco explícita e que usa de figuras variadas de linguagem e metáforas para explicitar seus desejos e paixões. 

A (possível) primeira filósofa grega

Safo de Lesbos fora uma grande poeta e musicista na Grécia Antiga Clássica. Platão a citou em sua obra e a considerava “a décima Musa”, e há evidências de que ele derivou algumas de suas noções sobre o bom e o belo da poesia dela. Aristóteles nos deixou uma citação curiosa na sua Retórica sobre uma fala de Safo que não chegou até nós: “Safo diz que morrer é um mal: assim disseram os deuses. Do contrário, eles morreriam”. Com isso e outros escritos, acredita-se que, se tivessem chegado até nós mais textos de Safo, ela poderia ter sido considerada também uma grande filósofa. Mas, infelizmente, quase tudo foi perdido e resta apenas um poema completo.

Mesmo que suas canções tenham sido perdidas, existem fragmentos de suas obras que ficaram muitos anos esquecidos, mas foram graciosamente recuperados e elevados ao status de adoração no período Romântico. A questão com os fragmentos de Safo, alguns sem contexto e que nos deixam tantos desejos e questionamentos, como aponta Anne Carson em sua tradução, é que muitos deles expressam certas paixões tanto por homens quanto por mulheres, de forma romântica e por vezes de forma erótica ou na junção dos dois.  

Safo, por Gustav Klimt (1890)

Os fragmentos que chegaram até nós trazem expressões sinceras de desejo. Já dentre os primeiros fragmentos, 22 e 23, encontramos um possível desejo de Safo por figuras femininas. O anseio perpassa toda a sua obra, o desejo que não podemos compreender por completo, pois não há total contexto de seus escritos por estarem incompletos. Mas percebemos, quando ela compara essa suposta figura amada com Hermione, princesa grega filha de Helena de Troia, que supostamente herdou a beleza da mãe, que o desejo expresso no fragmento 23 é por essa mulher, bela, de quem ela gosta, com quem ela quer “ficar a noite toda”

No fragmento 48, ela escreve (em tradução nossa):

“vieste e estava enlouquecida por ti
e acalmou minha mente que queimava de anseio”

Se se tratava de um homem ou uma mulher não é importante, mas a expressão do desejo sim, de alcançar a calma de ter se saciado. Safo atribui muitos de seus desejos a Eros e à Afrodite, as grandes divindades gregas do amor romântico e carnal. Seu erotismo é completamente místico, com paixões advindas do divino e sentimentos doces transcendentes, mesmo que não sejam eróticos todos os seus fragmentos, o desejo está presente de corpo e alma. Ler Safo é uma experiência espiritual, e pensar o que poderia estar descrito nas partes perdidas de sua poesia faz a nossa imaginação voar. 

Da literatura à psicanálise

Muitos anos depois de Safo, a coisa se complica, e o erótico se torna mais subversivo. Os termos “sadismo’ e “masoquismo” se encontram muito hoje no senso comum, como expressões de prazer sexual ao infligir dor e ao sentir dor, respectivamente. O que não se conhece muito é que esses aspectos da sexualidade, que ainda são vistos na literatura erótica atual, como expressões de BDSM, por exemplo, foram cunhados a partir de dois autores: Marquês de Sade e Leopold Von Sacher-Masoch. O primeiro, francês (sim, sempre os franceses), e o segundo, austríaco, que escreveram em épocas diferentes, já que Sacher-Masoch nasceu quase 20 anos após a morte de Sade em 1814, usaram sua literatura também como via de expressão de seus desejos e paixões. Sacher-Masoch não foi muito fã do uso de seu nome por um psiquiatra da época para nomear esse prazer pela dor infligida a si mesmo, e provavelmente teria se revirado no túmulo quando Sigmund Freud aborda o termo em sua teoria psicanalítica pela primeira vez no Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade de 1905, mas não se pode negar que a Vênus serviu como um bom texto de compreensão desse prazer. Já Sade, teria adorado ver o seu nome em uma teoria freudiana relacionado com o desdobramento do que o psicanalista chamou “pulsão de morte” (também assunto para outro artigo). 

Sade: na alcova ou no fogo?

(Aviso de gatilhos de descrição de abusos e violências na obra de Sade) 

Não há como falar de literatura erótica sem falar de Sade, mesmo que ele não seja para todos os gostos. Muitos leitores são contra a literatura perversa de Sade, já que ele era completamente subversivo no que se tratava de filosofia e da sexualidade. Pregava uma liberdade incondicional, o prazer de possuir o outro como um certo objeto para satisfazer seus caprichos (contrariando a moral de Kant), a libertinagem, e fazia críticas à religião e à filosofia, escrevendo textos considerados sujos, nojentos, impossíveis de se ler. Assim como não faríamos juízo de valor sobre qualquer obra, não faremos de Sade neste escrito. Compreende-se que a leitura de Sade não é para qualquer um, há muito que pode causar repulsa em seus escritos, mas pensemos no seu papel na época, já que ele teve fama e certo reconhecimento desde seus primeiros escritos que lhe renderam uma cela na Bastilha.

Sade expõe a perversidade na sociedade sem medos de expor a verdade da mesma. Isso implica que há de se ter certo estômago para ler a história de Justine, uma jovem moça que narra, quando condenada à morte por um roubo que não cometeu, os seus infortúnios que levaram à corrupção de sua virtude e juventude por meio de violações e depravações. Não se pode dizer que Sade aprova esse destino que escreveu para sua personagem, mas também não se pode dizer que o condenou. Simone de Beauvoir teria atribuído a Sade um pensamento de conciliação das paixões e prazeres humanos com a sociedade que impõe que não é ético entregar-se às paixões. E, de fato, pode-se contestar se a libertinagem seria a melhor forma de emancipação sexual. Temos em Sade uma amostra muito fria e cruel das paixões e ele não leva em consideração nenhum tipo de amor ou de beleza. Mas o seu companheiro de terminologia freudiana (sadismo e masoquismo) abordou alguns desses temas.

A Vênus masoquista

A figura da Vênus como representação do amor ideal é encontrada em muitas partes da literatura no geral, mas na erótica ela se encontra com a personificação de Eros, que configura a expressão do desejo carnal, tal como vimos em Safo. Na obra A Vênus das Peles (1870), de Sacher-Masoch, o erotismo fica a serviço do masoquismo do personagem principal e seu peculiar gosto pela dor. O livro pode servir como um estudo peculiar das motivações e fantasias humanas relacionadas à dor. O personagem principal descreve suas experiencias a Wanda, sua Vênus, tal como suas inclinações filosóficas, citando Hegel, Kant, Platão, e literárias, com Goethe, Shakespeare, e as várias obras de arte de Ticiano, Holbein, e com ela adentra uma espiral de prazeres de submissão, já que deseja tornar-se o escravo e ela, sua dona. Várias considerações são feitas sobre o amor, que tem sim uma visão um pouco distorcida, considerando que vemos a história pelos olhos de alguém que relaciona amor e dor muito diretamente. Mas a leitura é mais tranquila e intrigante do que a do companheiro Sade.

Erotismo e emancipação

Se torna impossível não considerar o papel da literatura erótica na emancipação e libertação feminina, ainda mais com o advento da revolução sexual com a pílula anticoncepcional nos anos 1960/70, que possibilita às mulheres o sexo por prazer, como lhes havia sido negado por muitos anos pela sociedade misógina e machista, na qual só os homens podiam desfrutar do erotismo. Dizer dessa abertura de possibilidade não implica que não havia prazer para as mulheres antes, mas não era como passou a ser. E nisso a literatura erótica também teve seu papel. Como dito no começo deste estudo, durante a pandemia de nossa época, as mulheres passaram a consumir mais a literatura erótica para passar o tempo, mas também para conhecer e reconhecer formas de desejo variadas e que não precisam ser reprimidas.

Os devaneios de Anaïs Nin 

Anaïs Nin, outra francesa controversa, escrevia contos eróticos que lhe foram encomendados, muitas vezes por homens, mas também escrevia sobre o desejo feminino em seus diários e outras obras, com maior produção entre 1930 a 1960, tendo falecido em 1977. Mais uma vez vemos na literatura erótica francesa certos temas que são sensíveis ao público, por isso, deixamos o alerta de gatilho para incesto, pedofilia e sexo não consensual. Mas não é sobre essa parte que queremos falar, pois não é onde está inserido o teor emancipatório de Nin. 

Em seus diários, ela expressa pessoalidades e desejos tanto quanto na sua obra de ficção, e a leitura pode ser interessante, pois traz também visões de solidão e melancolia. A partir de um de seus diários foi extraída a história “Henry e June”, baseada em seu caso romântico com Henry Miller, outro autor de literatura erótica, e sua paixão por June, que era esposa de Henry na época. Nessa obra, é descrito como a autora passa a conhecer melhor sua sexualidade, seus desejos reprimidos, mas também como ela passa a se perceber como mulher e como ser humano no mundo através do advento de seu desejo. O sofrimento que é mostrado além do erótico neste escrito serve como forma de ver as complicações dos sentimentos humanos, mas principalmente dos desejos da mulher.

A narrativa de Nin em toda sua obra é fluída, poética e filosófica, tal como também em sua primeira narrativa ficcional e a mais poética A Casa do Incesto. Apesar do nome, a obra na verdade foca em falar sobre uma paixão por si mesmo, porém, por um si desconhecido, reprimido, que poderia ser interpretado como uma paixão pela própria sexualidade reprimida. A narrativa é feita como se descrevesse um sonho, e pode ser interpretado como o tal, se consideramos uma das primeiras teorias que Freud faz sobre os sonhos com o seu primeiro texto de psicanálise A Interpretação dos Sonhos, que diz: “O sonho é a realização disfarçada de um desejo”. É uma teoria que terá modificações adiante na obra do autor, mas, por enquanto, pensemos no que essa frase pode nos dizer. Neste ponto, poderíamos nos questionar: que realização disfarçada se encontra no sonho de Nin na Casa do Incesto senão a realização de reconhecimento de si e de sua possibilidade de libertação? 

Poética da libertação de Hilst

Dentro da literatura brasileira também encontramos um refresco de boa literatura erótica e questões intrigantes sobre os sentimentos femininos. Hilda Hilst infelizmente não pôde se consagrar como grande autora em sua época, e até considerou desistir da literatura. Ainda bem não o fez, e temos hoje seus contos e poemas que cada vez mais conquistam os leitores brasileiros. Tal como Nin, Hilst também considerou a perspectiva feminista e emancipatória no seu erótico. Ela expressa amor, perda, desejo, anseio, saudade, tudo de forma mais poética e mais mística, principalmente dentro de sua poesia. 

Na sua coleção Do Desejo, de 1992, ela escreve sobre o carnal em conexão com o espiritual, escreve sobre a experiência do desejo e da ausência, configurando um caráter quase metafísico para as paixões. Na epígrafe da coleção ela coloca:

“Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.”

Hilst nos mostra a beleza da crueldade do amor e do desejo, sem deixar de tirar o fôlego. Na coleção Da prosa, lançada pela Companhia das Letras, reúne-se toda sua obra, incluindo a Trilogia Obscena, que constitui o ápice do seu erotismo, juntando a teoria do erotismo de Bataille, a obscenidade de Sade e as pulsões de Freud junto com seus próprios sentimentos, a obra se torna uma amalgamação e ao mesmo tempo constitui algo completamente novo no cenário literário. Hilst encapsula o desejo e a solidão, o fato de a feminilidade ser tão presente chama a atenção para as questões de sexualidade, da loucura, do prazer da mulher. É uma leitura necessária.

Afinal, erótica é arte ou não?

Começamos essa introdução com a fala de Sontag sobre o questionamento se a literatura erótica é uma arte. E terminaremos este texto com uma das falas finais dela sobre o tópico:

“Em diversos pontos deste ensaio aludi à possibilidade de que a imaginação pornográfica expresse algo digno de ser ouvido, conquanto em uma forma degradada e, com frequência, irreconhecível. Defendi que essa forma espetacularmente confinada da imaginação humana tem, não obstante, seu acesso peculiar a alguma verdade (sobre o sexo, a sensibilidade, a personalidade individual, o desespero, os limites), que pode ser partilhada quando projeta a si própria em arte [...] Esse discurso, que se poderia chamar “a poesia da transgressão” é também conhecimento [...] Ele vai a algum lugar onde os outros não vão; e conhece algo que eles não sabem.”

Indicações extras

Algumas obras não puderam ser analisadas neste escrito por variados motivos, e pretende-se que as abordemos em outros artigos no futuro. Mas, enquanto isso, há aqui algumas indicações breves para quem não puder conter a curiosidade até os próximos artigos: 

  • D. H. Lawrence nos presenteou com O amante de Lady Chatterley, romance sobre a história de uma jovem mulher que se casa e logo em seguida seu marido é convocado para a guerra; em seu retorno, não pode mais conceber os atos do casamento. Para satisfazer seus desejos, ela toma um amante. 
  • Marosa di Giorgio, escritora argentina que recentemente começou a ser mais publicada no Brasil, tem contos eróticos que usam de elementos fantásticos em sua obra, um pouco parecido com o realismo mágico de Gabriel García Márquez misturado com a fantasia de Vladimir Nabokov.
  • História do olho é o primeiro romance de George Bataille, aquele do começo do artigo, e conta a história do hedonismo de três jovens que se envolvem em fantasias eróticas sobre a figura de ovos e olhos. Ele também escreveu poesia, mas não há tradução para o português ainda.  
  • Os curiosos e que não tenham gatilhos citados na parte de Anaïs Nin podem procurar pelo Delta de Vênus e Pequenos Pássaros (mas não diga depois que não foi avisado).
  • Henry Miller, aquele que teve um caso como Nin, escreveu dentre muitas obras duas que se consagraram e lhe deram renome: Trópico de Capricórnio e Trópico de Câncer. Supostamente, as duas teriam sido inspiradas em eventos reais de sua vida, incluindo o caso com Nin. 
  • O livro Por que calar nossos amores? Poesia homoerótica latina é um dos melhores materiais referenciais de literatura erótica romana que temos. Os vários tradutores e estudiosos dos autores clássicos fazem um excelente trabalho em introduzir essas poesias e mostrar as nuances da sexualidade nos tempos remotos. Catulo, Ovídio, Virgílio e Horácio são somente alguns dos poetas citados. A leitura é indispensável. 

Referências




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