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30 anos de Arquivo X: a fé e a busca pela verdade

Há 30 anos, no dia 10 de setembro de 1993, o primeiro episódio de Arquivo X (The X-Files, no original) foi lançado nos EUA. A série de televisão estadunidense criada por Chris Carter tornou-se um clássico no gênero da ficção científica não só pela sua icônica música de abertura, mas também pelos diversos episódios que exploram o sobrenatural e a fé por algo maior que o mundo que nos cerca.

Sabemos que Arquivo X sempre bateu na tecla da verdade. Ao longo da franquia — a série de 9 temporadas, 2 filmes e mais o revival com 16 episódios — temos o ponto central apresentando uma busca por uma possível grande resposta e revelação, tanto que as frases "The truth is out there" (A verdade está lá fora) e "I want to believe" (Eu quero acreditar) evidenciam a fé dos personagens durante as jornadas de Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) ao ponto de tornarem-se slogans famosos da cultura popular na década de 1990 até os dias atuais.

Scully e Mulder: a fé cristã e a fé no sobrenatural

Logo no primeiro episódio, sabemos que Scully foi trabalhar na unidade Arquivo X do FBI para oferecer um equilíbrio científico com evidências concretas às investigações paranormais de Mulder. Os personagens são colocados quase como opostos dentro da série e a beleza da dinâmica entre eles é que, à medida que os episódios avançam, vemos Mulder e Scully moldarem as visões de mundo um do outro e trazerem aspectos diferentes dos casos por meio desse relacionamento único de yin e yang dos dois.

Temos vários episódios, personagens e arcos de Arquivo X que discutem religião, já que um dos pontos principais da série é o fato de Mulder ser um crente do sobrenatural e de tudo que envolve os alienígenas e outras criaturas, ao mesmo tempo que Scully é cética acerca desses fenômenos e prefere sempre utilizar a ciência exata para defender qualquer afirmação nos casos em que os dois trabalham.

No entanto, mesmo sendo uma mulher da ciência, Scully deixa claro que sua crença em Deus é muito importante na sua vida, mas essas crenças nunca são colocadas como contraditórias ao seu trabalho na medicina. Na verdade, é muito claro que a fé de Scully pode impulsionar o seu trabalho como uma agente inteligente e habilidosa, e não o contrário.

Há vários episódios que tratam sobre a fé de Scully, sua missão na vida e suas dúvidas em relação a Deus, assim como acompanhamos também Mulder duvidando das questões cristãs e vendo a religião por uma perspectiva muito mais negativa, acreditando que alguns atos religiosos são feitos por conta da insanidade e alienação dos fiéis. 

Só que assim como Scully, o ceticismo de Mulder não o impede de ter fé no sobrenatural. No decorrer da série, vemos o porquê isso é tão forte e importante no personagem, não só por conta do seu passado, mas também pela necessidade por respostas e por algo maior.

Arquivo X/reprodução

Temos dois personagens depositando sua fé em diferentes coisas e sendo céticos com essas mesmas coisas também, e é isso que faz de Scully e Mulder personagens tão complexos. A fé cristã dela e a fé no sobrenatural dele movem discussões sobre religião, o sobrenatural e a verdade que está lá fora, como nos episódios “Conduit”, “Beyond the Sea”, “One Breath”, “Elegy” e “All Souls”, “Revelations”, “Miracle Man” e muitos outros.

O cristianismo em Arquivo X

O fato de Chris Carter, o criador da série, ser cristão é bem importante, porque seu cristinismo tem uma forte influência na trama, e, sabendo disso, fica mais fácil de entender o porquê de a série explorar a fé em diversos episódios. 

Há muitas imagens religiosas e paralelos com histórias da Bíblia em Arquivo X, como a morte e o renascimento de Mulder, a gravidez “milagrosa” de Scully e os três homens sábios trazendo presentes para ela. No entanto, Carter não está interessado em fazer proselitismo com o público. Na verdade, ele parece estar questionando a sua própria fé em muitos episódios. Uma série cristã nunca traria, por exemplo, questionamentos da existência do livre arbítrio e a capacidade de escolher não pecar, assim como uma série cristã provavelmente também não exploraria a ausência de Deus e enalteceria a ciência e os métodos científicos. 

Então fica bem claro que Arquivo X não se trata de uma série cristã, mas sim de uma série de ficção científica que explora a fé e a razão trabalhando juntas, e isso é algo que atrai tanto os agnósticos quanto os cristãos ou ateus, porque a série pode ser interpretada como uma tentativa de equilibrar a fé em Deus e ainda a fé na ciência e no paranormal de uma maneira que não tenta te vender a ideia de que você também deveria acreditar.

Todos nós queremos acreditar

Eu quero acreditar” é provavelmente o refrão mais popular da série, isso porque a frase resume bem o desejo dos personagens de explorar o desconhecido, seja ele no planeta Terra ou no espaço sideral, na ciência ou no sobrenatural. Arquivo X consegue desenvolver muito bem a maneira que a crença pode definir a nossa compreensão de mundo e de quem somos, e como as nossas relações e outras experiências de vida também podem moldar as nossas crenças.

Na série, fica claro que sem o ceticismo de Scully, a crença de Mulder no sobrenatural não seria fortalecida, e sem a insistência de Mulder por respostas não tão convencionais, a compreensão de mundo da Scully não teria se desenvolvido. Por isso que, à medida em que Mulder e Scully aprendem um com o outro, eles ficam cada vez mais próximos das respostas que Mulder buscou ao longo de toda a sua vida. 

No final da série, vemos Mulder ter conhecimento da verdade sobre muito do que questionou nos primeiros episódios. Mas ele ainda quer acreditar, tanto na existência do paranormal (que se confirmou em vários episódios), mas também na ideia de que o mundo receberá algo melhor do que aquilo que algumas conspirações querem para nós. 

Para acreditar que “a verdade está lá fora”, deve haver uma crença de que existe alguma forma de verdade no mundo ou fora dele. E isso dá frutos na série, porque os protagonistas mudam um ao outro para melhor. Eles têm suas próprias crenças, mas ao mesmo tempo, para Scully, a verdade pode estar em admitir que os discos voadores que ela viu várias vezes são reais. Para Mulder, a verdade pode estar em olhar para uma cruz e pensar “Talvez haja esperança”.

A complexidade dos dois atinge o cerne do objetivo da série: o desejo de acreditar. O desejo de acreditar nas coisas, nas pessoas, na ciência, e, para algumas, em Deus. Isso está na essência do que significa ser humano. Queremos acreditar que mesmo sendo bombardeados com a escuridão da humanidade, algumas pessoas ainda podem ser luz. Queremos acreditar que temos importância e propósito neste mundo. Queremos acreditar que a arte pode nos libertar. Queremos acreditar que Deus irá nos salvar — ou que podemos salvar a nós mesmos.

E é assim que Arquivo X, mesmo depois de 30 anos, continua a nos instigar a explorar a fé que nos sustenta, mesmo quando não é possível encontrar respostas absolutas às nossas maiores crenças de vida, sejam elas em Deus, em alienígenas, em fantasmas, em monstros ou na ciência.

Referências




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Sharline Freire
Estudante e leitora voraz de fanfics, assiste filmes e séries mais do que deveria e escuta músicas dos anos 40. Parece fria e séria, mas já chorou escrevendo sobre Sherlock Holmes e John Watson na internet.

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