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Nos passos do pequeno príncipe: a vida de Antoine de Saint-Exupéry


O Pequeno Príncipe foi publicado em 6 de abril de 1943, pelo autor francês Antoine de Saint-Exupéry, nascido em Lyon em 29 de junho de 1900. Com um dom herdado da mãe, o autor ilustrou todos os desenhos de seu livro, que, anos depois, se tornaria uma das obras mais vendidas de todos os tempos, traduzida para quase 500 idiomas e a segunda mais famosa do mundo, depois apenas da Bíblia. Conhecido por muitos e presente na cabeceira de leitores que conhecem bem algumas de suas frases mais emblemáticas como "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas" e "O essencial é invisível aos olhos", as reflexões do livro transmitem lições importantes sobre a vida adulta, ainda que a obra seja originalmente uma história infantil. 

Durante sua vida, o autor escreveu outras obras importantes para a aviação, mas nenhuma deixou um legado tão grande como O Pequeno Príncipe. A ideia surgiu durante uma conversa com Eugène Reynal, um dos sócios da editora de Antoine, a Reynal & Hitchcock. Ele propôs que o autor escrevesse uma história para crianças, então Exupéry aceitou o desafio e alugou uma mansão em Long Island naquele ano de 1942, e foi lá que a famosa história de O Pequeno Príncipe nasceu.

No livro, um piloto de avião está no meio de uma viagem quando um problema atinge a aeronave e o homem se vê perdido no deserto. Preocupado com a situação em que se encontra, com o avião em péssimas condições e poucos mantimentos, o piloto é surpreendido por um jovem misterioso e muito sensível, chamado Pequeno Príncipe. O menino diz ter vindo do asteroide B-612. Neste pequeno planeta, que é tão pequeno que só tem espaço para uma pessoa, e onde o sol se põe várias vezes ao dia, o Pequeno Príncipe precisa manter tudo em ordem. O jovem passa seus dias se dedicando a cuidar do lugar, que abriga três vulcões e uma rosa, por quem ele sente um amor imenso. Após uma breve discussão, ele decide deixar a rosa para trás e ir explorar o mundo. O menino visitou muitos planetas, e neles encontrou algumas figuras, como um monarca em busca de súditos, um alcoólatra que bebe para esquecer a vergonha de beber e um homem de negócios que pensa ser o dono das estrelas. Mas então o Pequeno Príncipe acabou parando no sétimo e último planeta, a Terra, e pede um desenho de um carneiro ao piloto perdido no deserto. A obra reflete sobre como os adultos se esquecem da infância, e que, por isso, se esquecem também de viver.

Perdido no Saara

Antes de ser escritor, Antoine de Saint-Exupéry tentou entrar na marinha, mas foi reprovado devido a problemas de saúde, então cursou artes, mas não chegou a se formar. Porém foi na aviação que ele se encontrou, tornando-se um piloto profissional. O autor trabalhou na empresa de correio aéreo Aéropostale, onde passou pelas rotas da África e América do Sul. Em 30 de dezembro de 1935, Saint-Exupéry e seu co-piloto André Prévot caíram no deserto do Saara, ficando perdidos por 4 dias. Os dois enfrentaram a sede e a fome ao caminhar muito em busca de ajuda até serem resgatados por uma caravana. Após esse episódio em sua vida, Antoine descreveu com detalhes o acontecimento em seu livro de memórias Terre des hommes, publicado em 1939, e, muito provavelmente, esses dias perdido no deserto tenham servido de inspiração para sua história tão famosa.

A rosa Consuelo

A personagem da rosa foi inspirada na esposa do próprio autor. Consuelo Suncín-Sandoval Zeceña nasceu em 1901 em Armenia, El Salvador. A jovem estudou em São Francisco, na Cidade do México e também na França. Como seu primeiro casamento com um capitão mexicano terminou em divórcio, algo inaceitável na época, Consuelo dizia que seu ex-marido havia morrido durante a Revolução Mexicana.

Algum tempo depois, conheceu seu segundo marido, o escritor guatemalteco Enrique Gómez Carrillo, com quem se casou e de quem realmente ficou viúva um ano depois, em  1927. Em 1931, aos 30 anos, a escritora conheceu Antoine de Saint-Exupéry e os dois se apaixonaram perdidamente, casando-se no mesmo ano. Consuelo era uma mulher interessante e muito inteligente, e por onde passava despertava a curiosidade e admiração dos homens, e com Antoine não foi diferente. O casamento dos dois foi intenso, mas muito problemático, repleto de brigas e reconciliações. Em suas viagens pelo mundo,  Saint-Exupéry se relacionava com inúmeras mulheres, e Consuelo também teve seus amantes. 

Um ano após o desaparecimento do marido, ela escreveu o livro Memoria de la rosa, no qual revelou detalhes de seu casamento com o piloto. Na época a publicação foi chocante, pois a França conheceu um lado cruel de Saint-Exupéry em seu relacionamento. A família aristocrática do autor nunca gostou de Consuelo, pois "se casar com um estrangeiro era pior do que casar com um judeu", disse um membro da família.

“Consuelo, obrigado do fundo do meu coração por ser minha esposa… Se eu for morto, terei alguém por quem esperar na eternidade.”

Na história, a rosa era frágil, e o Pequeno Príncipe a defendia dos perigos de seu mundo, pois ela tinha apenas quatro espinhos. A fragilidade da flor se referia à saúde debilitada de Consuelo pela asma crônica, e o ciúme e orgulho da rosa retratavam sua personalidade. O campo cheio de flores que distraía o Pequeno Príncipe na Terra representava seus casos com outras mulheres, mesmo que, no final, ele tenha aprendido o valor único e inestimável de sua rosa, a quem deixou incontáveis declarações e cartas de amor na vida real.

Passagem pelo Brasil

A história de Antoine com o Brasil se inicia em 1929, quando ele é enviado a Buenos Aires como coordenador de uma linha postal que ia de Paris até o Chile. Em uma das escalas em Natal, o autor provavelmente pode ter conhecido o baobá, árvore de origem africana de grande importância na história. Em suas rotas, Antoine passou por muitas cidades brasileiras, como Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Florianópolis, onde teve acesso ao "Popote", lugar de descanso entre as escalas dos pilotos. Em Floripa, Antoine de Exupéry foi carinhosamente apelidado de Zé Perri, devido ao seu nome de difícil pronúncia. 

Quando os pescadores do litoral ouviam os motores do avião de Antoine, eles acendiam lampiões para iluminar a pista de aterrissagem e ajudar no pouso. Muito querido pelos brasileiros na Praia do Campeche, Exupéry se tornou amigo do pescador Rafael Manoel Inácio, conhecido como o Seu Deca, que o ensinou a pescar e a comer os peixes com beiju, uma iguaria de origem indígena feita de tapioca. Ainda no Brasil, o autor também passou alguns dias no Rio de Janeiro, e durante suas folgas descansava no sítio La Grand Vallée (“O Grande Vale”), em Itaipava, distrito de Petrópolis, que hoje está aberto à visitação.

A morte misteriosa do autor

O autor passou por vários acidentes, mas ele nunca deixou de voar. Em 16 de fevereiro de 1938, Antoine sofreu o mais grave acidente de sua carreira: em um voo de Nova York para a  Patagônia, mais uma vez acompanhado de seu amigo André Prévot, a aeronave em que estavam caiu na Guatemala devido ao tanque cheio demais. Ambos sobreviveram por pouco, mas Exupéry teve ferimentos sérios: além de ter sofrido oito fraturas, ele ficou em coma por oito dias e quase perdeu o braço esquerdo.

Infelizmente o piloto não teve a mesma sorte mais de uma vez, pois em 1944, se alistou para lutar na Segunda Guerra Mundial e após um voo em 31 de julho, saindo da ilha da Córsega, ele nunca mais foi visto. O mistério foi solucionado apenas em 2004, quando o alemão Horst Rippert confessou ter abatido a aeronave. Horst demonstrou arrependimento após descobrir que Antoine estava no voo, já que era um admirador do escritor francês e tinha lido muitos de seus livros.

Os restos do avião foram encontrados submersos no fundo do mar, e 3 anos depois, em 1998, uma pulseira de identificação com o nome do autor e de sua esposa foi encontrada na cidade de Marselha pelo pescador Jean Claude Bianco. Os destroços da aeronave de Saint-Exupéry foram encontrados 10 anos depois, após muitas buscas. Uma parte do avião encontra-se hoje no Museu do Ar e do Espaço de Bourget, na França.

Antoine de Saint-Exupéry tinha sonhos imensos e conquistou grandes feitos, tão grandes quanto seus erros. Ele viveu uma vida repleta de aventuras sobrevoando os céus, e, assim como o Pequeno Príncipe, também criou memórias inesquecíveis em terra firme. 

"Sou um pouco de todos que conheci, um pouco dos lugares que fui, um pouco das saudades que deixei e sou muito das coisas que gostei."

Referências



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Isadora Bispo
Bacharel em Jornalismo, escreve sobre tudo o que envolve cultura e entretenimento. Ama música pop e ainda faz questão de comprar todos os cds da Taylor Swift. Viciada em documentários true crime, histórias de fantasia, era vitoriana, tarot e mitologia grega. Apaixonada por literatura, cinema, arte e história, de preferência tudo isso junto.

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