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O Retrato de Dorian Gray: a busca pela eternidade


O tema central do romance O Retrato de Dorian Gray - um personagem que leva uma vida dupla, mantendo uma aparência de virtude enquanto se entrega ao hedonismo mais extremado - tem apelo atemporal e universal, e sua trama se vale de alguns dos traços que notabilizaram a melhor literatura de sua época, como a presença de elementos fantásticos e de grandes reflexões filosóficas, além do senso de humor sagaz e do sarcasmo implacável característicos de Oscar Wilde.

Até onde você iria para ficar jovem por toda a eternidade? Dorian Gray foi longe demais. Um rapaz no auge da sua juventude e com uma beleza física inimaginável, que exibe pelas ruas de Londres seus cabelos cor do sol e olhos azuis como os oceanos é o protagonista da obra, publicada no longínquo ano de 1891. Com uma leitura inquietante e um tom sombrio, a trama, que se passa na era vitoriana da alta sociedade inglesa do século XIX, conta a história de personagens humanos nascidos em berços banhados a ouro. É um clássico atemporal que retrata o glamour hipócrita dos aristocratas ingleses daquela época - mas que dialoga com o que há de escondido em todos nós. 

Tudo começa, quando Dorian, com sua beleza fora do normal e uma personalidade doce, conquista a atenção do artista plástico Basil Hallward, que o convida para ser seu modelo em um quadro. Resultado: um belo retrato pintado a óleo. Mas, ao ver sua aparência encantadora sobre a tela, Dorian lamenta ao lembrar que, com o passar dos anos, perderá a beleza ali retratada. Ou será que não?

O fato de envelhecer e o quadro permanecer igual para todo o sempre, como um lembrete da juventude perdida e da mortalidade, incomodou o jovem e o impulsionou um pacto diabólico: trocar sua alma pela juventude eterna do retrato. Claro, esse pacto não nos é mostrado no livro, mas podemos entender que ele foi feito, já que algo sobrenatural acontece: ele permaneceria jovem e belo enquanto o quadro envelheceria em seu lugar. Eis que seu desejo é misteriosamente realizado. 

“Aquele retrato seria para ele um espelho mágico. Como lhe havia revelado seu próprio corpo, haveria de revelar a alma. E, quando o inverno envolvesse o retrato, ele ainda permaneceria naquele momento em que a primavera estremece ao se ver na fronteira do verão.” 

Algo inexplicável aconteceu. O belo rapaz, ao contrário da natureza humana, preservou seus sinais físicos de juventude enquanto os demais envelhecem e sofrem com as marcas da idade. É a partir daí que o livro abre discussões estéticas sobre a arte em desvantagem à intelectualidade e aos princípios morais. Essa inversão de valores compara o exterior e interior, a beleza e o intelecto, traçando um contexto muito próximo à nossa atualidade. Tal busca por eternizar imagens perfeitas e a preocupação em expor fotos com efeitos ilusórios é vista diariamente nas mídias sociais, parecendo ser universal e atemporal. Mais do que isso: revela o horror causado pelo envelhecimento e força as barreiras que as pessoas estão dispostas a avançar em nome de uma juventude duradoura, sem máculas físicas. 

“Mas a beleza, a verdadeira beleza, acaba onde começa uma expressão intelectual. O intelecto é por si só um exagero, destruindo a harmonia de qualquer rosto. No momento em que alguém se senta para pensar, se torna só um nariz, ou só uma testa, ou algo horrível.”

Assim, o cenário literário de Oscar Wilde, que remete ao gótico, ilustra um clima fechado com uma neblina que encobre rostos que precisam mentir e esconder suas próprias naturezas. O Retrato de Dorian Gray é um romance carregado de críticas não apenas a uma sociedade preconceituosa, mas ao indivíduo enquanto pessoa. Existem muitas leituras que podem ser feitas a partir da obra, que é suficientemente complexa para ser encarada sob diversos subgêneros, mas certamente o horror frente ao envelhecimento e a maldade disfarçada por um belo rosto é um tema do terror. 

O Mal escondido no que é socialmente aceito é algo que está, de certa maneira, relacionado com a duplicidade em O Médico e o Monstro, embora exista algo mais estético na obra de Wilde. É a busca pela eternidade, é um tema constante na humanidade, mas O Retrato de Dorian Gray a coloca em discussões filosóficas sobre arte e estética. O que é eterno, a aparência jovial ou o rastro de memórias que deixamos para trás? 




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Arte em destaque: Mia Sodré
Mia Sodré
Mestranda em Estudos Literários pela UFRGS, pesquisando O Morro dos Ventos Uivantes e a recepção dos clássicos da Antiguidade. Escritora, jornalista, editora e analista literária, quando não está lendo escreve sobre clássicos e sobre mulheres na história. Vive em Porto Alegre e faz amizade com todo animal que encontra.

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