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Black Christmas: a primeira das noites de terror


Lançado em 1974, o longa canadense Black Christmas, conhecido no Brasil como Noite do terror, é um clássico não apenas na categoria maravilhosa e aconchegante de filmes de Natal, mas também na fascinante e extremamente divertida de filmes de terror que se passam no Natal. Além disso, o filme, dirigido por Bob Clark, também é um pioneiro no que diz respeito ao famoso gênero do slasher e, assim como o giallo italiano, foi um dos precursores do gênero nos Estados Unidos. Quatro anos depois, em 1978, John Carpenter dirigiu o primeiro filme da franquia Halloween, transformando Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) em uma das primeiras final girls da história, que viria a se tornar parâmetro para muitas outras garotas finais nos anos seguintes, e Michael Myers em um ícone do cinema de horror. John Carpenter nunca negou que se inspirou no longa de 1974 para criar seu famoso Halloween, e algumas similaridades nas tramas são evidentes, como o assassino que não conhecemos o rosto e nem sabemos o porquê de estar matando as meninas.

Em Black Christmas, os temas das discussões a respeito da autonomia feminina e o desenvolvimento das personagens fazem com que um filme relativamente simples se torne uma verdadeira obra-prima, que permanece atual até os dias de hoje. A relevância e similaridade encontra-se, por exemplo, nas ligações obscenas que Billy usa para aterrorizar as meninas, o namorado que acha que pode controlar o corpo e as escolhas da namorada, o pai que considera a filha ainda uma garotinha inocente e o policial que não leva a sério nenhuma das meninas quando elas dizem que há algo errado, seja por um telefonema ofensivo, indo até desaparecimento e assassinato, para ele tudo se trata apenas de "bobeiras de meninas que desejam fugir com os namorados".

Em Black Christmas, o protagonismo feminino é evidente, e são elas também as maiores vítimas de Billy, seu alvo principal, e não apenas dele, pois em uma sociedade patriarcal que não sabe lidar com o levante da independência feminina, mesmo com o protagonismo, as mulheres seguem sendo as vítimas.

A trama segue as moradoras da fraternidade Pi Kappa Sig, que estão recebendo ligações misteriosas e obscenas de um homem anônimo. Certa noite, Barb (Margot Kidder) perde a paciência e responde a pessoa do outro lado da linha, mostrando que elas não são inofensivas e que estão cansadas daquela situação. É quando o homem — que vamos aprender a chamar de Billy —  ameaça as moças de morte. Com as demais moradoras da fraternidade indo visitar os pais no feriado, apenas Barbara, Jess (Olivia Hussey), Phyl (Andrea Martin) e Clare (Lynne Griffin) permanecem na casa. Billy rapidamente cumpre o que prometeu quando mata Clare de forma brutal antes que ela saia de férias e esconde seu corpo no sótão. Todas acreditam que Clare está segura, mas quando seu pai (James Edmond) aparece na fraternidade à procura da filha, elas começam a perceber que há algo de errado e que Billy está longe de ser inofensivo.

As ligações não param, e além de sempre atender os telefonemas que a deixam paranoica, Jess tem de lidar com outros assuntos importantes, como uma gravidez inesperada e Peter (Keir Dullea), seu namorado instável. A discussão a respeito do aborto e o fato da protagonista do filme ser Jess e ela estar certa de sua decisão é um grande acerto. Afinal, existe uma visão quase sacra das garotas finais, que são meninas perfeitas e etéreas, que apenas sobreviveram ao assassino porque são moças puras, diferentes das outras. Jess é uma mulher independente, que tem expectativas e planos, e esses planos não incluem um bebê, decisão mostrada de maneira muito acertada no filme, enfatizando que está tudo bem. É o corpo dela, sua escolha e seu futuro. Querer realizar um aborto não a faz menos merecedora de sobreviver a uma noite de horror, e um filme demonstrar isso em 1974, com tanta naturalidade, é muito importante, principalmente com a onda de puritanismo que viria a seguir o gênero anos depois.

"— Vou deixar o conservatório e nos casamos.
— Lembra- se quando nos conhecemos? Você me disse que queria ser pianista, que era seu grande sonho. E eu te contei as coisas que queria fazer. Quero continuar a fazer essas coisas. Não pode me pedir que renuncie a isso, só porque mudou de planos. Seja realista. Não posso me casar.
— Claro que pode! O que mudou? Podemos casar e fazer as coisas que sempre quisemos.
— Peter, não quero casar com você."

Billy é outro grande acerto no longa. Mesmo aparecendo apenas em sombras ao longe, com olhares assustadores e ligações misteriosas, Billy consegue fazer com que sua presença seja constante, as vozes que ele reproduz nas ligações e as muitas vezes que ele parece estar falando consigo mesmo, transformam toda a situação assustadora e agressiva. É extremamente apavorante não saber o porquê ele está fazendo tudo aquilo e muito menos onde ele se esconde. Quando grampeiam o telefone, descobrem que as ligações vêm de dentro da casa, fazendo o público entender que ele as observava o tempo inteiro, a hora que quisesse, em qualquer ambiente por tempo indeterminado, o tornam ainda mais aterrorizante.

"— Me ajude. Me detenha! Te conheço e você não! Sou o Billy! Sei o que fez esta noite, Billy. Mate-me Billy!'


Além de inspirar diversas outras produções do gênero, Black Christmas também recebeu dois remakes diretos, Noite negra (2006) e Natal sangrento (2019), mas a obra 1974 continua sendo a mais original e autoral, um grande filme para se assistir no Natal e também para discutir e entender o papel da mulher na sociedade.





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Babi Moerbeck
Carioca nascida no outono de 1996, com a personalidade baseada no clipe de Wuthering Heights, da Kate Bush. Historiadora, escritora e pesquisadora com ênfase no período do Renascimento, caça às bruxas e iconografia do terror. Integrande perdida do grupo dos Românticos do século XIX e defensora de Percy Shelley. Louca dos gatos, rainha de maio e Barbie Mermaidia.

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