últimos artigos

Uma ode à amizade de Percy Shelley e John Keats

Em 19 de julho de 1822, o corpo de um homem foi encontrado na costa marítima entre as regiões de Massa-Carrara e Viareggio, na Toscana italiana. Seu cadáver já se encontrava parcialmente devorado e o restante de seu corpo em avançado estado de decomposição. Entretanto, um livro de poemas guardado no bolso de seu casaco seria primordial para a identificação do corpo. Antes de sair para sua última viagem ao mar, em seu barco denominado Ariel, o homem levou consigo uma edição do livro de poemas de John Keats. E graças a esse livro, o corpo do poeta Percy Bysshe Shelley, que estava desaparecido desde o dia 8 de julho, foi finalmente identificado.

Mary Shelley estava muito abalada com a perda do marido e também com todos os pormenores legais para que finalmente fosse realizado um funeral adequado. Além do mais, ela tinha um filho pequeno para cuidar e se recuperava de um aborto espontâneo; para completar, ela ainda se encontrava abalada pela morte prematura de seus dois filhos, Clara e William. Tudo isso fez com que Mary não conseguisse tomar controle da situação, então, um recente conhecido da família, Edward Trelawny, assumiu o controle. Trelawny estava convencido de que era o melhor amigo do poeta, mas essa informação estava longe de ser verdade. Lord Byron e Leigh Hunt, que também estavam na Itália, chegaram para ajudar nos preparativos da cremação do corpo. Ao contrário de Trelawny, Hunt e Byron eram verdadeiramente amigos de longa data de Shelley. Assim como outro poeta, falecido poucos meses antes, e como foi dito pelo próprio Hunt em sua autobiografia: "Ele provavelmente estava lendo, quando surpreendido pela tempestade. Era minha cópia... Foi queimada com seus restos mortais”. Shelley estava lendo os poemas de Keats antes da morte, e foi graças a isso que ele foi identificado. Pouco tempo antes, Shelley escreveu uma elegia à morte do amigo, o poema Adonais.

De alguma forma, o coração de Shelley não queimou totalmente, e segundo o único filho sobrevivente de Mary e Shelley, Percy Florence, e sua esposa, Jane, cerca de um ano após a morte de Mary, eles encontraram dentro de uma caixa fios de cabelo de Clara e William, e o coração calcificado de Shelley, enrolado em uma cópia de Adonais.

Para além dos famosos acontecimentos da Villa Diodati, este artigo é sobre o que veio a seguir, e inclui um personagem querido da história e do próprio Percy. Estas palavras são sobre a amizade entre John Keats e Percy Shelley.

John Keats nasceu em 31 de outubro de 1795, estudou na King's College de Londres e veio de uma família humilde. Órfão de pai aos 8 anos e de mãe aos 14, Keats e seus três irmãos tiveram uma vida dura. Percy Bysshe Shelley nasceu em 4 de agosto de 1792, filho do baronete Timothy Shelley; estudou e foi expulso da Universidade de Oxford. Shelley era abertamente ateu e tinha uma alma revolucionária, era abstêmio, não consumia álcool e nem drogas. Amava a liberdade e, acima de tudo, amava amar em liberdade. Foi um dos mais fiéis seguidores da filósofa, escritora, defensora dos direitos da mulher e autora do que é considerado um dos primeiros livros sobre feminismo da história, Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher, Mary Wollstonecraft - ela, que era mãe de sua esposa, a também escritora Mary Shelley.

Shelley e Keats não poderiam ser mais diferentes, tanto em suas vidas pessoais como em suas aparências. Keats media 1,51 de altura; Shelley tinha mais de 1,80 e despertava paixões por onde passava. Mas eles não eram assim tão diferentes. Mesmo que Keats tentasse sempre se manter afastado, e visse com desconfiança o interesse do filho mais velho de um baronete nele, seus gênios eram parecidos. Keats arrumava briga com frequência, nem que fosse para defender um gato de rua de alguma injustiça, e Shelley possuía um senso de humor peculiar e levemente macabro - ainda que fosse muito gentil, era conhecido por muitos como "mad Shelley", o louco Shelley, sempre defendendo com unhas e dentes a seus ideais e aqueles a quem amava. É possível também encontrar similaridades no senso de humor de ambos em suas cartas trocadas. É bem verdade que Keats não respondia todas as cartas de Shelley, mas estava sempre comentando sobre ele com seus irmãos e outros amigos, como nesta carta a Leigh Hunt, datada de 1817:

"Shelley continua contando histórias estranhas sobre a morte de reis? Diga a ele que existem histórias estranhas sobre a morte de poetas. Alguns morreram antes de serem concebidos. 'Como você entende isso, Mestre Vellum?' A Sra. S. ainda corta o pão com manteiga tão bem como sempre? Diga a ela para conseguir uma tesoura fatal e cortar o fio da vida de todos os poetas. A Sra. Hunt rasga o linho tão reto como sempre? Diga a ela para arrancar do livro da vida todas as folhas em branco. Lembranças de mim para todos eles; para Miss Kent e todos os pequeninos.

Seu sincero amigo

John Keats, também conhecido como Junkets."

Foi graças a Leigh Hunt que Keats e Shelley se conheceram. Ele era amigo e editor de longa data de Shelley e um dos editores que fundou o jornal liberal The Examiner. Hunt escreveu um ensaio intitulado "Os jovens poetas", no qual mencionava Shelley e Keats como duas estrelas em ascensão. A esposa de Hunt, Marianne, era pintora e escultora, e a silhueta que fez de Keats, juntamente com as pinturas de Joseph Severn, são algumas das poucas imagens que existem do poeta. Em 1817, Leigh Hunt finalmente apresentou os amigos em comum:

"Ele apresentou um poeta ao outro e, embora Shelley tivesse interesse em conhecer o rapaz mais jovem, Keats desconfiava das origens aristocráticas de Shelley. Ele pensou que Shelley estava sendo arrogante quando o aconselhou a esperar para publicar sua obra, mas, na realidade, Shelley estava tentando proteger Keats do tratamento cruel que havia recebido dos críticos quando publicou 'Queen Mab' e 'Alastor'."

Shelley de fato possuía um instinto protetor muito forte. Sua sepultura traz algumas linhas da "Canção de Ariel" de A Tempestade, de William Shakespeare, em referência à sua morte no mar: "Nothing of him that doth fade / But doth suffer a sea-change / Into something rich and strange" (E nada estraga, e nem se perde:/ Tudo nele se transforma, no mar,/ Em algo mui rico e singular). 

Mas também traz a inscrição, em latim: Cor Cordium (coração dos corações). Shelley era leal e protetor, livre e revolucionário. A tragédia de perder os filhos, a crescente depressão e o afastamento de Mary fizeram com que Shelley voltasse sua atenção para a saúde de Keats.

Percy Shelley

É compreensível que Mary Shelley tenha caído em depressão após a morte de três filhos, principalmente Clara e William, que morreram em um espaço muito curto de tempo. Mas ignorar que Shelley sofreu tanto quanto ela é um grande erro. Um erro que ela mesma cometeu, e apenas após a morte do marido admitiu:

"Meu coração era inteiro seu — não obstante, uma concha
Fechou-se em seu interior, e ela parecia impenetrável,
Até que a tristeza, com seus dentes afiados, rasgou a casca em dois
E nem mentiras vazias podem voltar a uni-la —
Perdão!"

Antes da morte dos filhos, Shelley já havia perdido a guarda dos dois filhos de seu primeiro casamento com Harriet Westbrook, Ianthe e Charles. E não apenas tinha de conviver com o afastamento e morte dos filhos, mas também com a crescente acusação de Mary a respeito dele ter culpa nesse fato. Clara faleceu após uma forte febre e William, ao que tudo indica, foi vítima de malária. Mary sabia que Shelley não tinha culpa, mas, acima de tudo, ela o culpava por ele não exteriorizar sua dor como ela. Shelley escrevia poemas em homenagem aos filhos e os escondia de Mary; como ela se mantinha afastada de todos, minguando na sua própria tristeza, Shelley não conseguia se aproximar e se sentia frustrado e ferido. Porém mesmo com tanto sofrimento, ele se recusava a se deixar levar pela dor, porque a vida continuava e ele queria, mais do que qualquer coisa, que Mary se recuperasse também:

"Minha amada, Mary
Por que partiste
E deixaste-me só neste mundo triste?
Teu corpo está aqui — tua bela forma —
Mas tu partiste, seguiste a estrada do lamento
Que leva à tenebrosa morada do sofrimento
Para teu próprio bem, não posso seguir-te
Regressa tu à minha morada."

Em 1822, pouco antes de sua própria morte, Shelley levaria a culpa por outra tragédia: a morte de Allegra Byron, filha de Claire Clairmont e Lord Byron, vítima de tifo. Por ser amigo de Byron, ele servia de ponte para comunicação entre a menina e a mãe, irmã de Mary. Já que Byron não queria contato com Claire, ela culpou Shelley por ele não ter conseguido trazer Allegra de volta para ela. Mesmo que ele nada pudesse fazer a respeito, afinal, a criança era filha de Byron, registrada por ele, e estudava em um colégio interno. Apesar de Shelley ter convivido com a menina e ela ter certa adoração por ele, Shelley nada poderia fazer, afinal, não era seu pai e Byron não queria Allegra próxima de Claire.

Shelley se recusou até o último momento a se entregar à depressão, mas, pouco antes de sua morte, seu estado de espírito estava abalado e irritadiço. Sentia-se preso e desesperado, não dormia direito, tinha pesadelos e visões assustadoras, inclusive do fantasma de Allegra de seu próprio Doppelgänger. Após Mary sofrer um aborto espontâneo, Shelley salvou sua vida ao utilizar seus conhecimentos de medicina mergulhando Mary em uma banheira cheia de água gelada para estancar o sangramento. Mary estava a salvo, mas Shelley se aproximava cada vez mais do limite, um limite que foi rompido e teve seu ápice quando ele estava a bordo do único local no qual se sentia em paz, no seu barco Ariel. Contudo, antes do Ariel sequer existir, quando Keats ainda estava vivo, em julho de 1820, Shelley escreveu para o amigo:

"Pisa - 27 de julho de 1820

Meu querido Keats

Eu ouço com grande dor o perigoso acidente que você sofreu, o Sr. Gisborne, que me relata, acrescent, que você continua a ter uma aparência tuberculosa. Essa tuberculose é uma doença particularmente apegada a pessoas que escrevem versos tão bons quanto você escreveu, e com a ajuda de um inverno inglês pode muitas vezes satisfazer sua vontade; Eu não acho que jovens e queridos poetas estejam destinados a satisfazer seu gosto; eles não estabeleceram nenhum acordo do destino com as Musas para que isso aconteça. Mas falando sério (pois costumo fazer piada daquilo que me deixa muito ansioso), acho que você faria bem em passar o inverno na Itália e evitar um acidente tão tremendo (e se você acha isso tão necessário quanto eu), contanto que você ache Pisa ou sua vizinhança agradável para você, a Sra. Shelley se une a mim na urgência do pedido de que você possa residir conosco. — Você pode vir por mar para Livorno (não vale a pena ver a França, e o mar é particularmente bom para pulmões fracos), que fica a poucos quilômetros de nós. Você deveria, em todo caso, ver a Itália, e sua saúde, que sugiro ser um motivo, pode ser uma desculpa para você. Eu não poupo elogios a respeito das estátuas e das pinturas, das ruínas e do que é a maior indulgência, as montanhas e riachos, os campos, as cores do céu e o próprio céu. — Recentemente, li Endymion novamente e sempre com um novo senso dos tesouros da poesia que ele contém, embora os tesouros sejam derramados com profusão indistinta. Isso as pessoas em geral não vão suportar, e essa é a causa das comparativamente poucas cópias que foram vendidas. — Estou convencido de que você é capaz das maiores coisas, desde que você queira. Sempre digo a Ollier para lhe enviar cópias dos meus livros — 'Prometheus Unbound' Imagino que você receberá quase ao mesmo tempo que esta carta. The Cenci espero que você já tenha recebido — foi cuidadosamente composto em um estilo diferente 'abaixo do bom, mas muito acima do ótimo'. Na poesia eu tenho procurado evitar sistema e maneirismo; Desejo que aqueles que me superam em gênio sigam o mesmo plano — Quer você permaneça na Inglaterra ou viaje para a Itália — acredite que você carrega consigo meus desejos ansiosos por sua saúde, felicidade e sucesso, onde quer que esteja ou o que quer que empreenda — e que eu sou

Atenciosamente

P. B. Shelley"

Assim como Shelley, entre o período de 1818 e 1821, Keats também estava vivendo suas próprias tragédias. A morte de seu irmão, Tom, foi um pontapé doloroso para uma sequência de acontecimentos agridoces. Keats conheceu Fanny Brawne em 1818, e a história de amor dos dois está registrada nas mais belas cartas já escritas, e também no filme de 2010, Bright Star, dirigido por Jane Campion. Keats pediu Fanny em casamento em segredo, porque se sentia cada vez mais frustrado por não ter meios de se casar e sustentá-la. E a pior parte estava por vir, a tuberculose. Quando sua saúde piorou, ficou claro que Keats não poderia permanecer na Inglaterra, então, foi resolvido que uma temporada na Itália talvez fosse o melhor para sua saúde. Keats era conhecido por raramente responder às cartas de Shelley, mas, em agosto de 1820, ele respondeu a gentil carta do amigo:

"Hampstead - 16 de agosto de 1820

Meu querido Shelley, —

Estou muito grato por você, em um país estrangeiro, e com a mente quase ocupada demais, escrever para mim no estilo da carta ao meu lado. Se eu não aproveitar o seu convite, será um impedimento por uma circunstância que profetizo de coração — Não há dúvida de que um inverno inglês acabaria comigo, e o faria de uma maneira odiosa e persistente, portanto, devo viajar para a Itália como um soldado marcha para uma bateria no exército. Meus nervos no momento são a pior parte de mim, mas eles se sentem aliviados de que mesmo que chegue a extremos, não estarei destinado a permanecer em um lugar por tempo suficiente para sentir ódio de quaisquer quatro colunas da cama em particular. Fico feliz que você tenha algum prazer em meu pobre Poema; — que eu me daria ao trabalho de desfazer de bom grado, se possível, se eu me importasse tanto quanto já me importei com a Reputação. Recebi uma cópia de The Cenci, enviada por ti, de Hunt. Há apenas uma parte dela que eu julgo — a poesia e o efeito dramático, que por muitos espíritos hoje em dia é considerado o Mammon. Uma obra moderna, diz-se, deve ter um propósito, que pode ser o Deus — um artista deve servir a Mamom — ele deve ter 'auto-concentração' — egoísmo, talvez. Você, tenho certeza, vai me perdoar por comentar sinceramente que você pode conter sua magnanimidade, ser mais um artista e 'encher cada brecha' de seu assunto com minério. O pensamento de tal disciplina deve cair como correntes frias sobre você, que talvez nunca tenha se sentado com as asas fechadas por seis meses seguidos. E esta não é uma conversa extraordinária para o escritor de Endymion? cuja mente era como um baralho de cartas espalhadas — Eu sou pego e classificado para perder por pouca diferença num jogo de cartas. Minha imaginação é um Mosteiro, e eu sou seu Monge — você deve explicar minhas metafísicas para si mesmo. Estou na expectativa de Prometheus todos os dias. Se eu pudesse realizar meu próprio desejo, você o teria ainda em manuscrito — ou estaria apenas encerrando o segundo ato. Lembro-me de você me aconselhando a não publicar minhas primeiras pragas, em Hampstead Heath — estou devolvendo o conselho a suas mãos. A maioria dos Poemas no volume que envio a você foi escrita há mais de dois anos e nunca teria sido publicada, a não ser na esperança de lucro; então você vê que estou inclinado o suficiente para seguir seu conselho agora. Devo expressar mais uma vez meu profundo sentimento por sua bondade, acrescentando meus sinceros agradecimentos e respeitos à Sra. Shelley.

Na esperança de vê-lo em breve, eu permaneço

Atenciosamente,

John Keats"

John Keats

Mas Keats não voltou a escrever a Shelley, e nem foi ao encontro dele na Itália. Assim como Shelley, Keats se recusava deixar abater, mesmo frustrado, e com razão pelos acontecimentos que se seguiram e impediram que ele tivesse uma vida feliz ao lado de Fanny. Keats mantinha seu bom humor até mesmo em suas últimas cartas. Mas ele sabia que iria morrer. Keats sabia que iria morrer, e não ir até Shelley ia além de não querer depender de ninguém; ele sabia que se aceitasse a oferta do amigo, Shelley faria de tudo para que Keats melhorasse, não aceitando jamais que algo tão terrível quanto a morte chegasse para uma poeta tão imortal quanto Keats. Ele entendia que Shelley acreditava que cuidar dele era um ato de amor, que não poderia mais oferecer aos filhos, e que a cura do poeta faria com que tudo voltasse aos eixos. Mas Keats sabia que não iria se curar, e que a tuberculose era uma doença cruel, Shelley sofreria mais uma grande perda perto de si, e nunca conseguiria se recuperar. Em sua última carta, endereçada a Charles Brown, em 30 novembro de 1820, Keats relata como os últimos meses foram difíceis, e dá a entender por que escolheu não responder a todos:

"Se eu me recuperar, farei tudo ao meu alcance para corrigir os erros cometidos durante a doença; e se não me recuperar, todas as minhas faltas serão perdoadas."

Quem cuidou de Keats até seus últimos minutos foi o pintor Joseph Severn. Amigo de Keats e também de Shelley, Severn viajou para a Itália junto de Keats e não saiu de seu lado até o fim. Quando o poeta não conseguia mais escrever, era Severn quem escrevia aos amigos e familiares com notícias, e mesmo que Keats também quisesse proteger Severn da dor, foi o contrário que aconteceu. O pintor aguentou sozinho os piores momentos ao lado de Keats, foi forte o bastante para não o abandonar e também para cuidar de tudo quando o amigo se foi. Severn foi um amigo legal e sofreu muito com a doença e perda de Keats, o segurou em seu colo em seus últimos momentos e o acolheu para que não se sentisse sozinho. Após a morte do poeta, o pintor avisou a todos a triste notícia e também cuidou dos preparativos do enterro. Atualmente, Joseph Severn está enterrado ao lado de Keats no cemitério não-católico de Roma, lugar para onde também foram levadas as cinzas de Shelley. Os três descansam no mesmo solo. O filho de Shelley, William, também está enterrado lá, mas sua localização exata não é conhecida.

"Severn cuidou de Keats até sua morte em 23 de fevereiro de 1821, três meses depois de terem chegado a Roma. Como ele relatou a John Taylor duas semanas depois, 'Todos os dias ele olhava para o rosto do médico para descobrir quanto tempo ele deveria viver' — ele dizia — 'quanto tempo durará esta minha vida póstuma' — esse olhar era mais do que jamais poderíamos suportar — o brilho extremo de seus olhos — com seu pobre rosto pálido — não eram terrenos — A provação de Severn foi reconhecida pelo próprio Keats que, um mês antes de sua morte, disse: 'Severn eu posso ver sob seu olhar quieto — imensa torção e disputa — você não sabe o que está lendo — você está suportando por mim mais do que eu teria suportado — Oh! que minha última hora chegou —'. Mais tarde, ele foi agradecido por sua devoção pelo poeta Percy B. Shelley no prefácio de sua elegia, Adonais, que foi escrita para Keats em 1821."

Em uma carta endereçada a John Taylor, datada de março de 1821, Joseph Severn conta os detalhes sobre o lar final de Keats:

"Ele foi enterrado muito perto do monumento de Caius Cestius, a poucos metros do Dr. Bell e da criança do Sr. Shelley. O bom coração do Doutor fez os homens colocarem turfas de margaridas sobre o túmulo. Ele disse: 'este seria o desejo do pobre Keats, se ele soubesse'. Vou escrever novamente quando estiver melhor, mas ainda estou em um estado deplorável.

Até a próxima, Josh Severn."

A morte de Keats realmente deixou Shelley abalado e ainda mais perdido. Porém a dor o inspirou a escrever. Foi assim que Adonais: An Elegy on the Death of John Keats (Adonais: Uma Elegia sobre a Morte de John Keats) nasceu. Uma Elegia de 549 versos, considerado um de seus melhores poemas. Shelley não pretendia encontrar fama ao escrever Adonais, queria apenas homenagear o amigo e estava dominado pelo pensamento de que o poeta mais jovem era um mártir, alguém que morrera pela própria arte.

"Eu choro por Adonais - ele está morto!
Oh, chore por Adonais! embora nossas lágrimas
Não descongelem a geada que envolve uma cabeça tão querida!
E tu, triste Hora, selecionada de todos os anos
Para lamentar nossa perda, desperte teus companheiros obscuros,
E ensina-lhes tua própria tristeza, diz: "Comigo
Morreu Adonais; até que o futuro ouse
Esqueça o Passado, seu destino e fama serão
Um eco e uma luz para a eternidade!"

Mesmo que acreditasse que seu poema não fosse sobreviver, ainda hoje, Adonais é um dos poemas mais famosos e aclamados de Shelley. Em 1969, Mick Jagger recitou uma estrofe do poema no memorial em homenagem ao amigo Brian Jones; e a banda The Cure, em 2004, musicou o poema e o incluiu em seu álbum Join the Dots. O ator Julian Sands, que interpreta Percy Shelley no filme Gótico (1986), é também embaixador do The Keats - Shelley House em Roma, museu que preserva a memória dos dois poetas. Sands recitou Adonais diversas vezes, em especial durante a comemoração do bicentenário do poema em 2021.

Além de ser um dos mais belos poemas escritos do Romantismo inglês, é também um marco da cultura mundial. Seus 549 versos, musicados ou não, reiteram a amizade e a lealdade em geral para quem quer que o esteja recitando, mas, acima de tudo, a amizade entre Shelley e Keats. Em uma carta para Joseph Severn, datada de 29 de novembro de 1821, Shelley diz que não acredita que Adonais receba sequer alguma atenção, mas deixa claro que sua elegia a Keats precisava ser escrita, não apenas pela memória do amigo, mas da própria:

"Caro senhor,

lhe envio a Elegia sobre o pobre Keats, e gostaria que fosse melhor, valendo sua aceitação. Você verá pelo prefácio que foi escrito antes que eu pudesse obter qualquer relato particular de seus últimos momentos; tudo o que ainda sei me foi comunicado por um amigo que obteve suas informações do Coronel Finch; arrisquei-me a expressar como senti o respeito e a admiração que sua conduta para com ele exige. [...] Tenho poucas esperanças, portanto, de que o Poema que lhe enviei desperte qualquer atenção, nem tenho certeza de que uma nota crítica dos escritos dele encontre um único leitor. Mas por essas considerações, minha intenção foi coletar os restos de suas composições e publicá-las com uma vida e crítica. – Ele deixou algum poema ou escrito de qualquer tipo, e em posse de quem eles estão? Talvez você queira me informar sobre esse ponto. —  Muito obrigado pela imagem que você me promete: vou considerá-la entre as relíquias mais sagradas do passado. De minha parte, pouco esperava, quando vi Keats pela última vez na casa de meu amigo Leigh Hunt, de que eu sobreviveria a ele.— Se você passar por Pisa, espero ter o prazer de vê-lo e de cultivar uma relação de conhecidos que possa se tornar algo agradável, ainda que iniciado sob tão melancólicos auspícios.—  Aceite, meu caro senhor, as garantias de minha sincera estima, e acredite em mim

Seu servo mais sincero e fiel.

Percy B. Shelley

Você conhece Leigh Hunt? Espero ele e sua família aqui todos os dias."

Referências




O Querido Clássico é um projeto cultural voluntário feito por uma equipe mulheres pesquisadoras. Para o projeto continuar, contamos com o seu apoio: abrimos uma campanha no Catarse que nos possibilitará seguir escrevendo o QC por muitos anos - confira as recompensas e considere tornar-se um apoiador. ♥

Babi Moerbeck
Carioca nascida no outono de 1996, com a personalidade baseada no clipe de Wuthering Heights, da Kate Bush. Historiadora, escritora e pesquisadora com ênfase no período do Renascimento, caça às bruxas e iconografia do terror. Integrande perdida do grupo dos Românticos do século XIX e defensora de Percy Shelley. Louca dos gatos, rainha de maio e Barbie Mermaidia.

Comentários

  1. Que história bonita. Gostei muito de saber sobre a profundidade da ligação deles!

    ResponderExcluir

Formulário para página de Contato (não remover)