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Matilda de Inglaterra: a rainha sem trono

Matilda de Inglaterra, também conhecida como Matilda, a Imperatriz, foi uma figura notável na história britânica do século XII. Nascida em 1102, era filha do rei Henrique I da Inglaterra, e de sua esposa, Edite da Escócia. Sua linhagem real a conectava diretamente aos normandos, uma vez que seu pai era filho de Guilherme, o Conquistador. Sua família governava sobre um vasto território, que incluía a Inglaterra, a Normandia e partes da França.

Apesar de Henrique I ter mais de vinte filhos fora do casamento, Matilda e Guilherme Adelino eram os dois únicos descendentes legítimos do rei. A primeira filha fora prometida ao imperador Henrique da Germânia, grande nome do Sacro Império Romano-Germânico na época, e, por conta disso, morava na Itália com o marido. Embora fosse um ano mais novo do que a irmã, Guilherme era o próximo na linha de sucessão ao trono por possuir uma qualificação que a primogênita não poderia ter: ser homem. Contudo, os planos reais literalmente afundaram no ano de 1120.

O futuro do trono

Quando Guilherme Adelino morreu inesperadamente aos 17 anos, em um naufrágio no Canal da Mancha, o trono britânico perdeu seu único herdeiro. Tal fato resultou em uma forte crise de imagem para o governo, que passou a ser considerado frágil, e demonstrar tendências à sua própria ruína. 

Caso o rei não tivesse outro filho homem para garantir a realeza, o próximo rei nomeado seria seu sobrinho mais velho. A possibilidade não agradava ao monarca, que tinha um longo histórico de brigas com seus irmãos. 

Henrique I, então com 53 anos, casou-se com Adeliza de Louvain, com cerca de 18 anos na época, na esperança de engravidá-la até que fosse pai de outro homem. No entanto, as tentativas não estavam resultando em nada, o que obrigou o rei a planejar o futuro da coroa britânica contando com algum de seus sobrinhos. O mais visado entre eles pelo monarca era Stephen de Blois, para o qual fez promessas de um bom casamento e uma vida boa a ele e à sua família. 

Quando tudo parecia estar encaminhado, acontece mais uma reviravolta na vida da família real da Inglaterra: o imperador Henrique, marido de Matilda e genro do rei Henrique I, morre na Itália, deixando-a viúva. O rei, então, volta todas as suas atenções à filha e a anuncia como sua sucessora ao trono, contrariando os desejos e expectativas da nobreza. 

Em meio a tanto desagrado com o anúncio de sua decisão, o monarca arruma um segundo casamento para a filha, em 1128, com Geoffrey IV, o Conde de Anjou, filho de Fulk de Anjou e irmão da noiva de Guilherme. Quando a filha se tornou viúva, Fulk reivindicou seu território novamente, pedido que foi negado pelo rei e causou conflitos entre o condado de Anjou, no oeste da França, com a Inglaterra. Portanto, o casamento de Geoffrey IV e Matilda serviu como uma espécie de acordo de paz entre os territórios. 

Mesmo desagradando os ingleses, o casamento progrediu e gerou três filhos: Henrique II, Geoffrey VI e William FitzEmpress. Apesar disso, conflitos entre Matilda e o próprio pai fizeram com que a futura rainha e seu marido passassem a maior parte de seu tempo na Normandia. O rei, contrariado com as exigências da filha sobre o dote que era seu por direito após o casamento, comandava exércitos que eram enfrentados por rebeliões de barões rebeldes liderados por Matilda e Geoffrey IV. As batalhas entre a família eram tão intensas que, em 1135, o casal não ficou sabendo de imediato sobre a morte de Henrique I por estarem em Anjou lutando contra o exército britânico.

A disputa pela coroa

O intervalo de tempo entre a morte do rei e o conhecimento do fato por Matilda e Geoffrey foi mais do que suficiente para que, com a ajuda de um exército, Stephen de Blois reivindicasse a coroa britânica. Essa espécie de golpe de estado deu início a uma guerra civil conhecida como “a Anarquia”, e durou cerca de 19 anos, causando grande instabilidade no reino. Essa disputa pela sucessão ao trono foi um dos momentos mais tensos e turbulentos da história da Inglaterra medieval.

Matilda teve um papel fundamental nesse contexto, desafiando as expectativas da sociedade patriarcal da época. A governança era predominantemente masculina, e mulheres no poder eram vistas com desconfiança e resistência. No entanto, Matilda estava determinada a reivindicar seu direito ao trono e provar sua competência como líder.

Enquanto Matilda contava com o apoio da Normandia e de seu meio-irmão, Robert de Gloucester, Stephen tinha o suporte de parte da nobreza inglesa e da Igreja, já que era irmão de Henrique de Winchester, bispo do condado. Os conflitos foram violentos e devastadores, com ambos os lados cometendo atrocidades em nome de seus interesses. Durante esse período, Matilda demonstrou coragem e determinação, liderando exércitos, tomando decisões estratégicas e enfrentando os desafios de um território hostil. Sua presença e liderança inspiraram muitos nobres e barões ingleses a apoia-la, reconhecendo seu potencial como governante.

A Anarquia e o Tratado de Wallingford

O período da Anarquia foi uma época de caos e instabilidade na Inglaterra, com nobres e barões tomando partido e se envolvendo em batalhas e confrontos. Durante anos, as forças de Matilda e Stephen se enfrentaram em uma série de batalhas e disputas, e nenhum deles conseguiu alcançar uma vitória decisiva. 

Os confrontos intensos e violentos eram os mais comuns. As forças de ambos os lados consistiam em soldados, cavaleiros e nobres que lutavam ferozmente pelo controle do território e pela coroa inglesa. As batalhas eram marcadas por combates corpo a corpo, nos quais os soldados utilizavam uma variedade de armas, como espadas, lanças e machados. A cavalaria desempenhava um papel crucial, com cavaleiros montados investindo uns contra os outros.

Essas batalhas não apenas causaram destruição física nas áreas afetadas, mas também tiveram um impacto direto nas comunidades e nas vidas das pessoas. O conflito gerou um clima de medo e insegurança, com civis sendo afetados pelas consequências da guerra, como saques, pilhagens e a falta de recursos básicos.

Finalmente, em 1153, o Tratado de Wallingford, também conhecido como Tratado de Westminster ou Winchester, foi assinado, marcando o fim formal do conflito. O tratado estabeleceu um compromisso entre Matilda e Stephen, reconhecendo o direito de Stephen de reinar durante sua vida, mas garantindo que o filho de Matilda, Henrique II, seria o herdeiro legítimo.

Esse tratado marcou um ponto crucial na história da Inglaterra, pois estabeleceu uma transição pacífica de poder e colocou fim à Anarquia. Henrique II, posteriormente, tornou-se um dos reis mais influentes da Inglaterra, introduzindo importantes reformas legais e administrativas.

O conflito entre Matilda e Stephen, embora turbulento e devastador, levou à consolidação do poder real e à criação de um sistema mais estável de sucessão monárquica na Inglaterra. O Tratado de Westminster foi um marco fundamental nessa jornada e deixou um legado duradouro na história do país.

O legado de Matilda para a história feminina

Durante o período da Anarquia, Matilda exerceu um papel político ativo e demonstrou habilidades de liderança notáveis. Ela se tornou uma das primeiras mulheres a reivindicar o trono inglês e a liderar um exército. Embora não tenha obtido sucesso em sua reivindicação à coroa, sua determinação e coragem abriram caminho para futuras rainhas e líderes femininas.

Além disso, por meio do reinado de Henrique II, seu filho e seus descendentes governaram a Inglaterra por mais de três séculos, estabelecendo uma dinastia conhecida como Plantageneta. Assim, Matilda deixou um legado duradouro por meio de sua linhagem e influência sobre a realeza.

No contexto mais amplo da história feminina, a figura de Matilda é importante porque desafiou as normas tradicionais de gênero e mostrou que as mulheres podiam desempenhar papéis políticos e militares de destaque. Embora tenha havido rainhas anteriores na história europeia, ela se destacou por sua atuação ativa e sua busca pelo poder.

No entanto, é importante ressaltar que, apesar das conquistas de Matilda, a posição das mulheres na sociedade medieval era geralmente restrita e subordinada. O caso de Matilda foi uma exceção notável, mas é necessário considerar a posição hierárquica de sua família e seu status social, e compreender que a luta por igualdade de gênero e empoderamento feminino só ganhou força ao longo dos séculos seguintes.

Referências



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