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Arsène Lupin e o ideal do ladrão de casaca


Em seu universo, Arsène Lupin é o maior ladrão do mundo. Mas isso não significa que seja má pessoa; ele é, na verdade, um anti-herói como Robin Hood, ajudando as pessoas à sua própria maneira particular. Passando-se por aristocrata, e infiltrando-se sem esforços no meio de homens e mulheres ricos e não muito inteligentes, Lupin sempre sai vitorioso em seus planos e faz o inspetor Ganimard de piada. O arquétipo de ladrão inteligente, cheio de gracejos e truques e presente na boa sociedade nasceu na criação de Arsène Lupin, obra do escritor francês Maurice Leblanc. A personagem tem como particularidade a troca de identidade e o uso de disfarces, sempre confundindo seus oponentes. A Belle Époque marca o cenário das histórias, que acontecem na França do início do século XX. O clima é cosmopolita, artístico e intelectual – perfeito para Arsène pôr em ação seus planos e dominar a sociedade burguesa. 

Maurice Leblanc (1864-1941)

Arsène foi uma encomenda do editor Pierre Lafitte a Leblanc. As histórias foram primeiro publicadas em uma revista, em 1905. A ideia do ladrão foi uma aposta para bater de frente com o famoso detetive inglês Sherlock Holmes, e teve como inspiração o anarquista Marius Jacob, autor de 150 assaltos e condenado a 23 anos de prisão. Jacob não era um típico criminoso – ele roubava apenas de profissionais que julgava indignos da quantidade que ganhavam, como chefes, juízes e soldados, e nunca ia atrás de médicos, artistas e outras profissões que ele considerava úteis para a sociedade. Além disso, ele deixava para trás poucas pistas de seus crimes, sendo sempre um verdadeiro teste a tentativa de descobrir como ele conseguia tais feitos.  

“- Ufa, pronto... Que fácil! Pergunto-me por que todo mundo não escolhe o confortável ofício de ladrão. Com um pouco de jeito e raciocínio, não existe outro mais encantador. Um ofício descansado, de pai de família... Até cômodo demais... chega a ser enfadonho.”

O primeiro livro, Arsène Lupin, Ladrão de casaca, trata-se de uma coleção de contos com fragmentos da vida de Arsène desde criança até tornar-se um homem temido por todos que possuem bens valiosos. Com conteúdo inteligente e interessante, é um desafio até para o leitor descobrir a verdade por trás dos crimes de Lupin. É impossível não se sentir cativado pelo jeito confiante, ousado e genial do ladrão. 

O “ladrão de casaca” (gentleman-thief) se caracteriza por ser educado, charmoso, aceito na sociedade e confiante dos próprios atributos. Para completar, a cartola e o monóculo sempre presentes compõem o visual. Ele não deixa de manter a classe apesar do ofício peculiar. Mesmo sabendo sobre as más condutas do ladrão, o público não pode evitar torcer para este falso aristocrata – que prioriza apenas a si mesmo, mas tem um lado empático pelos mais necessitados. Sua reputação é a base de sua carreira, assim como as reações da mídia. Arsène, inclusive, possui seu próprio jornal, no qual relata suas próprias travessuras. 

As histórias apresentadas no primeiro livro são interligadas entre si possuem um fluxo fácil de acompanhar, deixando claro quem Arsène Lupin é e o que ele faria. Arsène escapa de acabar na cadeia por meio de brincadeiras com a percepção e a imaginação das pessoas, manipulando as possibilidades. Mas nem o maior ladrão do mundo é livre de falhas, sendo às vezes enganado por outros durante seus crimes. Maurice Leblanc possui uma escrita elegante e ideal para a personagem, que mescla o drama da situação com toques de humor. Em alguns casos, é explicado como os assaltos foram planejados, e em outros, Maurice deixa para a imaginação dos leitores descobrir. 

“- É justamente quando não compreendo mais nada que suspeito de Arsène Lupin.”

Maurice Leblanc não queria que Lupin dominasse apenas a França. Ele escreveu um embate entre o maior ladrão francês e o maior detetive inglês, mas não conseguiu permissão para usar o nome de Sherlock Holmes. Resultado: Arsène Lupin contra Herlock Sholmes é o nome do livro que retrata o encontro entre os dois mestres. Em tom humorístico, Arsène acabava sempre surpreendendo Herlock, que no fim reconhece que ambos se encontram no mesmo nível. 

A popularidade do ladrão francês só cresceu, pois as críticas e os deboches à sociedade francesa entretiveram o público. A personagem se tornou conhecida por toda França e partiu mundo afora. O ladrão de casaca teve suas aventuras relatadas até 1941, ano da morte de Maurice, totalizando dezoito romances, trinta e nove novelas e cinco peças de teatro. Com o tempo, com a chegada da Grande Guerra, Lupin deixa de lado as tendências anarquistas e passa a ser um completo patriota, abandonando aos poucos a vida de ladrão e passando a ser um detetive. Apesar dos relatos das aventuras de Lupin possuírem certa coerência cronológica, ainda existem estudiosos que divergem de opinião quanto à ordem dos acontecimentos; não havendo, assim, uma cronologia definitiva.  

O emblemático personagem francês não passou despercebido pelas telinhas e possui diversas adaptações. Seus livros recentemente serviram de inspiração à série Lupin, original da Netflix, que retrata um homem inspirando-se em um livro de Arsène Lupin para buscar vingança contra uma família que incriminou seu pai. A série traz o arquétipo de ladrão de casaca para a contemporaneidade, quando não deixa de ser relevante e cativante.

Lupin (2021-)

Uma personagem que marcou um país deve ser lida e relida não apenas por seu impacto cultural, mas pelo passatempo atemporal que Maurice Leblanc conseguiu criar. E não esqueça: duvide sempre de quem se atrever a usar um monóculo e uma cartola. 


Arte em destaque: Caroline Cecin

Comentários

  1. Muito boa a resenha, muito bem escrita e de fácil compreensão. Parabéns ❤

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