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O real na magia de Cem Anos de Solidão

Bebês com rabo de porco, criança que come terra, borboletas que seguem um homem, chuvas que não param e pestes que causam insônia… Estas são algumas das maravilhas que acontecem em Macondo, cidade onde se passa a história do romance Cem Anos de Solidão, de 1967, escrito por Gabriel García Márquez

Gabo, como é conhecido o escritor (e vencedor do Nobel) Gabriel García Márquez, criou um universo incrível e atemporal que é a cidade de Macondo, lugar onde se passa a história de seu maior clássico e a vida de várias gerações de uma mesma família, os Buendía. Nenhuma de suas palavras é desperdiçada; tudo contribui para o cenário cheio de vida e magia que é apresentado. Mas além de toda a magia que ele conseguiu criar, há também fatos verdadeiros. 

Gabriel García Márquez contou que a ideia do livro nasceu enquanto ele dormia no ônibus, indo para Cidade do México. O autor disse que seu sonho foi tão vivo que ele “poderia ter ditado palavra por palavra para um datilógrafo”. As maravilhas de Cem Anos de Solidão parecem ao mesmo tempo fantasia entre sonho e realidade, pela incrível maneira específica com que são contadas.

"Ele perguntou que cidade era aquela, e responderam-lhe com um nome que nunca tinha ouvido, que não tinha nenhum significado, mas que tinha uma ressonância sobrenatural no sonho: Macondo."

As inspirações históricas

Acontece que alguns dos acontecimentos surpreendentes do romance têm como base fatos reais. No inverno de 1928-1929, centenas de trabalhadores da plantação de banana Macondo (“banana”, em Bantu) entraram em greve em Ciénaga, Colômbia. Eles se encontraram, mas a manifestação teve um final triste: eles foram baleados e centenas foram mortos. A realidade, como no acontecimento similar do livro, foi distorcida, e os detalhes do acontecido, apagados da memória geral. 

Como é possível perceber, o nome da plantação, Macondo, acabou marcando Gabriel García Márquez, que morava em uma cidade vizinha na época. Além disso, a Guerra dos Mil Dias, que devastou a Colômbia e resultou na separação do Panamá, também contribuiu para o cenário de guerra que inspirou a guerra civil de Cem Anos de Solidão. Sir Francis Drake também é citado como alguém que incomodou muito os antepassados de Ursula Buendía. A personagem de Aureliano Buendía é inspirada no General Rafael Uribe Uribe, que liderou na Guerra dos Mil Dias. O massacre na companhia bananeira também representa o período da história colombiana conhecido como La Violencia, que causou mais de 200.000 mortes. 

A política é um elemento marcante no livro. Há uma batalha entre o partido Conservador e o Liberal, mas o que difere um do outro há muito se perdeu. Desde 1810, a Colômbia foi palco de batalhas entre Liberais e Conservadores, como no livro, mas os ideais de cada um se perderam e geraram uma exaustão sobre a população. O poder passa de um partido para o outro, em um looping infinito. A representação da guerra civil de Cem Anos de Solidão mostra a opinião de Gabriel García Márquez sobre o assunto: a guerra faz qualquer homem perder aquilo em que acredita. A vila de Macondo se torna quase um país inteiro englobado em um só lugarzinho. Além de uma fábula política, Cem Anos de Solidão também traz intimidade, pois não deixa de ser a história de uma família. As inspirações na história colombiana não são tão cheias de nuances, mas na história de Gabo, elas são. 

“Acabou por perder todo o contato com a guerra. O que antes era uma atividade real, uma paixão irresistível da sua juventude, tornou-se para ele uma referência remota: um vazio.”

As inspirações autobiográficas 

Gabo também pegou emprestadas memórias de sua própria vida para compor aspectos da obra. Seu pai, o Coronel Ricardo Márquez Mejía, teve diversos filhos ilegítimos, que frequentavam a casa dos Márquez, como o Coronel Aureliano Buendía do livro e seus filhos. A semelhança não para por aí - os filhos ilegítimos de ambos os coronéis tinham suas testas marcadas por uma cruz de cinzas. 

A avó de Gabo, Tranquilina Iguarán, contribuiu para a construção da personagem Úrsula Buendía. Tranquilina acreditava que fantasmas habitavam sua casa e era muito religiosa, e teve catarata, como na cegueira final de Úrsula. A avó de Gabriel, mística como era, acreditava que um engenheiro que visitava a família estava rodeado por borboletas, história que Gabo pegou emprestada para criar a personagem Mauricio Babilônia. Ela também acreditava em meninas que podiam ser levadas enquanto estendiam a roupa, como Remédios, a Bela. A habilidade de Mina Iguarán de contar histórias foi essencial para o realismo mágico da trama. 

Gabriel García Márquez

No início de sua carreira jornalística, Gabriel recebeu a notícia de que sua avó havia falecido, e assim voltou a Arataca, cidade em que moravam, para vender a casa em que cresceu. Mais tarde, ele percebeu que a viagem de volta para a casa de sua infância foi a semente para muitos de seus trabalhos, principalmente de Cem Anos de Solidão. Muitas das vivências dos Buendía foram adaptadas de sua própria infância, e momentos de sua juventude foram imprescindíveis para a criação de diversos personagens. 

Gabo teve um grupo de amigos, conhecidos como “o grupo Barranquilla”, que era muito similar aos amigos do jovem Aureliano Babilônia. O escritor também viveu em diversos lugares da Europa, como na França, Inglaterra e Rússia. Seus tempos na Europa possivelmente influenciaram o hábito viajante de suas personagens e os novos costumes que traziam. Gabo também cortejou uma garota que mal havia chegado à adolescência, enquanto ele tinha já dezoito anos, semelhante ao primeiro Aureliano Buendía e sua esposa Remédios. Em sua autobiografia, ele conta que sua irmã Margot comia terra, seu avô fazia peixinhos de ouro e sua avó fazia docinhos de animais, além de outras curiosidades. As semelhanças com vivências do autor são infinitas na história. 

Gabo disse à revista The Paris Review, em 1981: 

“Há um truque jornalístico que também pode ser aplicado à literatura. Por exemplo, se você disser que há elefantes voando no céu, as pessoas não vão acreditar em você. Mas se você disser que há 425 elefantes no céu, as pessoas provavelmente vão acreditar em você.”

Esse elemento jornalístico é o que cria o realismo mágico de Cem Anos de Solidão; as coisas mais mirabolantes são contadas como se fossem possíveis, com especificidade e sem choque algum. 

Macondo e sua verdadeira cidade natal são tão especiais para Gabo que ele tentou diversas vezes descrevê-las em contos e projetos, até finalmente conseguir introduzir sua cidade fictícia em Cem Anos de Solidão, que pode ser considerada sua obra-prima. Em cada canto de Macondo, podemos ver pedacinhos da vida de Gabo e dos lugares em que ele viveu. As infinitas peças que compõem essa cidade cheia de símbolos são pura arte. 

"Ninguém deve saber seu significado até que tenha atingido cem anos."


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Referências



Arte em destaque: Mia Sodré

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