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O moralismo no terror slasher

Característicos pela violência e falta de limites, os slashers desde os anos 1970 tomaram conta da cena do horror. É um dos subgêneros mais famosos, comentados e reproduzidos, possuindo um teor bem consolidado. Um acampamento, um baile de formatura, uma casa na floresta, tudo isso parece um bom cenário para um slasher, mas a moralização e os valores antiquados também fizeram parte dele.

O subgênero slasher se iniciou para muitos com o lançamento de Halloween (1978), que foi praticamente o modelo perfeito em que os outros filmes a lançar se baseariam. Há um grupo de adolescentes, um cenário cotidiano, um assassino e uma protagonista mulher, elementos estes que se tornam cada vez mais fortificados, criando-se clichês que até hoje fazem parte do cinema e da cultura do terror. No entanto, esses aspectos que hoje temos como clichês e tratamos como bobos possuem uma origem muito mais politica e social do que imaginamos; as características desses modelos assim como o esquema narrativo do gênero são consolidadas por questões moralizantes e punitivas que produziram obras como essas.

Após as revoluções sociais de gênero e sexo nos anos 1960 e 1970, ocorreu-se uma onda de saudosismo aos valores conservadores. Partindo-se do discurso make america great again, muitos dos produtos culturais nessa época possuíam, de certa forma, seja consciente ou inconscientemente, um teor de conservadorismo. Nos slashers, cada escolha comportamental afirma ou discorda desses posicionamentos tão em alta na época, cada um dos aspectos principais dos filmes traduzem muitas dessas guerras culturais. A começar pelo grupo de adolescentes, sempre em forma e saudáveis, todos frequentam a mesma escola e grupo social, todos são de classe média-alta e todos vivem o estilo de vida estadunidense da forma mais pontual, com direito a cercas brancas e roupas da moda; eles são a representação da juventude e da vitalidade, também são inconsequentes e grande parte deles usuários de substâncias ilícitas, além de sexualmente ativos. Observa-se aqui um paralelo diretamente traçado entre o estilo de vida colocado em primeiro plano, ensinado pelos pais e pela igreja, e os valores cultivados entre os jovens, tidos pela maturidade sempre como rebeldia desmedida, e, por isso, por quebrarem as regras, todos esses jovens morrem, primeiro os que praticaram sexo, depois, os que usaram drogas, e assim por diante... Desses, resta uma: a garota final. 

A figura da garota final é um pouco controversa. Ela aparecem em todos os filmes slasher, sejam eles sátira ou não, algumas se diferem em certos aspectos, mas sua característica principal é a sobrevivência. No entanto, há estereótipos recorrentes voltados a esta figura, muitos sobre sua atitude recatada e sua feminilidade tida como ideal. A garota final sempre se veste de forma diferente da de seus amigos (os mesmos do grupo que morre), ela é inteligente e esforçada e geralmente não apresenta atividade sexual, ela nunca vai aparecer nua na tela. Alguns estudiosos tratam esse fenômeno cinematográfico como uma personagem capaz de despertar empatia ao máximo, ao ponto de todos de alguma forma se identificarem com ela. Outros, acreditam que seja puramente um produto do imaginário sexista que perambulava as ruas de Hollywood. Laurie Strode de Halloween é o exemplo perfeito de garota final, não somente por ser a primeira delas, mas por ser o maior exemplo da menina jovem aprovada pela sociedade estadunidense da época, ela é a careta do grupo, e, por ser careta, é a escolhida para sobreviver, ela não comete nenhum dos crimes que te colocariam na ponta da faca em um filme slasher

Um ponto que é importante ressaltar nessas narrativas é o teor sexista. As mulheres nos filmes slasher são objetificadas o tempo todo, seus corpos são sempre exibidos e sexualizados, suas representações decaem em misoginia, mesmo a da própria garota final, que só sobrevive por ser casta e pura nos padrões da moral estadunidense nos anos 1980. Salvo a garota final, essas mulheres sempre terminarão com uma morte violenta e de cunho sexual, principalmente em Halloween. Há aqui dois cenários contrários que sedimentam e reafirmam a misoginia nesses filmes: por um lado há mulheres que aparecem no filme apenas para fazer sexo e morrer (o errado), e do outro, há a garota final que age como o oposto, o exemplo (o certo).

“Garotos morrem nos slashers por fazerem coisas erradas, mas as garotas morrem por serem garotas.”

(Carol Clover)

O papel do assassino em filmes como Halloween e Sexta-feira 13, talvez os maiores exemplos de todos do gênero slasher, é como de um bicho-papão: o monstro que castiga as crianças malvadas e travessas. Há um teor punitivo e conservador por parte dos assassinos; mesmo que de uma forma anticonvencional, eles castigam os comportamentos sexuais, uso de drogas ilícitas, mentir aos pais etc. Sexta-feira 13 é o filme slasher mais emblemático nessa questão, o tom moralista e punitivo é justamente a motivação do assassino(a), que busca pela vingança de uma morte que ocorreu por negligência de adolescentes no acampamento Crystal Lake. 

O assassino sempre está mascarado, e os cenários sempre são pitorescos, talvez essas escolhas induzam uma ideia de que o vilão pode ser qualquer um, ou todo mundo, e o lugar pode ser qualquer lugar. É, quem sabe, mais uma tentativa de tornar a narrativa slasher tão próxima de nós ao ponto de perturbar.

O slasher hoje 

Apesar de o slasher ser um subgênero extremamente emblemático nos anos 1980, ele foi se estendendo e se modificando em diversos aspectos da década de 1990 até os dias atuais. Diversos filmes passaram a brincar com essa dinâmica clichê e caçoar dos estereótipos que um dia definiram esse tipo de película. A franquia Pânico é um dos maiores exemplos desse rompimento de barreiras e de subversão, principalmente pela grande extensão de filmes que ela possui que foram ao longo do tempo traçando outros caminhos. Aqui, o assassino deixa de ser um desconhecido bicho-papão para alguém que já passou pela tela, há um jogo de suspense para descobrir quem ele é e não um bingo para ver qual garota vai morrer primeiro.

Mais para os dias atuais, o filme X mostrou grande perspicácia ao brincar com o gênero. Nessa obra os aspectos novos e antigos se entrelaçam de uma forma crítica: se passa nos anos 1970, em uma fazenda no meio do nada, há um casal de idosos esquisitos e um grupo de jovens que se hospedam no lugar. A diferença está no enredo: esses jovens foram à fazenda para gravar um filme pornográfico, todos eles, inclusive a garota final. Durante o filme acredita-se que a figura da garota final vai ser incorporada na personagem da Jenna Ortega, que se demonstra mais inocente e casta, mas Mia Goth, a atriz principal do filme adulto, rouba a cena ao fugir da fazenda depois de matar a idosa psicopata, Pearl. Nesse filme o teor punitivo dos assassinatos parece permanecer até chegarmos a entender as “motivações” de Pearl ao assassinar todos: a pura inveja.

Seja os de hoje ou os mais antigos, os slashers tomaram conta do terror e estabeleceram sequências narrativas que ainda são reconhecidas pelo público de forma sem igual. 

Referências 



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