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Oscar Wilde: uma história sobre arte, amor e legado


Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde, nascido em 16 de outubro de 1854, foi um aclamado escritor britânico durante o fim da Era Vitoriana. Romancista, poeta, dramaturgo e ensaísta, Wilde parecia se destacar em tudo aquilo que se propunha a fazer, e isso se devia, sem sombra de dúvidas, à sua paixão e devoção pela arte. O escritor se dedicava ao seu trabalho com afinco, não obstante, era reconhecido em seu meio e levava uma vida confortável com a mulher, Constance Lloyd, e os dois filhos.

“Na verdade, nada, em qualquer época da minha vida, teve a menor importância para mim quando comparado à arte. E quando se trata de um artista, toda a fraqueza capaz de embotar o poder de criação é nada mais nada menos do que um crime.”

(De Profundis)

O escritor viveu uma vida marcada tanto pelo sucesso quanto pela ruína, era verdadeiro em seus amores e foi isso que levou tanto ódio até ele. A verdade é que a existência de Wilde é tão complexa e multifacetada quanto suas obras, o tornando alguém notável mesmo 123 anos depois de sua morte.

Da arte 


Oscar Wilde pertencia ao Esteticismo, movimento artístico que surgiu por volta de 1851 na Europa. Sendo contrário aos padrões convencionais da época, que afirmavam de forma velada que a arte devia cumprir um papel moralista e transmitir assim valores e mensagens que fossem adequados à sociedade do período, o Esteticismo pregava a ideia de “arte pela arte”, a separando das questões morais da Era Vitoriana e cumprindo seu objetivo em si mesma. Afirmando que o indivíduo deveria levar uma vida que tivesse como fim único o prazer estético, perseguindo assim a beleza e desfrutando da existência como se esta fosse uma verdadeira obra de arte, esse movimento se caracteriza pela liberdade de expressão, sensualidade, beleza e bom gosto, e é nele que Wilde se destaca, aplicando esse pensamento não só no seu trabalho, mas também na sua vida pessoal, o que o tornou a figura mais famosa da corrente durante aquele período.

Em seu ensaio A decadência da mentira, Wilde deixa claro sua visão a respeito da arte. Em uma crítica direta ao Realismo, em que a arte imita fielmente a vida, o escritor afirma que esta não precisa ter compromisso com a moral e a sociedade, sendo completa em seus próprios parâmetros e independente da norma de cada época, assim tendo como único propósito o papel estético. Para ele, a vida imita a arte e não o contrário.

“A arte nunca expressa nada além dela mesma. Ela tem uma vida independente, assim como o Pensamento tem, e se desenvolve puramente em suas próprias linhas. Não é necessariamente realista em uma idade de realismo, nem espiritual numa época de fé. Longe de ser a criação de seu tempo, geralmente em oposição direta a ele, e a única história que preserva para nós é a história de seu próprio progresso.”

(A decadência da mentira)

Isso, no entanto, não significa que Wilde criava obras superficiais. Muito pelo contrário.

Seu único romance, O retrato de Dorian Gray, contos, ensaios e peças, são um mergulho na mente humana sem as amarras da ética e etiqueta de seu tempo. Wilde, dentre outras coisas, abordava as desigualdades econômicas e sociais do período, criticando a concentração do capital nas mãos de poucos enquanto tantos outros passavam fome. Essa temática, abordada de maneira ficcional em alguns de seus contos, como em O príncipe feliz e O jovem rei, também aparece abertamente em A alma do homem sob o socialismo, um ensaio escrito em 1891 em que o autor expõe uma visão de mundo libertária através de tal sistema político.

“— Quem é o seu amo? — perguntou o jovem Rei.
— Nosso amo! — bradou o tecelão amargamente — Ele é um homem como eu. De fato, há apenas uma diferença entre nós: ele usa roupas requintadas, enquanto eu ando em trapos e, enquanto estou fraco de fome, ele passa mal por comer demais.
— O país é livre — disse o jovem Rei —, e tu não és escravo de ninguém.
— Na guerra — respondeu o tecelão —, os fortes escravizam os fracos, e, na paz, os ricos escravizam os pobres. [...] Semeamos o trigo e nossa própria mesa está vazia. Temos correntes, embora ninguém as veja, e somos escravos, ainda que os homens nos chamem de livres.”

(O jovem rei)

Da censura 


Conhecido por seu talento, inteligência e extravagância, Wilde se dava bem no meio artístico da sociedade inglesa em que estava inserido, mas foi a partir da publicação de O retrato de Dorian Gray, em 1890, que suas ideias foram expostas de maneira clara em forma de ficção. A partir desse momento, o corpo social não hesitou em torcer o nariz diante da moralidade cinza no que viria a ser um dos livros mais importantes da literatura inglesa nos próximos séculos, uma obra-prima que, apesar da forte censura, foi capaz de escandalizar o público da época e mais tarde ser usada contra o próprio autor para reforçar suas tendências ditas imorais e corruptas em um julgamento que definiu os anos finais de sua vida.

Oscar Wilde

Dentre os temas censurados na primeira versão do livro, o amor que o pintor Basil sentia por Dorian Gray foi fortemente apagado da narrativa. A palavra “romance”, que mais de uma vez Basil usou para descrever seu sentimento em relação ao homem mais jovem, foi substituída para dar a entender que a fascinação que o pintor nutria por Dorian era equivalente à obsessão de um artista para com sua musa inspiradora, e não a atração sexual que um homem sentia por outro.

Em um trecho da versão censurada, em que Lorde Henry pergunta a Basil com que frequência ele vê Dorian, o pintor diz o seguinte:

"Todos os dias. Eu não poderia ser feliz se não o visse todos os dias. Ele é absolutamente necessário para mim.”

Entretanto, na versão original, tal fala trazia uma conotação diferente: 

"Todos os dias. Eu não poderia ser feliz se não o visse todos os dias. Claro que às vezes é apenas por alguns minutos. Mas alguns minutos com alguém que se adora significam muito.”

Nota-se a substituição do termo “adorar” por “necessário”, suavizando os verdadeiros sentimentos de Basil e os transformando em interesse artístico para com a figura de Dorian Gray.

Censuras do tipo foram recorrentes na obra, e uma delas, já presente em edições modernas do livro, descreve de forma clara as afeições de Basil, que as confessa para Dorian em um diálogo removido e alterado em partes.

“É bem verdade que eu tenho adorado você com muito mais amor que um homem jamais deveria dar a um amigo. De alguma forma, eu nunca amei uma mulher.” E continua, agora se referindo ao retrato de Dorian que pintou anos atrás na cronologia do livro: “Havia amor em cada linha, e em cada toque havia paixão. Eu cresci com medo de que o mundo saberia da minha idolatria. Eu senti, Dorian, que eu tinha falado demais.”

Mesmo as passagens censuradas incomodaram críticos da época, que interpretavam os sentimentos de Basil como clara indicativa de romance entre ele e Dorian Gray. Outras passagens do livro, dessa vez não relacionadas ao possível conteúdo homossexual, também foram modificadas.

Na versão original, a personalidade de Dorian era bem mais cinza do que dava a entender. Para tornar o personagem mais corrupto - para que assim seu final trágico servisse um objetivo moralista sobre o que aconteceria com um homem se cedesse ao pecado - passagens em que Dorian se mostrava gentil e à par de seus defeitos e sentimentos foram cortadas. Tudo para que o leitor não conseguisse, nem por um momento, nutrir algum tipo de simpatia por ele.

Wilde, que era tão contra tornar a arte um instrumento que reforçasse princípios e doutrinas estimados à sociedade da época, foi vítima desse esquema em seu único romance publicado. Tudo porque se aquele fosse um livro que mostrasse o lado “feio” da condição humana, então que pelo menos Dorian não se mostrasse genuinamente bom em momento algum, evidenciando para os leitores que não havia meio-termo entre “bom” e “mau”, e uma vez que se escolhe o pecado, mesmo as partes intocadas da alma são consumidas pela corrupção e não há mais um meio de voltar atrás.

Do amor 


“Começarei por dizer-lhe que me julgo terrivelmente culpado. Aqui na minha cela escura, envergando este uniforme de prisioneiro, um homem desgraçado e totalmente arruinado, eu me julgo culpado. Nas agitadas noites cheias de angústia, nos longos e monótonos dias cheios de sofrimento, é a mim que eu culpo. Culpo a mim mesmo por ter permitido que uma amizade que nada tinha de intelectual, uma amizade cujo objetivo principal jamais foi a criação ou a contemplação do belo, dominasse inteiramente a minha vida.”

(De Profundis)


Estas são as palavras que Wilde escreveu durante seus dois anos como prisioneiro. De Profundis é uma longa carta publicada postumamente do escritor para Alfred Douglas, mais conhecido como Bosie, o poeta inglês cuja relação com Wilde foi responsável por levar o artista à prisão.

Wilde e Bosie se conheceram em 1891 e logo se tornaram muito próximos. O escritor apreciava a companhia do rapaz, que na época tinha 21 anos e era 16 anos mais jovem que ele. Em De Profundis, Wilde conta sobre as tardes e noites que passava na companhia de Bosie, que por sua vez estava também sempre ao seu redor. Por mais que precisasse se concentrar na escrita, Oscar se deixava levar pela presença do rapaz, que, segundo ele, possuía uma incapacidade de ficar sozinho. Apesar do seu trabalho ser afetado pelo tempo que passava com Bosie, Wilde não se importava devido à felicidade que a companhia do jovem lhe trazia.


Os dois chegaram a viver juntos por um tempo, e embora Bosie fosse uma espécie de musa inspiradora para Wilde e o destinatário de tantas cartas românticas que o escritor lhe enviava, ele possuía um temperamento volátil e mesquinho, e foi justamente essas falhas de caráter que os levaram a pontos críticos da vida.

Bosie não se dava bem como seu pai, John Douglas, o marquês de Queensberry. O homem mais velho sempre desaprovou o interesse pela arte e o ciclo de amizades do filho, o que fez um ódio mútuo crescer entre os dois.

Queensberry, sabendo da relação entre Bosie e Wilde, passou a difamar o escritor publicamente e chegou a ameaçar donos de bares que recebessem o casal. Bosie, cego pela antiga raiva que nutria pelo pai e irritado pelo modo como o marquês queria ditar com quem ele devia ou não se envolver, não só não acatou as ordens de se afastar do artista como desafiou o pai em um telegrama descrito em De Profundis como “tolo e vulgar” e que “teria envergonhado o mais grosseiro dos moleques de rua”. Bosie, ao enviar aquele telegrama, escolheu ignorar as consequências que recairiam sobre o homem que o amava em uma provocação direta à autoridade do marquês, um gesto tanto tolo quanto egoísta.

“O ódio envenenou e paralisou aqueles dons que você possuía e que o amor teria nutrido. Quando seu pai começou a lançar seus primeiros ataques contra mim, foi como seu amigo particular e numa carta particular enviada a você. [...] Eu lhe disse então que não estava disposto a servir de instrumento na antiga guerra de ódio que existia entre vocês; [...] que seria injusto colocar-me, mesmo que por um instante, em tal situação e que eu tinha coisas melhores a fazer da minha vida do que brigar com um homem bêbado, déclassé e meio louco como seu pai. Mas você não queria entender, o ódio o tornara cego. Insistia em afirmar que a briga não tinha realmente nada a ver comigo; que não permitiria que seu pai mandasse nas suas amizades particulares; [...] E antes mesmo de me procurar para falar sobre o assunto já havia enviado a seu pai um telegrama tolo e vulgar. Os erros mais terríveis da vida de um homem não acontecem porque ele é um ser irracional – um momento de irracionalidade pode tornar-se o mais belo momento da vida –, mas porque ele é um ser lógico. Há uma grande diferença. Aquele telegrama determinou todo o seu relacionamento subsequente com seu pai e, consequentemente, toda a minha vida.”

(De Profundis)

Wilde, então, entrou em uma batalha judicial e acusou o marquês de difamação, mas tudo mudou quando Queensberry, por sua vez, alegou que o poeta se envolvia com homens mais jovens e tinha relações lascivas com eles. As cartas românticas para Bosie foram levadas a tribunal, assim como as alegações de que Wilde presenteava rapazes com itens caros em troca de supostos favores sexuais. Passagens de O retrato de Dorian Gray também foram analisadas e Wilde foi julgado não só por suas atitudes, mas por aquilo que ousava expressar em palavras. Mesmo sendo aconselhado por amigos próximos a fugir do país, ele se recusou e enfrentou o julgamento em prol da sua inocência, afirmando que não havia nada de errado em sua amizade com Bosie e muito menos em seus escritos, defendendo assim a beleza da afeição entre dois homens no tribunal em um discurso eloquente, mas de que nada adiantou para inocentá-lo.

“A única ação vergonhosa, imperdoável e desprezível que cometi em toda a minha vida foi permitir a mim mesmo apelar à sociedade em busca de ajuda e proteção. [...] Naturalmente, depois que coloquei em ação as forças da sociedade ela se voltou contra mim e disse: 'Você, que viveu tanto tempo desafiando as minhas leis, vem agora apelar a essas mesmas leis, em busca de proteção? Pois verá que essas leis serão cumpridas e terá que submeter-se a elas'. O resultado é que estou agora no cárcere.”

(De Profundis)

Sentenciado a 2 anos de trabalhos forçados, Wilde perdeu seu nome, posição e riqueza. Mas, de todos os golpes, o mais duro foi quando a guarda de seus filhos foi tirada dele. Em De Profundis, ele diz invejar os outros presos que, do lado de fora daqueles muros, terão pessoas amadas os esperando, enquanto ele não teria a mesma sorte. Por conselhos de amigos, sua mulher, Constance, também retirou o sobrenome Wilde dos filhos e o trocou para Holland, a fim de evitar que fossem reconhecidos pelo escândalo que tinha acometido sua família e os poupassem de constrangimentos futuros. Até hoje, os descendentes do escritor carregam o sobrenome Holland.

“Havia perdido meu nome, minha posição, a felicidade, a liberdade, a riqueza. Era um prisioneiro e um mendigo. Mas ainda tinha meus filhos. De repente, eles me foram tomados por força da lei. Foi um golpe tão terrível que fiquei sem saber o que fazer e prostrei-me de joelhos, curvei a cabeça e chorei.”

(De Profundis)

Do legado 


Wilde amou, mas foi seu envolvimento com a família de Bosie que o arruinou em muitos aspectos. Ele saiu da prisão, mas não tinha mais uma família para a qual voltar, nem um único tostão no bolso e sua alegria ao escrever tinha praticamente desaparecido. Seu trabalho mais notável após seu período na prisão é “A Balada do Cárcere de Reading”, um poema, e nele o poeta escreve:

“Yet each man kills the thing he loves.”

A frase famosa pode ser aplicada ao relacionamento conturbado entre Oscar e o homem a quem amava. Isso porque, se Bosie verdadeiramente o amou, esse sentimento foi responsável também pela morte do artista. Morte da alma, uma vez que ele perdeu tudo aquilo que lhe era mais precioso, e também a morte de seu corpo, que nunca mais foi o mesmo depois dos anos de trabalho forçado.

Oscar Wilde acreditava que, ao falarem dele, apenas se lembrariam do que foram os anos finais de sua vida. Pensava que, ao olhar para trás, as pessoas veriam apenas ruínas onde antes havia tanto uma vida quanto trabalhos admiráveis. Tudo perdido porque ele tinha sido fiel consigo mesmo até o último instante, sendo vítima do ódio de outros sobre o amor que era inteiramente dele.

Mas, ao menos sobre isso, talvez ele estivesse errado.

Oscar Wilde foi um escritor fantástico. Ele estava muito à frente de seu tempo e não se limitava ao que a sociedade queria fazer dele. Wilde não se importava com falsos moralismos, mas apontava as hipocrisias de um mundo controlador e cruel, e mesmo nos momentos mais difíceis da sua vida, encarcerado em uma cela escura e insalubre, suas ideias e seu espírito se elevavam muito acima daqueles que o tinham jogado ali. Wilde era arte em vida e exatamente aquilo que há de mais belo nela: as inconsistências, a força e a paixão.

Sua memória é grandiosa. Talvez ele não conseguisse ver isso 100 anos atrás, acorrentado e alvo de zombaria e vergonha daqueles que o viam como um criminoso por ser quem era. Mas talvez veja agora.

Uma das estrofes de “A Balada do Cárcere de Reading” diz o seguinte:

“Some love too little, some too long,
Some sell and others buy;
Some do the deed with many tears,
And some without a sigh:
For each man kills the thing he loves,
Yet each man does not die.”

Nas duas últimas linhas, o poeta escreve sobre como todo homem mata aquilo que ama, no entanto, cada homem nunca morre.

Oscar Wilde faleceu há mais de 120 anos. Mas, ao mesmo tempo, ele não deixou este mundo. Não de verdade.

Se suas palavras continuam aqui, ele também permanece. Porque Wilde viveu uma vida tão grandiosa e sublime quanto as histórias que colocava no papel. Uma vida bela e trágica, poderosa e inesquecível.

De amor, arte e beleza é feito seu verdadeiro legado.

Referências 




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