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Grimório das Bruxas: uma história sobre o medo

A bruxa é uma figura que permeia o imaginário popular desde a Antiguidade e sua presença é constantemente retratada na literatura, no cinema e em pinturas. O misticismo que a rodeia vem do fato de que ela também é um ser histórico, afinal, sua representação mais icônica é aquela (parcialmente fictícia) da bruxa perseguida e queimada nas fogueiras da Inquisição e enforcada em Salem. Apesar disso, poucos sabem dizer exatamente como se originaram essas perseguições e como se pode definir o que é uma bruxa e o que é bruxaria. O livro Grimório das Bruxas (The Witch: A History of Fear, from Ancient Times to the Present no original), escrito pelo historiador inglês Ronald Hutton, responde a essas questões e muitas outras sobre a bruxa, figura tão emblemática do folclore mundial. 

O livro foi lançado este ano no Brasil pela editora DarkSide Books em parceria com a Macabra, e conta com tradução de Fernanda Lizardo em uma belíssima edição. À primeira vista, o título pode confundir alguns, pois um grimório é, na verdade, um livro de magia que contém instruções sobre como praticar e executar feitiços, por exemplo. E não é disto que se trata o livro de Ronald Hutton. A tradução literal do título, "A Bruxa: Uma História do Medo, da Antiguidade ao Presente", é bem mais pertinente ao seu conteúdo, pois a obra trata-se de um estudo histórico sobre como o medo do sobrenatural foi o grande motor das perseguições à bruxaria durante boa parte da história da humanidade. Além de apresentar os dados de seu estudo, o autor também comenta sobre as pesquisas de estudiosos que vieram antes dele, que também se debruçaram a pesquisar sobre a figura da bruxa.


Manifestação universal do medo do sobrenatural

Antes de chegar ao ponto culminante da perseguição de bruxas na Europa moderna, Hutton nos leva para outros continentes e mostra como o medo da bruxaria se manifestou em sociedades não europeias. Foi curioso perceber que, até o momento da leitura do livro, ainda não tinha me questionado sobre como a bruxaria era encarada em outros lugares fora da Europa e América do Norte, pois, como participante da sociedade ocidental, só tive contato com a figura que foi criada em tal contexto. Não havia me passado pela cabeça a ideia de que outras sociedades poderiam perseguir e matar pessoas por bruxaria. 

Hutton fala sobre alguns povos do continente africano que antes da colonização europeia queimavam muitas pessoas vivas sob acusação de bruxaria, ou linchavam seus condenados, deixando seus corpos apodrecerem no mato. Alguns fatiavam os corpos dos executados em pequenos pedaços a fim de evitar que seus espíritos assombrassem os vivos. 

Antigos preceitos 

Voltando mais ainda no tempo, precisamente até a Antiguidade Clássica, Hutton aborda as diferenças entre conceitos de magia nas culturas antigas através de uma pesquisa comparativa das posturas à bruxaria e outras formas de magia nos universos do antigo Mediterrâneo e do Oriente Médio. Esse capítulo é essencial para entender como se formou o medo da bruxaria no imaginário cristão ocidental, pois é perceptível a forma com que a religião cristã foi moldada a partir de um grande retalho de preceitos de outras religiões. O medo cristão da bruxaria foi herdado e, posteriormente, potencializado. Segundo a análise de Hutton, 

“os julgamentos das bruxas da era moderna derivaram do fato de que o cristianismo ocidental conseguia misturar a crença mesopotâmica em demônios e bruxas, à persa em um dualismo cósmico absoluto, a hebraica em uma única divindade verdadeira, zelosa e, em última instância, todo-poderosa, a grega, em disputa entre religião e magia, a romana com sua crença em bruxas e (talvez) a necessidade de caça às bruxas em épocas de necessidade especial, e a germânica, com seus canibais humanos assassinos noturnos e voadores, em sua maioria ou totalidade mulheres.”

As raízes da perseguição

A magia fazia parte do cotidiano de sociedades antigas, tais como a egípcia, a grega, a romana, a mesopotâmica etc. A maior parte dessas sociedades possuíam sacerdotes e magos que se envolviam na prática da magia cerimonial, que consiste na realização de ritos elaborados e ingredientes especiais para alcançar fins mágicos, normalmente aprendidos em textos escritos. 

Muitos desses textos chamados de "papiros mágicos" foram posteriormente traduzidos e utilizados pelos europeus no início da Idade Média, um período em que se tinha extremo interesse pela magia cerimonial praticada na Antiguidade. Inspirados pelos antigos, os europeus do período medieval também elaboraram seus manuais mágicos. Os mais famosos são O livro das Juras de Honório e A Chave de Salomão, nos quais podemos encontrar a contribuição da Europa cristã para a tradição da magia cerimonial, que Hutton chamou de “geométrica”, pois eles postularam o círculo e o pentagrama como símbolos ritualísticos de proteção e purificação. 

Magic circle, de John William Waterhouse (1886)

A festa da magia na Europa foi boa enquanto durou, pois com o assentamento do cristianismo como religião dominante, ela passou a ser tratada como prática herética. Logo um pensamento foi lapidado pelo alto clero de que os atos mágicos eram realizados com a ajuda de demônios, enquanto os milagres dos santos cristãos eram possibilitados pela intervenção do único Deus verdadeiro. Foi uma atitude de “se você fizer é ruim, mas se eu fizer é bom”. Não é difícil parar para refletir acerca de como a igreja ainda possui muitos rituais que podem ser considerados como ritos mágicos, por exemplo, o rito simbólico de comer o corpo de Cristo e depois beber seu sangue. Todavia, se a umbanda acende uma vela para Ogum ou São Miguel, sua prática é considerada como adoração ao demônio. Algumas coisas nunca mudam. 

Logo, a demonização da magia deu motivo para o começo das perseguições aos possíveis hereges. Bibliotecas inteiras foram queimadas por seus proprietários por medo de que pudessem ser consideradas detentoras de textos mágicos. Foi-se construindo um grande temor geral nas pessoas de serem acusadas de praticar magia ou de serem vítimas de algum encantamento, e, posteriormente, começaram as acusações falsas, que eram resultado de rixas entre vizinhos. 

Hutton aponta que o historiador Michael Bailey fundamentou a concepção da bruxa do ínicio da era moderna na fusão feita pelos clérigos em relação à magia cerimonial de elite, à tradição comum de feitiços práticos e ao temor geral da magia maléfica em um único constructo demoníaco. Essa mistura serviu para estampar as caricaturas medievais padrão de seitas heréticas. O estereótipo de uma seita satânica de bruxas surgiu pela primeira vez nos Alpes ocidentais durante o início do século XV, e era um conceito totalmente novo, criado e propagado por frades pregadores das ordens mendicantes, dominicanas e franciscanas. Era preciso que fosse elaborado um estereótipo que levasse os acusados de heresia para a fogueira e que convencesse a opinião pública de seu caráter maléfico. Um dos textos, chamado de Errores gazoriorum, descrevia o que acontecia nessa seita imaginária de bruxas; as atividades praticadas consistiam em comer bebês assassinados, dançar e realizar uma orgia sexual sem levar em conta o gênero ou os laços de parentesco dos praticantes. 

Estava assim instalada a guerra entre Deus e o Diabo na Terra, onde o pânico florescia e, consequentemente, levava a julgamentos, torturas e execuções. 

Bônus

A edição de Grimório das Bruxas ainda conta com uma seleção de filmes sobre bruxas, com ênfase ao filme Häxan (1922), uma sessão sobre as bruxas de Salem, o conto O Jovem Goodman Brown, escrito por Nathaniel Hawthorne, e uma rica bibliografia  para estudiosos da história da bruxaria. 

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