O obscuro sempre gerou uma inquietação no ser humano, o ato de proibir ou mistificar objetos ou ações desperta sempre uma certa curiosidade nas pessoas. E tal como Pandora foi atraída pelos segredos da caixa que abriu, nós nos atraímos pelo soturno e o onírico, ou melhor, a junção dos dois, a morte. Chega a ser engraçado, pois ao mesmo tempo que queremos saber ainda mais sobre tudo que a envolve, a maioria a teme na mesma intensidade. A morte já virou tema de filosofia, medicina, psicologia, cinema e, principalmente, da literatura. Porém esse ideal fúnebre atingiu seu auge com a chegada do Romantismo, em que o tema do amor se mesclava com o macabro e a finitude da vida, quando os poetas desiludidos clamavam por um fim desse longínquo sofrimento que era viver banhado em tédio e mediocridade. A morte tem muitas facetas, e uma que não pode ser ignorada, a mesma que a Segunda Geração poética do Romantismo usava em suas obras: a face do alivio.
Desde os tempos antigos, com as grandes odisseias gregas, a
morte esteve presente entre os versos dos poetas. Nas tragédias gregas eram
comuns mortes absurdamente dramáticas que envolviam honra, vingança e
sofrimento; nos dramas de Sófocles, dramaturgo grego, por exemplo a morte era
quase sempre retratada como um fim de um ciclo, ou melhor, uma punição para
aqueles que não tiveram tanta sorte em suas escolhas. Perder a vida
era o preço que se pagava por viver sem honra. Já durante a Idade Média, as
cantigas do trovadorismo quase nunca citavam a morte ou seus sinônimos, porém, culturalmente, morrer era considerado uma punição divina pelos seus pecados, afinal, naquela
concepção, Deus dava a vida, mas o Diabo a corrompia.
Com o avanço do Renascimento e da Idade Moderna, o
Classicismo recuperou algumas das tendências greco-romanas de mortes honradas e
vidas devotas fadadas a um bem maior; com isso, se a morte fosse um dos meios
para se alcançar a glória de seu povo ou uma dádiva, ela seria bem vista e
elogiada. Mas com a chegada das demais escolas literárias, a morte ia novamente
se ressignificando, sendo reinterpretada numa percepção religiosa
durante o período barroco; ali, a morte era o fim, e, por isso, o preceito do “Carpe
Diem” se popularizou muito, afinal, viver ao máximo parecia uma boa maneira de
morrer sem arrependimentos. Quando o Arcadismo e as tendências neoclássicas voltaram
a aparecer, deixando o enlouquecimento um pouco de lado, o ultimo suspiro do homem
era visto apenas como algo natural no ciclo da vida.
Com a chegada da Era das Revoluções, o ideal burguês foi
alavancado em escala mundial, o mundo virou em 180 graus e parecia rápido e efêmero
demais. E foi numa atmosfera de ideias revolucionários e nacionalistas que a Primeira Geração Romântica brasileira se formava. Sob a figura emblemática de Gonçalves
Dias, a literatura brasileira tomou uma ótica mais nacional e de valorização da
natureza; marcada pela subjetividade exagerada e temas amorosos abundantes, a poesia
passou a se popularizar em meio a burguesia e foi se moldando de acordo com os
seus valores.
Mas ao decorrer do tempo, nasce uma nova geração. Esta, menos
focada em temas nacionais e indianistas bebe direto da fonte do poeta inglês Lorde
Byron, uma das figuras mais reverenciadas do século XIX, um lorde
que amou e bebeu demais. Conhecido por suas poesias melancólicas e idealizadas,
viveu uma vida excêntrica cheia de excessos e escândalos; foi um namorador
nato, se envolveu com inúmeras mulheres (tendo inclusive boatos
de se relacionar com a meia-irmã), lutou pela independência da Grécia e morreu
consagrado como um herói nacional. Byron arrancou tudo que podia dos privilégios
que a vida lhe deu, com um renome internacional ele virou uma espécie de ícone dos
jovens poetas românticos, sendo um expoente importante que influenciou e muito a nossa Segunda Geração Romântica.
Pessimismo, delírio, tédio, egocentrismo e exagero
sentimental, estas eram as características que tomaram conta da juventude burguesa
brasileira. Muitos especialistas acham que uma espécie de existencialismo exacerbado
se apossou da alma dela, talvez ao verem as biografias dos grandes autores que
apreciavam tiveram a impressão de estarem vivendo errado, amando errado.
Influenciados por Byron e Goethe (escritor de Os sofrimentos do jovem Werther), esses jovens se afundaram numa vida boemia em busca dos prazeres que
os livros descreviam tão perpetuamente, procuravam mulheres idealizadas que
proporcionariam um amor tão avassalador quanto Werther sentia por Charlotte, um
amor que fosse tão forte que morrer não se comparava a uma vida sem sua amada
ao seu lado.
Tomados por essa busca desesperada por prazer somada a um
ego ferido pela mediocridade de uma vida que mal havia começado, os Ultrarromânticos foram
apelidados pela sociedade como “o mal do século”. A realidade para esses jovens
era um abismo, um pesadelo recheado de tédio e incapacidade de alcançar os seus
desejos, e com isso a poesia deles se tornou uma forma de escapismo pessoal. Tudo o que era inalcançável na vida real se tornava mais belo na poesia, entre linhas
recheadas de temas oníricos, românticos e macabros. Grande parte dos temas refletia
um saudosismo daquilo que eles nunca tiveram. Os sonhos eram ambientes comuns
na atmosfera da Segunda Geração, mulheres idealizadas, brancas, magras e virgens
de alma e corpo, amores inalcançáveis; tudo isso era um prato cheio na mão
dessa gente que produzia majoritariamente obras seguindo apenas por essas temáticas.
Álvares de Azevedo, maior nome na Segunda Geração poética brasileira,
é um dos exemplos mais clássicos desse tipo de poesia. Na publicação do seu
livro Lira dos Vinte Anos, ele trouxe inúmeras estrofes recheadas de melancolia
por nunca ter realmente amado alguém, por nunca ter vivido ardentemente, por se
sentir preso na realidade tediosa que sentia viver. Álvares e os demais
poetas da época enxergavam a vida como um fardo ordinário, sendo assim,
consideraram sua irmã, a morte, como a salvação de todo esse tédio e dor que os
corroía. Morrer seria um alivio, pois sua alma teoricamente descansaria em um
outro plano, onde o nada abriria portas para não sentir nada, pois se o
problema era sentir demais, a solução na mente deles era não sentir mais.
No poema “Adeus, meus sonhos”, ele retrata que
viveu uma suposta vida miserável que não teve nenhum clamor para viver, uma mocidade
que se perdeu, um amor que talvez nunca lhe pertenceu, para início de
conversa. Sendo assim, o eu lírico não encontra mais razões para continuar, supondo, dessa maneira, que morrer talvez fosse a melhor hipótese, já que não conseguia enxergar
um futuro para si.
“Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!Não levo da existência uma saudade!E tanta vida que meu peito enchiaMorreu na minha triste mocidade!Misérrimo! Votei meus pobres diasÀ sina doida de um amor sem fruto,E minh’alma na treva agora dormeComo um olhar que a morte envolve em luto.Que me resta, meu Deus? Morra comigoA estrela de meus cândidos amores,Já não vejo no meu peito mortoUm punhado sequer de murchas flores!”
Por terem uma poesia realmente bela
e com o tema do amor em destaque (o que gera uma identificação muito mais fácil em grande parte dos leitores), essa geração foi muito romantizada ao decorrer dos
séculos. Morrer por um amor não correspondido ou para se livrar da mediocridade
que os cercavam virou até mesmo uma espécie de moda tóxica na época. Mas a
realidade é que a saúde mental dessa juventude estava esgotada, as constantes transformações
do mundo e a clássica fase existencialista que arrebata as pessoas na faixa dos
vinte anos acabou com eles. O escapismo que eles encontraram na poesia, essa válvula
para alcançar o inalcançável mesmo que por alguns instantes, era na verdade a
maior prisão que eles puderam construir.
O próprio Álvares morreu devido a
uma queda enquanto cavalgava, o que consequentemente gerou uma infecção; ele
morreu com apenas 20 anos. Ele se encantava tanto com a ideia de
amar alguém que tudo acabou não passando disso, uma ideia; ele idealizava tanto
amar alguém perfeito da forma mais perfeita possível que isso acabou resultando
em uma repulsão a qualquer sinal de defeito que ele captasse. A verdade é que ninguém
sabe de nada sobre a vida, a geração do Mal do Século estava
indignada com a imperfeição do mundo, essa inexatidão que se tem ao existir, e
por isso transformou a morte num refúgio fúnebre para se esquecerem desse
perigo que é a vida.
É claro, viver assusta a qualquer um, mas deixar o medo te consumir e te impedir de aproveitar o que o mundo pode oferecer é a coisa mais cruel que poderíamos fazer com nós mesmos. Sendo assim, a consolidação da morte como salvação das dores da vida é apenas um triste reflexo de uma juventude carente de cuidados mentais e perdida em meio a um mundo que não parece parar para ninguém.
Referências
- Literatura e suicídio (Willian André, Lara L. Oliveira e Gabriel Pinezi)
- Lira dos vinte anos (Álvares de Azevedo)
Adorei teu texto e essa costura entre saúde mental e os românticos!
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