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O mundo literário de Jess Mariano


Um dos personagens mais adorados pelos fãs da série Gilmore Girls (2000) é, sem dúvidas, Jess Mariano. Seguindo o estereótipo de adolescente de áurea rebelde e um tanto arrogante e sarcástico, Jess foi o segundo namorado de Rory, e conquistou o coração não apenas da mais ávida leitora da televisão, como também da grande parte dos telespectadores.

Muito se fala a respeito da lista de livros que Rory lê, possui, ou menciona durante a série – conta que vai além de 400 títulos dos mais diversos. Mas assim como Rory, Jess também era um leitor ativo, e ao longo dos episódios, podemos vê-lo lendo os mais diferentes tipos de literatura e escritores, dos clássicos aos modernos, passando também pelos considerados clássicos modernos. Portanto, hoje vamos trazer um apanhado de alguns dos autores e livros lidos ou mencionados por Jess Mariano.

Uivo, de Allen Ginsberg

Logo na primeira aparição do personagem na série, Jess rouba o exemplar de Uivo da estante de Rory e faz anotações na margem (o sonho de qualquer leitor), alegando mais tarde que já leu o poema “umas quarenta vezes”. Conhecendo bem o personagem, vemos que faz total sentido a obra mais famosa de Allen Ginsberg, um dos maiores escritores da geração beat, ser um dos favoritos do Jess, uma vez que sua persona bad boy amargurado é bastante inspirada nos jovens beats dos anos 1950, desiludidos com os Estados Unidos.

A obra de Ginsberg é uma ode à liberdade de expressão e artística clamada pelo círculo social de que o autor fazia parte quando foi publicada em 1956. Traz o caráter revolucionário de jovens que queriam fazer de seu país um lugar mais justo, além de expor as camadas mais marginalizadas da sociedade. Você pode ler mais sobre os beats aqui



Oliver Twist, de Charles Dickens

Ainda no mesmo episódio, na cena em que Jess devolve o livro de Rory, ela se despede falando “Boa noite, Dodger”, fazendo uma referência a Oliver Twist, que Jess prontamente entende, confirmando para nós, espectadores, que um dos mais importantes autores da literatura britânica também faz parte de sua lista de leitura.

Em Oliver Twist, Charles Dickens conta a história, aventuras e desventuras deste menino órfão, sendo este um de seus principais livros em que há denúncia das condições sociais enfrentadas na Inglaterra de meados do século XIX. Entre as idas e vindas do garoto para o orfanato, sua necessidade por comida é explorada pelo autor, assim como sua vida de trabalho infantil.

Franny & Zooey, de J. D. Salinger

A obra em questão é mencionada por Jess como um livro que ele gostaria de presentear Rory, durante a segunda temporada da série. Do mesmo autor do famoso O Apanhador no Campo de Centeio, Franny & Zooey é, na verdade, a união de dois textos em um formato só: aqui, J. D. Salinger vai utilizar-se de irmãos oriundos da família Glass, personagens mencionados em seu livro 9 Histórias.

No conto Franny, acompanhamos a visita da personagem à universidade de seu namorado, Lane, e percebemos ao longo da leitura que há um sentimento de insatisfação ou descontentamento em relação ao relacionamento do casal. Já em Zooey, encontramos os irmãos logo após os eventos da primeira história, e há aqui a tentativa do irmão de gerar conforto para com as mágoas enfrentadas pela irmã.

Matadouro-Cinco, de Kurt Vonnegut

Também na segunda temporada, em uma das interações entre Jess e seu tio Luke, vemos o personagem com o livro Matadouro-Cinco, do escritor estadunidense Kurt Vonnegut, em mãos. 

Considerado o maior livro antiguerra americano, em Matadouro-Cinco, Vonnegut vai tratar dos traumas do pós-guerra, das memórias dos soldados que lutaram em campo de batalha, e como a brutalidade do evento causa impacto na vida pessoal daqueles que participaram ativamente. Tudo isso é descrito em uma narrativa não-linear através da vida de Billy Pilgrim, e de sua experiência no Exército. Publicada em 1969, após a Segunda Guerra Mundial e em meio à Guerra do Vietnã, a obra também vai englobar viagens no tempo e abduções alienígenas. 


Mate-me por favor: a história sem censura do punk, de Legs McNeil e Gillian McCain

Sendo um dos personagens que mais exala a persona punk, é claro que a história oral do movimento não poderia ficar de fora de sua lista de leituras. Tomamos conhecimento de sua relação com o livro também na segunda temporada da série, no episódio em que Rory vai ajudar Jess com os estudos da escola – e o garoto não se encontra nem um pouco interessado nos estudos. Em vez disso, pergunta se Rory já leu a obra em questão, na qual ela diz que não, e ele responde dizendo que podia emprestá-la, se fosse de seu interesse.

Em Please Kill Me, os autores vão trazer panoramas gerais do punk e de sua relação com o cinema, literatura, artes plásticas, poesia e arte de maneira geral, além do contexto sócio-histórico inserido no nascimento e desenvolvimento do fenômeno musical. Você pode ler mais sobre o livro aqui

Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez

A cena em que Rory e Jess se encontram no ônibus no final da segunda temporada é, sem dúvidas, uma que mais quebram nosso coração no começo da série. Jess está indo embora de Stars Hollow sem avisar a Rory. Quando ela desce em sua parada, Jess segue viagem e pega um livro de sua bolsa, que, para nós, não é tão fácil de identificar. Os internautas fãs de Gilmore Girls, no entanto, trataram de buscar desvendar o título, e descobriram que o personagem estava lendo Cem Anos de Solidão, do autor colombiano Gabriel García Márquez.

Lançado em 1967, Cem Anos de Solidão é o magnum opus de Gabo e uma das mais importantes obras da literatura latino-americana. O livro, que traz elementos do realismo mágico, conta a história da família Buendía–Iguarána em suas diversas gerações.

O Teste do Ácido do Refresco Elétrico, de Tom Wolfe

No penúltimo episódio da segunda temporada, Rory decide matar aula (pela primeira vez na vida, what a scandal), e viaja sozinha até Nova York para encontrar Jess. Chegando lá, ela o encontra em um banco de praça lendo O Teste do Ácido do Refresco Elétrico – ou The Electric Kool-Aid Test, seu título original em inglês, como é mais conhecido.

Publicado em 1968 pelo jornalista Tom Wolfe, o livro, que fora um dos expoentes do estilo new journalism em sua época, conta as experiências de Ken Kesey, escritor estadunidense, com drogas alucinógenas como LSD, em função de “expandir a mente”. Além disso, a obra vai tratar das festas em que os participantes consomem LSD junto com o Kool-Aid (nome de uma marca estaudunidense de sucos em pó, conhecida como “Ki-Suco” no Brasil) para obter um estado avançado de introspecção com a mente. Culturalmente, a obra possui muitas influências da Geração Beat e de todo o movimento de contracultura vivenciado pelos Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960. 


Podemos citar, ainda, alguns autores que foram mencionados por Jess durante a série. Na metade da segunda temporada, durante uma conversa sobre livros com Paris na casa de Rory, a garota vai criticar a literatura beat tão adorada por Jess, dizendo que é “um desperdício de papel e completamente auto indulgente”. Jess responde em defesa de seus heróis, afirmando que eles estavam ali para “chocar as pessoas com sua literatura”. No diálogo, Paris o critica por adorar Jack Kerouac e Charles Bukowski e alfineta sobre ele não “chegar nem perto” de Jane Austen. Jess prontamente responde: “Eu já li Jane Austen, e acho que ela adoraria Bukowski”.

Jack Kerouac

Como já mencionado, Jess é amante da literatura produzida pelos beats, e sua personalidade se relaciona com as características do movimento. Portanto, não apenas Allen Ginsberg, mas também Jack Kerouac está presente na sua estante de livros. Do autor, podemos citar Pé na Estrada (On The Road), que foi, juntamente de Uivo, um dos principais escritos da Geração Beat.

Em Pé na Estrada, Kerouac fez história narrando as viagens de carro de Sal Paradise pelos Estados Unidos através de seu estilo narrativo de fluxo contínuo, pondo em contraste os acontecimentos e os sonhos dos personagens no que pode ser também considerada uma viagem espiritual.

Charles Bukowski

Conhecendo um pouco da obra de Bukowski, podemos entender mais a personalidade de Jess. Nascido na Alemanha, o poeta e romancista chocou o mundo em sua época ao escrever coisas consideradas “obscenas”. Suas obras são extremamente autobiográficas, e o autor seguia um fluxo de escrita sem censura. Marcado pelo pessimismo e pelo estilo de vida “vagabundo” e meio marginalizado, o autor conquistou sua fama através de obras como Misto Quente, Você Fica Tão Sozinho às Vezes que Até Faz Sentido, Escrever Para Não Enlouquecer, dentre outras.

Jane Austen

Para a surpresa de Paris e de alguns telespectadores, Jess também é versado na literatura inglesa do final do século XVIII e início do XIX produzida por mulheres. Podemos imaginar que o personagem tenha lido uma das obras mais famosas e mais consagradas da literatura atualmente: Orgulho e Preconceito.

Publicado pela primeira vez em 1813, o livro conta a história da família Bennet, focando especialmente em Elizabeth Bennet, a segunda de cinco filhas, e na forma como esta lida com conceitos da sociedade na qual está inserida, principalmente com o casamento, que é o maior tema da obra.

É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, em posse de grande fortuna, deve estar procurando uma esposa.

Ernest Hemingway

Por último, mas não menos importante, não podemos deixar de falar de Ernest Hemingway, o autor favorito do nosso personagem. Embora Jess nunca seja apresentado com um de seus livros em mãos, durante a série, são várias as menções ao escritor (uma delas podendo ser uma das declarações mais fofas dele para a Rory), e, ainda durante a segunda temporada, Rory sugere que ele leia Ayn Rand, enquanto Jess concorda com a condição de que ela dê mais uma chance ao ícone da geração perdida dos anos 1920.

São várias as obras de Hemingway que com certeza Jess já leu e releu, como O Velho e o Mar, Adeus às Armas e O Sol Também Se Levanta, a qual escolhemos para representar o autor. O livro vai trazer como tema a futilidade da elite estadunidense, assunto que o autor e os demais escritores da chamada “Geração Perdida” trataram na maioria de suas obras. Uma das marcas mais famosas do escritor, muito marcante em O Sol Também se Levanta, é a omissão proposital, ou seja, a insinuação de momentos para que o leitor tire suas próprias conclusões.

Assim, a história se passa depois da Primeira Guerra Mundial, e trata do personagem Jake Barnes que, devido a um ferimento de guerra, encontra-se impedido de ter relações sexuais. Hemingway constrói, a partir disso, a vida do protagonista e seus outros três amigos, Robert Cohn, Mike Campbell e Pedro Romero, que vivem de forma boêmia na França. A áurea criada pelo autor aqui é de um pós-guerra que mexeu com a visão de mundo das pessoas, causando nelas uma sensação de estarem perdidas, sem rumo, sem significado. Desse modo, os personagens buscam inspiração na bebedeira e nos divertimentos fúteis e supérfluos para tentar suprir aquele vazio. Para escrever esse livro, Hemingway se inspirou em sua própria experiência de vida. 

Referências

Ana Júlia Neves
Pernambucana nascida em 2003, amante dos clássicos da literatura, de todas as vertentes do rock e do cinema como um todo – pura cultura pop. Estudante de História pela Federal da Paraíba, vivendo sua fase "Rory Gilmore em Yale". Obcecada por um artista diferente a cada semana.

Comentários

  1. Uma das minhas séries favoritas! Amava como a literatura aparecia de forma descontraída.

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