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a-ha, o som quente que veio do frio: 38 anos de Hunting High and Low

No início dos anos 1980, três garotos noruegueses, Morten Harket (vocal) Magne Furuholmen (teclado) e Pal Waaktaar Savoy (guitarra), deixaram sua terra natal em direção à Inglaterra com pouco dinheiro no bolso e muito sonhos no coração. Em busca de uma chance, a banda batizada como a-ha gravou três fitas com algumas músicas para entregar a possíveis contatos no show bizz. Na base da tentativa e erro, ligavam para diversos estúdios em busca de alguém que os recebesse e aceitasse ouvir o material. Em uma dessas ocasiões, visitaram a Decca Records, que, apesar de atendê-los educadamente, não demonstrou interesse em escutar a fita já que dezenas de outros materiais, de bandas também iniciantes, aguardavam empilhados em um canto. Como possuíam poucas cópias, os então garotos Morten, Pal e Magne decidiram não deixar uma fita e seguiram em busca de uma nova oportunidade. 

Magne, por meio de uma ligação, conseguiu marcar uma reunião com uma espécie de editorial musical, a Lionheart Music, que apesar de não ser uma gravadora, era uma ponte para estabelecer contatos. Na noite anterior ao encontro, Magne foi preso por desordem e bebedeira, enquanto tentava encontrar um táxi para duas garotas que acompanhavam ele e Morten. Na manhã seguinte, Morten vai para a reunião enquanto Pal se dirige à delegacia na tentativa de liberar o amigo. O responsável na Lionheart demonstra gostar da fita, mas diz que precisa do aval de seu chefe para assinar um contrato, promete que dará seu melhor, mas faz uma exigência: a a-ha não deve mostrar o material a mais ninguém. Enquanto a resposta do chefe não chegava, a Lionheart aconselhou que a banda regravasse o material em um estúdio profissional para que as chances de conseguir um contrato aumentassem.

Os garotos encontraram o Rendezvous Studios, um dos poucos espaços que cabia em seu orçamento e que fornecia os instrumentos musicais para tocar, já que os seus tinham ficado na Noruega. O dono do estúdio, John Ratcliff, colocou a banda em contato com Terry Slater (ex-The Everly Brothers), empresário de renome e bastante respeitado no cenário musical. O contrato informal de exclusividade que o a-ha tinha com a Lionheart Musical obviamente foi rompido, e, graças a Slater, um novo, e dessa vez muitíssimo formal, foi assinado com a Warner Bros.

O resultado do contrato foi o disco de estreia da banda, Hunting High and Low, lançado em 1985. As gravações começaram no ano anterior, em Londres, no Eel Pie Studios, cujo dono era Pete Townshend, guitarrista do The Who, e Tony Mansfield foi o produtor encarregado pela Warner de acompanhar a produção do álbum. A experiência de Mansfield no mundo da música  pop e no emprego da tecnologia da época foi essencial para compor o disco. Um dos equipamentos por ele manipulado na ocasião foi o Fairlight, uma espécie de sintetizador que, acoplado a um teclado, gravava, reproduzia e manipulava toda espécie de som de maneira rápida e simples. Assim, os músicos conseguiam gravar sons naturais ou de outros instrumentos, samplear e sintetizar em suas canções. Nos anos 80, o Fairlight representou uma verdadeira revolução na música e foi amplamente utilizado por nomes como Kate Bush e Tears for Fears, tornando-se um dos responsáveis pela caracterização do estilo.  

É nesse primeiro disco que uma das músicas mais famosas do new wave foi lançada. Originada de uma antiga composição da Bridges, banda anterior ao a-ha composta por Magne e Pal, Take on Me foi trabalhada exaustivamente. Idealizada como uma canção melódica, bastante diferente do hit animado que conhecemos hoje, a canção foi lançada como single em 1984, mas não alcançou nenhuma parada de sucesso e rapidamente foi esquecida, exceto na Noruega, onde fez relativo sucesso. Além disso, a banda tinha pouco espaço na mídia e um atraso na entrega do disco-single às lojas fez com que o público esfriasse.

Diante do cenário, Terry Slater contatou o produtor musical Alan Tarney, outra parceria de sucesso que acompanharia a banda por muitos anos. Em conjunto com a banda, Tarney avaliou as demos até então gravadas e, depois de alguns ajustes, a quinta, e última, versão da música foi concluída, mas para a música finalmente emplacar nas paradas de sucesso, um elemento importante ainda faltava.

O primeiro videoclipe de Take on Me mostrava a banda cantando numa paisagem azul enquanto a silhueta de algumas dançarinas rodopiava ao fundo. O clipe foi veiculado na TV, mas não alcançou o sucesso e caiu no esquecimento mais uma vez. Na tentativa de reverter a situação e por acreditar no potencial da canção, o diretor de marketing Jeff Ayeroff foi contatado e tomou como uma de suas primeiras atitudes levar a banda para os Estados Unidos, já que até então trabalhavam com o braço inglês da Warner, a W&A. Em seguida, o diretor Steve Barron, que tinha no currículo videoclipes como Billie Jean, de Michael Jackson, foi contratado para comandar o novo clipe de Take on Me. Como era sua característica, Barron idealizou uma narrativa coesa que envolvia o público usando uma semi-animação como um recurso para contar a história. Para realizar essa tarefa, contratou o ilustrador Michael Patterson e sua esposa Candace Reckinger. Completando a equipe, o fotógrafo Just Loomis, que trabalharia com o a-ha em diversas ocasiões futuras, foi o responsável pela belíssima sessão de fotos que originou a capa do álbum e de divulgação. 



Alguns anos antes, Patterson ilustrou um curta-metragem chamado Commuter com um estilo de desenho à mão livre em preto e branco bastante singular. A estética de Patterson, aliada à rotoscopia, técnica em que o ilustrador desenha quadro a quadro cenas filmadas em live action, deu vida e forma ao clipe da Take on Me que conhecemos hoje. O trabalho demorou meses para ser concluído devido à complexidade dos desenhos, mas o esforço valeu a pena. Assim que o vídeo de Take on Me começou a veicular na MTV estadunidense, o sucesso foi imediato e em pouco tempo a canção alcançou o primeiro lugar na Billboard Hot 100.

A história do clipe começa quando uma moça, interpretada pela modelo Bunty Bailey, lê uma história em quadrinhos em uma cafeteria londrina - locação real que funciona até hoje - durante um dia qualquer. De repente, um Morten Harket em sua versão comic book estende a mão e a puxa para dentro da história, transformando-a em um desenho como ele. Após um breve vislumbre dessa nova realidade, Morten precisa mandá-la de volta ao mundo real para mantê-la a salvo. Ao retornar e ainda sem entender exatamente o que aconteceu, a garota busca reencontrar nas páginas o rapaz quando percebe que ele já atravessou a barreira que os separava e chegou até ela primeiro.   

O clipe brinca com as noções do que é ou não real ao propor a entrada e a saída das personagens em um mundo paralelo para viver o arrebatamento do amor que, assim como todo clássico, é uma narrativa que nunca se esgota. Como em um conto de fadas, as personagens transitam entre uma realidade monótona para uma outra repleta de aventura e romance. De certa forma, o a-ha experimentou sua própria história fantástica, seja por ter alcançado o sucesso mundial desse ponto em diante, seja pelo real afeto que nasceu entre Bailey e Morten, que namoraram por cerca de dois anos. 

Na faixa The Sun Always Shine on TV, vemos o desfecho da história desenhada anteriormente. O clipe começa como uma espécie de continuação de Take on Me em que a versão comic book de Morten precisa voltar à sua realidade, deixando Bayle no mundo real. A cena corta e apresenta a banda dentro de uma igreja abandonada repleta de manequins. Mais uma vez, a intenção de Barron, que também dirigiu esse clipe, era contrastar o real com o irreal ao colocar corpos humanos de verdade se movimentando em meio aos manequins. 

Barron dirige ainda o clipe de Hunting High and Low, música que batiza o álbum. A canção, composta por Pal, apresenta arranjos de violino clássico extremamente bem alocados que, combinados com os falsetes de Morten, criam uma aura etérea inesquecível. O clipe de Train of Thought se utiliza mais uma vez da ideia que deu forma a Take on Me. Com direção a cargo dos ilustradores Candice Reckinger e Michael Patterson, as imagens do filme Commuter são aproveitadas, harmonizando perfeitamente com a letra. 

As demais faixas do álbum, The Blue Sky, Living a Boy’s Adventure Tale, And You Tell Me, Love is Reason, I Dream Myself Alive e Here I Stand and Face the Rain compõem o disco perfeitamente e preservam o clima sedutor e atmosférico do new wave oitentista, seja pela liricidade ou pela qualidade sonora. Hunting High and Low e sua estética de comic book preto e branco tornou-se um marco e é reproduzida em diversos outros trabalhos da banda, além de ser o maior sucesso deles.

Além da Noruega, o Brasil é provavelmente um dos países em que a banda faz mais sucesso. No Rock in Rio de 1991, no auge da carreira, a banda entrou para o Guiness Book ao tocar para o maior público pagante da história. Na ocasião, a mídia brasileira se referia a eles como “o som quente que vem do frio” em referência ao carisma e sucesso do trio no país. Dois anos depois, a banda lança o disco Memorial Beach e mergulha em hiato por 7 anos. Depois de décadas juntos, as diferenças criativas e a exaustão da mídia quase separaram o trio diversas vezes, mas a nostalgia, ou o amor, ainda os mantêm na estrada vivendo o conto de fadas de um garoto. 

Referências

  • a-ha - The Making of Take On Me 
  • A-ha: the movie 
  • My Take On Me (Morten Harket) 
  • How the Fairlight CMI changed the Course of Music 



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Victória Haydée
Sul-mato-grossense, cientista social por formação e escritora por vocação. Vampira oitentista fã de new wave.

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