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Girlschool e os primórdios do Heavy Metal

Como um fruto de sua época, no início da década de 1980, a banda Girlschool surgiu da vontade de garotas jovens de se juntarem aos palcos do rock e da cena punk para tocar a própria música e vivenciar aquilo que artistas, em sua maioria homens, passavam todos os dias. Não muito diferente da origem de outras bandas de rock, Kim McAuliffe (guitarrista e vocalista) e Enid Williams (antiga baixista) se sentiam meio deslocadas e entediadas em South London, e decidiram montar uma banda para tocar músicas de Deep Purple e Led Zeppelin. Inicialmente chamaram sua banda de Painted Lady. Logo mais, outras garotas se juntaram a elas: Kelly Jonhson (antiga guitarrista e vocalista) e Denise Dufort (baterista). Foi quando se concretizou a ideia de criar músicas próprias e transformar a banda tributo na original Girlschool

Entre batidas pesadas e jaquetas de couro, a Girlschool começou a traçar seu caminho no meio musical, mais especificamente no Heavy Metal. Na época, já havia algumas bandas que se tornavam referência no estilo, principalmente na Inglaterra, tal qual a própria Girlschool, como Motörhead e Iron Maiden e, um pouco mais antiga, a Black Sabbath. Inspiradas pela presença forte do Heavy Metal no Reino Unido, elas rapidamente se estabeleceram como banda e artistas. O sucesso e atenção do público, e de outras bandas, não demorou a chegar. Nos primeiros clubes e casas de músicas onde tocaram, o público era duvidoso e situado em uma perspectiva masculina sexista e desrespeitosa, algo que elas contam até hoje, de momentos quando caras diziam a elas para tirarem a blusa e Kelly Johnson gritava de volta que eles que tirassem as suas. Apesar disso, as integrantes não permitiram que um marco negativo como esse afetasse sua trajetória e seguiram firmes. 

Com isso, chamaram a atenção do empresário Doug Smith, que já trabalhava com a Motörhead. O talento e criatividade da Girlschool facilitou uma aproximação com os integrantes da outra banda, levando-as a realizar uma turnê com eles e, devido às semelhanças entre as bandas, gerar uma colaboração em um cover do Stray Cats, na música Please don’t touch, tocada junta pelas duas bandas em inúmeros shows. O primeiro álbum delas foi lançado em junho de 1980, o Demolition, alcançando lugar no top 10 nas paradas musicais. Já o segundo álbum, Hit and Run, foi o que as elevou ainda mais, chegando no top 5 no Reino Unido - este considerado o maior sucesso da banda. A formação original era composta por Kim McAullife, Denise Dufort, Kelly Johnson e Enid Williams; atualmente Jackie Chambers ocupa o lugar que foi de Kelly antes de a guitarrista sair da banda em 2000 para tratar um câncer que infelizmente a levou a falecer em 2007, e Tracy Lamb está no lugar de Enid, que seguiu trabalhando em outras ideias. 

Em uma reportagem realizada com a banda em um programa britânico dos anos 1980 chamado Play At Home, elas foram questionadas sobre seus estilos e modos de vestir, muito característico pelas jaquetas de couro, jeans skinny, estampas chamativas, como de oncinha, e os cabelos repicados. As integrantes relataram ser apenas seu estilo comum, do dia a dia, que quando subiam no palco não estavam atuando, montando uma estética específica ou tentando forçar a visão de uma banda de Heavy Metal. Autenticidade já se mostrava uma questão importante para elas, bem como a coerência entre o estilo musical e as roupas escolhidas. A Girlschool não tentava se enquadrar ou criar uma imagem específica para vender, estavam apenas sendo elas mesmas. Algo que realizam até hoje, depois de mais de 40 anos de banda. Ainda na apresentação sobre a banda no Play At Home, Kim McAullife declarou que elas gravavam apenas as músicas de que gostavam, sem buscar algum direcionamento de mercado, algo muito comum na indústria musical. Cada prática dessas mulheres em diferentes esferas de atuação refletia quem eram, mais focadas em serem elas mesmas do que em agradar possíveis públicos e capitalizar a própria arte. Com isso, eram vistas como brilhantes por grande parte de seus fãs.

Se na entrevista já mencionada elas afirmam não terem passado por grandes problemas em um nicho predominantemente masculino e que não havia diferença para elas sendo uma banda de mulheres, mais recentemente, em um artigo do The Guardian, é possível ler o relato da baixista Enid Williams de que havia um lado negativo. Especialmente na associação delas com a banda Motörhead: o lado ruim era que, apesar da gratidão pela colaboração entre eles, havia a sensação de que elas eram a banda de estimação deles, principalmente pela visão do público. Por um forte viés sexista, grande parte não acreditava que mulheres eram capazes de fazer música. Ainda mais Heavy Metal, pela imagem de “exclusividade masculina” do estilo.  No entanto, as duas bandas estavam no mesmo nível, ambas dividindo o mesmo empresário, tocando para plateias muito semelhantes (às vezes até a mesma) e se apoiando.

As integrantes já comentaram a estranheza de não se manterem nas paradas após o papel marcante que tiveram nos palcos nas primeiras décadas de shows, algo que pode ser entendido como parte da dificuldade que mulheres possuem de se manter no mundo da música devido ao sexismo como prática estrutural da sociedade patriarcal em que vivemos. Isso é evidenciado pelas experiências de diversas mulheres que têm história nesse meio, como Maria Ferrero (CEO da empresa que cuida da publicidade da Motörhead, Lamb of God e Sabaton), que sofreu assédio, e Shirley Manson (vocalista da banda Garbage), que relata que na esfera do rock as regras foram escritas pelos homens, dificultando a presença de mulheres como criadoras e pensadoras equivalentes. Como elas mesmas colocam e enfatizam, ser mulher não deveria influenciar na recepção que o público tem de um banda. Elas são uma banda, não necessariamente uma banda feminina de um nicho separado, como é muito comum ver entrevistadores e apresentadores as categorizando e colocando em uma esfera separada das demais bandas.

Contudo a banda concentra seus esforços em tocar, criar novas canções e seguir se divertindo e viajando, fazendo o que elas amam desde o início. É nisso que se apresenta o caráter revolucionário da Girlschool: mulheres fazendo o que querem e amam sem se preocupar com os padrões dos papéis sociais femininos impostos pela sociedade. A banda merecia, sim, seguir tendo o alto reconhecimento que tiveram em suas primeiras décadas e serem tão lembradas e cultuadas como seus colegas homens do Heavy Metal. Mas não terem passado pelas mesmas experiências em termos de lembrança do público não as fez desanimarem ou desistirem. Elas seguem fortes, quando muitas bandas já se desmantelaram há tempos. Desde o primeiro álbum em estúdio, Demolition, em 1980, elas mantiveram o lançamento de novas músicas, com até então 15 álbuns, sendo o último lançamento intitulado de Guilty as Sin, em 2015. 

Mulheres tendo liberdade para viver a vida que querem viver, fazendo o que desejam e amam, é uma das muitas questões relevantes que a Girlschool representa. A banda marcou seu lugar de direito nos primórdios do Heavy Metal, contribuindo para a popularização do estilo, inspirando garotas e garotos a escutar e apreciar gêneros do rock e enriquecendo suas origens com a grande qualidade de suas composições e pura autenticidade. 

Referências

Camila Ferrari
Pesquisadora e apreciadora de tons sóbrios. Com um pé na realidade e outro em algum mundo fantástico, é através da leitura e da escrita que define as bordas de si mesma. Sente o aroma de café de longe e é habilidosa em deixar livros espalhados pela casa.

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