Também conhecido como Glitter Rock, seu berço foi o Reino Unido e seu auge foi durante o final dos anos 1960 e início dos 1970. Além de um gênero musical, o Glam Rock foi responsável por disseminar muitas tendências no mundo da moda e revolucionou a estética, ganhando expressão nas roupas escandalosas, maquiagem, penteados e botas de plataforma. Muitos dos artistas do Glam possuíam um visual andrógino e ultrapassaram fronteiras de gênero e identidade, brincando com o estereótipo de feminino e masculino, absorvendo ambos em um único ser. Eram artistas completos para além da música. Muito inspirados pelas artes plásticas, pelo cinema com ênfase na ficção científica e pelo teatro, os shows de Glam eram grandes espetáculos artísticos. Mas não apenas os shows: suas próprias carreiras. O Glam não era apenas um gênero musical, passou a ser um estilo de vida e um escape da vida real e das restrições da sociedade. Um grito pela própria individualidade, mesmo fazendo parte de um grupo de pessoas.
Marc Bolan, o pioneiro do Glam
Nascido em 30 de setembro de 1947, Mark Feld, que mais tarde seria conhecido como Marc Bolan, vocalista e fundador da banda inglesa T. Rex, nasceu no mesmo ano que David Bowie, e foram muito próximos, considerados ícones do Glam Rock. Porém, o pioneirismo no estilo Glam com certeza é de autoria de Marc.
Em 1971, após mudar o nome de sua banda, fundada em 1967, de Tyrannosaurus Rex para simplesmente T. Rex, Marc Bolan e companhia lançaram o disco Electric Warrior, se afastando não apenas do folk suave e psicadélico, mas também mudando de estilo, principalmente Marc Bolan, que a partir daquele momento transformaria a moda e o estilo musical de muitos viriam depois e até de outros que já estavam em atividade.
Marc Bolan era muito carismático e logo seu estilo único, que combinava roupas femininas, sapatos coloridos, glitter, casacos de pele, rímel, penas, cartolas e jaquetas brilhantes, se tornaria inspiração para toda uma geração. Marc se divertia e exalava confiança a cada apresentação e as músicas do T. Rex dizia para os jovens se rebelarem, amarem e viverem.
Infelizmente, no auge de seu sucesso em 1977, Marc Bolan morreu tragicamente em um acidente de carro, semanas antes de completar 30 anos. Ele deixou um legado, não apenas para outras bandas e artistas que viriam depois, mas também para os fãs, que se sentiam parte de um grupo onde não se era julgado e era possível vestir e ser quem bem quisesse, até mesmo um alienígena rockstar vindo do espaço sideral.
David Bowie
As músicas e artistas do subgênero Glam falavam sobre reinvenção e transcendência, sexual ou não. Isso traz à tona um dos mais famosos artistas de todos os tempos, o camaleão do rock, nascido sob o nome de David Robert Jones, conhecido mundialmente como David Bowie.
Sua singularidade ao criar diversos alteregos e se reinventar inúmeras vezes durante a carreira o tornou não apenas uma figura icônica na música, como também na cultura pop. Bowie lançou 26 discos e atuou em mais de 20 filmes, dentre eles Fome de Viver (1983), Labirinto (1986) e O Homem que Caiu na Terra (1976). Neste, Bowie dá vida ao personagem Thomas Jerome Newton, um alienígena que vem à Terra para conseguir recursos e levá-los para seu planeta natal e sua família, que sofrem com uma grande escassez de água. Thomas, porém, não consegue voltar para seu planeta e se deixa levar pelos excessos do mundo humano, permanecendo preso na Terra, onde se transforma em um músico que sonha em voltar para seu planeta. O filme de 1976 foi baseado no livro de 1963 de mesmo nome, do autor Walter Davis, e pareceu ter sido criado especialmente para David Bowie, que anos antes havia aposentado seu mais famoso alterego e principal figura do Glam Rock mundial, Ziggy Stardust. O álbum The rise and fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars foi o 5° álbum de estúdio de Bowie, lançado em 1972, e conta a história de um alienígena vindo de outro planeta, que vivia fora das normas da sociedade, um ser andrógino, humano e alienígena: "Um eterno estranho, capaz de servir de ponto de referência para qualquer indivíduo que se sentisse isolado do mundo", como disse Lúcio Reis Filho.
I'm an alligatorI'm a mama-papa comin' for youI'm the space invaderI'll be a rock 'n' rollin' bitch for youKeep your mouth shutYou're squawking like a pink monkey birdAnd I'm bustin' up my brains for the words
Ao ouvir esse disco, é possível notar que todas as músicas tratam de um mesmo tema. Como um livro que, ao ser aberto, conta a história de ascensão e queda de um personagem excêntrico, que mesmo com pouco tempo de vida teve uma carreira consagrada e, como muitos outros astros da música, encontrou seu final cedo, assim como a vida e carreira de Maxwell Demon, persona do famoso cantor Brian Slade, personagem do filme Velvet Goldmine, de 1998.
Velvet Goldmine
Mesmo que Bowie não seja citado uma única vez no filme e nem mesmo suas músicas façam parte da trilha sonora, a vida de Brian Slade e seu alterego Maxwell Demon (interpretado pelo ator Jonathan Rhys-Meyers) tem muito em comum com Bowie/Ziggy. Além disso, Velvet Goldmine é o nome de um dos singles de David Bowie.
O longa mostra que não apenas Bowie foi inspirado pelo cinema como também o inspirou, e os paralelos entre a carreira dele e do ficcional Brian Slade são diversos. Além do óbvio, há também uma inspiração do personagem de Brian no cantor Jack Fairy (Micko Westmoreland), que faz alusão a relação entre Bowie e Marc Bolan, porque, assim como ele, Jack Fairy foi o primeiro a inspirar não apenas Brian Slade, mas muitos personagens com seu estilo único e sua personalidade cativante.
O que conduz a história do filme de Todd Haynes é a investigação do jornalista Arthur Stuart (Christian Bale), que sai em busca de um rastro do que pode ter acontecido com o famoso astro do Glam Rock Brian Slade, desaparecido após aposentar seu alterego Maxwell Demon em meados dos anos 1970. No decorrer da trama, o personagem de Bale se depara com pessoas importantes na vida de Brian, como sua ex-esposa e seu ex- empresário, e a também lenda do rock e amigo íntimo de Brian, Curt Wilde (interpretado brilhantemente por Ewan McGregor).
O filme não utiliza Arthur Stuart apenas como um jornalista investigativo que está na trama para descobrir os mistérios da vida de Brian Slade, mas também mostra como o Glam foi responsável pelas diversas descobertas na vida de Arthur. Arthur não é um agente de fora, ele também viveu tudo aquilo durante sua juventude, e aos poucos a investigação sobre o paradeiro de Brian se intercala com flashbacks das memórias do jornalista, juntando ambas as histórias com memórias de quem estava no palco, vivendo os excessos e a fama, mas também dos fãs. Mostra como um movimento que durou tão pouco tempo mudou tantas vidas.
"Houve uma vez um país desconhecido, cheio de estranhas flores e perfumes sutis. Uma terra na qual a maior alegria é sonhar, um lugar onde tudo é perfeito e venenoso. [...] Faça um pedido e veja a si mesmo num palco ao contrário com grinaldas coloridas nos cabelos. Claro que você deve estar surpreso. E suavemente ele disse: vou dilacerar sua mente."(Velvet Goldmine, 1998)
Mas Marc Bolan e David Bowie não foram os únicos grandes artistas da era Glam. Podemos ver isso até mesmo em Velvet Goldmine quando observamos o fascinante personagem de Ewan McGregor, Curt Wild, com seus traços físicos e de personalidade parecidos com os do cantor Iggy Pop. Por não ser um gênero bem formalizado ou com regras rígidas, muitas vezes, para fazer parte do Glam, era possível seguir apenas o vestuário e o estilo de vida do movimento. Por conta disso, Lou Reed, Elton John, Prince e Queen podem ser entendidos como Glam. Além do Metal Glam, que se diferencia do Glam Rock por ter um som mais pesado, que conta com representantes como a banda Kiss, Poison e Mötley Crüe.
Voltando ao Glam Rock, o Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, onde o movimento teve menor impacto, teve representantes importantes.
O Glam no Brasil
Desafiando as estruturas conservadoras do Brasil na época da ditadura militar, há muitos expoentes do Glam no país, desde o cantor Edy Star e seu disco Sweet Edy, Ney Matogrosso e os Secos e Molhados, o grupo de teatro Dzi Croquetes e Rita Lee & Tutti Frutti com seu icônico álbum Fruto Proibido com a capa que fazia levemente referência ao álbum The Man Who Sold The World, de Bowie, lançado em 1970.
Escandalizando boa parte do público conservador brasileiro das décadas de 1960 e 1970, os artistas do Glam brasileiro faziam shows performáticos e suas letras falavam sobre liberdade e individualidade, assim como os artistas ingleses, mas com algo a mais. Além da crítica à ditadura, havia também o experimentalismo de novas técnicas e o estilo que tinha muito em comum com a moda do Glam inglês, mas que era único por sua singularidade, não apenas na estética de sua vestimenta e maquiagem, mas também na capa dos discos e nas apresentações ao vivo.
Ela nem vem mais pra casa, doutorEla odeia meus vestidosMinha filha é um caso sério, doutorEla agora está vivendo com esse tal deRoque Enrow!Roque Enrow!Roque En(Rita Lee & Tutti Frutti, 1975)
O Glam não foi apenas um gênero musical, mas também um movimento artístico e estético de libertação sexual que causou mudanças mundo da música e da arte e no modo de viver de diversos jovens que aproveitaram seu auge. Causando mudanças e juntando os povos, os gêneros musicais sempre se reinventam e se tornam, de alguma forma, eternos, assim como é imensa a influência que o Glam Rock e seus artistas ainda possuem, seja na música ou na cultura pop.
Se você quiser conhecer as músicas que fazem parte do Glam Rock clássico, basta acessar a nossa playlist abaixo (caso o player não aparecer, clique aqui).
Referências
- Para ser lido no último volume: a década de Bowie e o Glam Rock em Velvet Goldmine (Lúcio Reis Filho)
- O Glam Rock brasileiro: moda e comportamento andrógino na década de 1970 (Patrícia Marcondes de Barros)
- A contracultura, o glam rock e a Moda andrógina nos anos 70-80 (Patrícia Marcondes de Barros)
- Glitter and curls: Marc Bolan and the birth of glam rock style (The Guardian)
Que texto incrível!!! A era do Glam Rock foi muito marcante e representativa de libertação artística e sexual, tendo influências até os dias de hoje. O Glam continua vivo e nunca será esquecido!
ResponderExcluirTexto excelente, adorei!
ResponderExcluir