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A verdade de Báthory: quem foi a Condessa de Sangue?

Em torno do século XIV, a Europa tinha a Hungria como um dos seus maiores reinos, e nele, a família Báthory como uma das mais poderosas da região. É nesse contexto de riqueza e poder que nasce a Condessa Erzsébet Báthory, ou, em uma grafia mais conhecida e acessível: Elizabeth. Muito já se ouviu falar dela em filmes, vídeos e músicas por meio da lenda que precede seu nome: a Condessa de Sangue, ou Condessa Sangrenta. 

A história contada acerca dela é que ela era uma viúva muito rica e poderosa que, por tediosa maldade, passou a torturar e assassinar serventes em seu castelo, aumentando brutalmente com o passar dos anos seus métodos e atingindo a centenas de jovens mulheres virgens. Um dos pontos mais famosos da lenda é de que que Elizabeth assassinava tais jovens para encher uma banheira com seu sangue e, assim, manter sua juventude e beleza ao banhar-se. Alega-se que ela tenha sido a maior assassina em série da história. As pessoas lembram de sua figura por causa dos horrores que associam à sua imagem e que tanto inspiraram filmes, álbuns de bandas e personagens em novas narrativas. Alguns que podemos citar são a banda Bathory, de Black Metal, o filme The Countess, protagonizado e dirigido pela atriz Julie Delply, e inúmeros livros. 

No entanto, é possível que muitas dessas histórias, se não a grande maioria, foram inventadas, sendo iniciadas pelos lábios de seus opositores políticos na época. Um fato que nos faz questionar o tamanho absurdo da brutalidade e horror que a lenda conta de seus atos é a informação de que a banheira de sangue só foi acrescentada a essa narrativa mais de cem anos depois, mencionada por um autor chamado Lászlo Túróczi. Outro fato são as faltas de registros na época e de provas escritas dos crimes que a acusaram de cometer. E ainda mais, foi Elizabeth não ter tido direito de ocorrer a uma defesa e não ter nem comparecido ao próprio julgamento. Outro questionamento é que, devido às epidemias da época, os nobres não podiam se dar ao luxo de perder seus criados - que dirá, então, matar dezenas deles por diversão e correr o risco de ficar sem seus serviços. Tampouco, haver mais de seiscentas jovens em pequenos vilarejos próximos ao castelo da Condessa, dos quais ela supostamente tirava grande parte de suas vítimas. 

Elizabeth Báthory

Do pouco que se sabe sobre sua vida para além de lendas populares, sabemos que nasceu em 1560 e foi uma criança com muito acesso ao estudo, tendo aprendido diversos idiomas e diferentes áreas de conhecimento. Por ser parte da nobreza da época, aos 10 anos de idade foi prometida a um Barão 5 anos mais velho para se casar com ele em torno dos 15 anos. Por ser de família mais abastada e importante, Elizabeth manteve seu sobrenome e o marido que o acrescentou ao próprio nome. A lenda conta que quando o Barão estava fora em caçadas e viagens, Elizabeth torturava seus servos. Diz-se que seu comportamento piorou extremamente após a morte do marido, construindo instrumento de tortura e buscando vítimas de fora do castelo. Na época era comum que os nobres fossem cruéis com seus servos por meio de golpes e castigos, mas algo desse tamanho não teria passado despercebido por tanto tempo e as famílias simplesmente teriam parado de mandar suas filhas para a corte de Báthory, tanto as ricas quanto as camponesas para trabalho. 

Grande parte da arte e entretenimento produzidos e citados baseados em sua lenda adere à narrativa básica de assassina, serial killer etc. Contudo, há uma letra que chama a atenção por justamente dar à Elizabeth Báthory o que ela não teve: o benefício da dúvida. A cantora Karliene lançou, em 2018, no seu canal do Youtube, a música Blood Countess. Narrando na letra sobre sua posição de viúva sozinha e poderosa diante de rivais políticos que tirariam sua propriedade e fortuna, Karliene imagina uma mulher que não era somente Condessa, mas humana, e que clamava que queriam calá-la e destrui-la ao lhe dar a fama de monstro, que teme terem ouvido seu nome através da lenda e não do que seria sua história verdadeira. Ainda que uma canção não apresente, necessariamente, fatos históricos concretos, ela cria uma alternativa e destaca a possibilidade de que talvez Erzsébet Báthory tenha sido somente uma mulher que caiu em uma teia de inimigos que construíram muito bem uma acusação contra ela. "Who is she really?", Karliene questiona. Quem foi Elizabeth Báthory, podemos nos perguntar, sem toda a camada da lenda que a cobre? Quem era ela por baixo da roupa de assassina que insistem em colocar nela?

A pesquisadora  Bartosiewicz cita que há historiadores que colocam Elizabeth não como bruxa e sanguinária, mas uma mulher que buscava entender de ervas e cura. Há a possibilidade de que suas habilidades causassem medo em pessoas desentendidas do assunto, o que só gerou mais conteúdo para a deturpada narrativa que a coloca como monstro - mexendo com artes ocultas e cravando agulhas em corpos. Bartosiewicz também coloca que todo o julgamento foi uma forma de tirar os Báthory do poder e tirar a influência que Elizabeth tinha na época em meio a tantos conflitos locais.

Seu julgamento aconteceu em dezembro de 1610, também quando Elizabeth foi presa por meio de acusações e investigações iniciadas pelo Conde Thurzo, que era seu primo e uma das pessoas que se afirma ter tido interesse em tirá-la do poder. A Condessa foi condenada à prisão perpétua e foi encarcerada em um aposento sem janelas no castelo, onde manteve-se por quase três anos até ter sido encontrada morta em agosto de 1614. 

Apesar de tudo, mesmo Bartosiewicz aponta que não há tantos dados possíveis de encontrar sobre Elizabeth Báthory, tampouco registros sobre os acontecimentos terríveis de que a acusam. O que nos resta sobre sua figura é agarrar qualquer fonte que não diga apenas mais do mesmo e que, sim, busca entender sobre sua vida e pessoa. Ou, realmente, apenas dar atenção ao “mais do mesmo”: os boatos que a fizeram ser encarcerada e que ecoaram de tal forma que a lenda da Condessa de Sangue, louca por tortura e homicídios, foi criada e se tornou a história principal sobre ela. Não podemos confirmar com toda a certeza do mundo que os boatos eram mentira, mas também não podemos tomá-los como a verdade absoluta. Esta, jamais saberemos. Bartosiewicz cita, ao encerrar sua escrita, “atualmente, mais de 400 anos depois dos eventos descritos, ainda não sabemos de toda a verdade acerca da vida e da morte de Elisabeth Báthory, que, ao que parece, levou seus segredos eternamente para o túmulo”.

Nesse sentido, o objetivo deste texto talvez não seja exatamente discutir o que é verdade ou mentira - o que foi verídico e o que foi inventado -, mas questionar as narrativas sobre mulheres que não foram escritas por mulheres. Claro que não devemos limitar a criatividade mental de um escritor ou escritora e impedi-los de narrar o ponto de vista do sexo oposto, mas estar mais atentas e ir à fundo nas histórias. Entender se aquilo foi, de fato, o que aconteceu e quem estava narrando. Como mulheres, devemos tomar o protagonismo de nossas perspectivas, narrar nossas próprias histórias e, acima de tudo, nossas verdades para que elas prevaleçam sem deixar lacunas na própria História. 

Assim, como Karliene compôs em sua música, “Will you hear my story? From the lips of Bathory?”.

Referências 

  • Elizabeth Bathory - the true story (Aleksandra Bartosiewicz) 
  • Blood Countess (Karliene) 



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Camila Ferrari
Pesquisadora e apreciadora de tons sóbrios. Com um pé na realidade e outro em algum mundo fantástico, é através da leitura e da escrita que define as bordas de si mesma. Sente o aroma de café de longe e é habilidosa em deixar livros espalhados pela casa.

Comentários

  1. Que legal saber mais sobre ela, sempre achei a figura bem enigmática. A questão toda me lembrou o que aconteceu com Cleopatra. O que sabemos dela veio da boca de seus inimigos através de narrativas escritas com um objetivo específico. Coincidentemente, outra mulher que tinha muito poder nas mãos. Faz a gente se questionar mesmo... Beijoooss

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  2. Li sobre ela recentemente e fiquei com uma pulga atrás da orelha com tantas acusações (algumas bem absurdas, inclusive) sem nenhum tipo de prova documental. Que texto maravilhoso!

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  3. Não conhecia essa versão da história, achei super interessante ❤

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