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As Bruxas de Eastwick e os desejos do feminino

As Bruxas de Eastwick (1984) é um romance escrito pelo autor John Updike que chama a atenção dos amantes de histórias sobrenaturais já pelo título e pela possibilidade de enveredar em uma narrativa tecida com magia e mulheres fortes. Ganhando vida na fictícia cidade de Eastwick no final da década de 1960, o livro conta uma época da vida das amigas Sukie, Alexandra e Jane. São mulheres entre os 30 e 50 anos, divorciadas, que vivem sozinhas em suas casas, cuidando de si mesmas, de seus filhos e umas das outras. Entre os olhares e especulações dos vizinhos de uma típica cidade pequena e conservadora, elas criam amuletos, fazem poções leves, se apoiam umas nas outras e eventualmente saem com algum dos homens da cidade. Tudo que basta (a princípio) para uma mulher receber poderes e se tornar uma bruxa é se separar do marido, divorciando-se, sendo abandonada ou abandonando. 

O início da história conta a rotina das mulheres em suas casas antigas, cuja maior presença é o vento balançando as coisas e os ruídos das velhas paredes. Na maior parte, são elas refletindo sobre seus atos e confeccionando seus amuletos e alimentos feitos a partir de magia involuntária - como o molho vermelho a partir de um crescimento exagerado de tomates na horta de Alexandra no período em que ela estava saindo com um conhecido. Alexandra é dona de casa, Sukie trabalha no jornal local e Jane é musicista, tocando em concertos e dando aulas de música. Elas são satisfeitas com suas vidas, mas a partir de um acontecimento especial na cidade, notamos que também estão entediadas. 

Eastwick é uma cidadezinha na Nova Inglaterra dos Estados Unidos, com praias sob céus nublados e construções históricas, charcos e poucas mudanças. Até um novo homem chegar ao local e mudar drasticamente a rotina das três mulheres - Darryl Van Horne. Há um mistério cercando a vinda de Darryl, de onde ele vem e a origem de toda a sua riqueza, mas, acima de tudo, o que ele está fazendo em Eastwick. Enquanto reforma uma das mansões mais antigas da cidade, ele se aproxima das bruxas e aos poucos ganha a confiança delas. As personagens estão intrigadas e vão atrás de saber quem ele é, e acabam se sentindo lisonjeadas pela forma como ele as trata: com interesse e disposição de fazê-las crescer. Não basta para Jane, em sua opinião, dar aulas de piano para os moradores; ela deve aprender famosas sinfonias e tocá-las em orquestras. Não basta para Alexandra fazer suas pequenas estátuas decorativas no forno de sua casa de vez em quando; ela deve aumentá-las e intensificar a produção e vendê-las em galerias de Nova York. Não basta para Sukie trabalhar na coluna de fofocas do jornal da pequena cidade; ela deve escrever um romance significativo. Tudo o que elas fazem, aos olhos de Van Horne, pode ser melhorado e aumentado. 

Em um rápido passar de tempo, elas deixam suas vidas caseiras e afundadas na rotina para aproximar-se dele. Quando a reforma de sua mansão passa pelos toques finais, ele começa a recebê-las em seu território. Um homem misterioso e culto, ele demonstra grande conhecimento nas artes, na literatura e na música. Parece que para cada uma delas, ele tem algo de ideal e grandioso que as instiga e as faz largarem o próprio ritmo em prol dele. Ao invés de manterem as reuniões entre si, passam a reunir-se na casa dele, realizando atividades estranhas em pleno inverno e tomando longos banhos de banheira todos juntos, misturando-se em uma orgia sutil e apaixonada por Van Horne. 

Desde o início da obra é dito como Alexandra, Jane e Sukie são mulheres fortes e independentes, especialmente por serem divorciadas e viverem às próprias custas. Suas reuniões privadas são cheias de comentários sobre as outras mulheres da cidade, que, segundo sua opinião, são mulherzinhas mesquinhas e bregas, à mercê dos maridos e olhares alheios. E os homens, coitados de não levarem suas vidas adiante e estarem casados com elas. Contudo, elas se veem como empáticas às outras figuras femininas da cidade e aos maridos delas com quem tem casos, como se estivessem fazendo um favor a todos. Grande parte dessas questões é tratada com certo ressentimento pelas bruxas, como se elas próprias desejassem ser uma daquelas mulheres que possuía um homem atado à si. Ainda que tenham sido casadas e afirmem apreciar a liberdade, todas parecem cercadas por uma aura de solidão.

Não são poucas as cenas em que Alexandra aparece à janela da cozinha, ouvindo os estalos da casa e ruminando acerca do passado e das opiniões alheias. Na perspectiva de Sukie, recebemos várias vezes a informação de que sua casa é vazia e silenciosa, preenchida nas noites pela presença dos homens tristes e deprimidos que ela tanto insiste em achar atrativos. Já Jane se afunda em seu trabalho, algo que só aumenta com a necessidade de mostrar a Van Horne do que ela é capaz.

São todas mulheres acima dos 35 anos, solteiras, que vivem em suas casas com filhos que mal aparecem, sendo Sukie a mais nova e Alexandra acima de 40. Elas fazem suas pequenas magias e travessuras para se divertir, e têm umas às outras. Trabalham todos os dias, produzem suas vidas. Mas quando Daryl Van Horne chega na cidade, vemos que nada do que elas têm é suficiente, afinal, ele despertou a curiosidade das três de forma quase desesperadora. "Quem é o estranho homem na velha mansão?", elas se perguntam sem parar na narrativa. Quando enfim conseguem conhecê-lo e passam a frequentar sua casa, isso se torna sua prioridade. Quando ele sugere a elas que mudem e adaptem seu trabalho ao crescimento, elas prontamente buscam isso. As mulheres começam a duvidar de si mesmas e buscar a aprovação de Van Horne. Suas vidas de antes ficam para trás e todos os seus pensamentos e conversas envolvem as noites em que o visitam e seus gostos, seus gestos e comportamentos. 

Isso nos leva a questionar se elas eram, realmente, tão satisfeitas com suas vidas. E acima de tudo, nos passa a impressão de que, sem o trabalho e as amigas por perto, quando estavam sozinhas, as bruxas sentiam uma espécie de solidão. Elas criavam ideias categóricas sobre a vida dos outros, especialmente das outras mulheres, mas nada comentavam de muito profundo sobre as próprias - como se em evitamento. No entanto, a não satisfação é o que as move. Elas buscam alguma coisa: os homens deprimidos da cidade, crescer no trabalho, escrever uma obra-prima, o estranho na mansão, fazer molho de tomate. Em todo e cada gesto das bruxas há a vontade de ir além e de viver, independentemente da solidão que sentem em casa. Geralmente lemos histórias sobre mulheres bem jovens, ainda adolescentes ou no início da vida adulta, que correm em busca de seus sonhos e, logo depois, muito provável, encontram um romance e vivem felizes para sempre. Poucas são as histórias que contam o que vem depois disso. Aqui elas são mulheres já divorciadas, que já tiveram filhos e os “tempos de ouro” da juventude e casamento. Elas descobriram que casar não era suficiente para manter a felicidade e seus desejos atendidos. Era preciso ir além sozinhas - tanto é que seus poderes de bruxa vêm apenas após a separação matrimonial. Assim, elas alcançaram a magia: mulheres livres e independentes que buscam viver seus desejos e vontades. 

Aí vem o questionamento: não são essas as características de mulheres vistas como bruxas e egoístas no mundo real - aquelas que vivem para si mesmas e não sob as vontades de um homem e sob o papel tradicional de boa mãe e esposa obediente que a sociedade quer? É possível que Daryl Van Horne seja mais do que um homem na história, ele representa um mistério que as bruxas tanto desejam, a lascívia e a luxúria, o esbanjamento e a liberdade que elas queriam fora do casamento e ainda buscam no dia a dia. Assim, a perspectiva da história muda e elas não estão se movendo em torno de um homem ou refazendo suas vidas em torno dos desejos dele. Mas sim em torno do próprio desejo. Elas querem algo mais do que a vida pacata da cidadezinha, e ele dá isso a elas. Elas recebem motivo e incentivo para crescerem profissionalmente, para se divertirem mais e aproveitarem a liberdade que possuem como mulheres solteiras. Ele oferece e elas aceitam. Não é sobre ele em si, mas sobre elas aceitando e sustentando as próprias escolhas e vontades, independentemente das opiniões dos vizinhos, dos colegas de trabalho, dos filhos e de quem quer que seja. É sobre usar sua magia como bem entendem. 

Afirma-se que a intenção do autor era escrever uma obra satírica sobre bruxas, dando profundidade aos boatos superficiais sobre elas como fatos literais. Ainda assim, podemos ler a história como um romance sério, pois suas personagens demonstram dilemas reais de mulheres na posição das personagens e, acima de tudo, a solidão feminina. Apesar de tudo, elas seguem seus desejos, e isso é algo digno de mérito. Na sociedade em que vivemos, mulheres precisam trabalhar ainda mais para serem reconhecidas e valorizadas acima do que se chama “a idade fértil”, em torno dos 35 a 40 anos, ou seja, é mais um peso que recai sobre as costas femininas e algo que mantém muitas com preocupação. Mas as bruxas podem servir de exemplo porque, apesar de terem suas contradições, elas são fiéis aos seus desejos e vão em busca do que querem. Solidão, maturidade, fofocas de cidade pequena: nada é suficiente para fazer com que evitem viver. É possível que este seja o maior aprendizado que o livro nos proporciona, que mulheres devem buscar viver e sustentar seus desejos, pouco importa a época de suas vidas. É preciso identificar o que se deseja e ir atrás, pois, no fim das contas, viver de acordo com nossas próprias regras e vontades (e não as dos outros) pode ser a verdadeira magia. 


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Camila Ferrari
Pesquisadora e apreciadora de tons sóbrios. Com um pé na realidade e outro em algum mundo fantástico, é através da leitura e da escrita que define as bordas de si mesma. Sente o aroma de café de longe e é habilidosa em deixar livros espalhados pela casa.

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