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Um Bonde Chamado Desejo: a triste história de Blanche DuBois


Tennessee Williams
é um nome bastante conhecido não só pela literatura e teatro, mas também por Hollywood num todo, já que diversas de suas obras ganharam adaptações cinematográficas. Algumas delas inclusive até chegaram a ter seu roteiro assinado pelo próprio autor, como Sedução da Carne (1954), A Rosa Tatuada (1955), A Boneca de Carne (1956), Gata em Teto de Zinco Quente (1958), Em Roma na Primavera (1961), Um Bonde Chamado Desejo (1951), entre outras.

Em Um Bonde Chamado Desejo (A Streetcar Named Desire), acompanhamos a história de Blanche DuBois (Vivien Leigh) enquanto ela chega em Nova Orleans para visitar a irmã Stella Kowalski (Kim Hunter). Nascida em criada em Laurel, Misssippi, Blanche chega a Elysian Fields Avenue, onde sua irmã reside, para passar um tempo após ter sido afastada de seu emprego como professora de inglês. A causa de seu afastamento, de acordo com a própria Blanche, é devido a ansiedade e nervosismo, que quase a levaram à loucura. Por conta disso, o diretor da escola onde ela trabalha achou melhor que ela se afastasse por um tempo. A verdadeira razão, no entanto, só nos é contada um tempo depois.

Quando vemos Blanche DuBois pela primeira vez ela aparenta ser uma mulher recatada, culta, antiquada, arrogante e ardilosa. O que não se espera é que, por trás de toda essa fachada de ludibriadora, existe uma mulher da casa dos 40 debilitada e com um passado difícil repleto de traumas e tragédias que ninguém jamais imaginaria e que culminaram em sua total instabilidade mental. Conforme vamos conhecendo a história de Blanche mais a fundo entendemos melhor tudo que contribuiu para sua atual situação; quando mais nova ela foi casada com um jovem que lhe escrevia cartas chamado Allan Grey. Algum tempos depois do casamento, ela flagra o marido na cama com outro homem. A descoberta de Blanche, juntamente com algumas duras palavras que ela lhe disse, faz com que Allan coloque uma arma na boca e cometa suicídio. Anos depois, já professora e assombrada pela culpa da morte de Allan, ela se envolveu com um aluno de 17 anos, o que resultou em sua demissão. Desesperada depois de perder a casa da famíla devido a diversas dívidas acumuladas pelos anos de doenças de outros familiares, ela buscou refúgio no Hotel Flamingo, um antro de prostituição.

Sem moradia e com a reputação totalmente arruinada, Blanche começa a se perder na própria mente e na realidade que ela havia criado, onde ela ainda é uma mulher jovem, bem de vida e cobiçada por vários cavalheiros. Tudo isso faz com que Blanche seja uma das melhores, mais ricas e mais complexas personagens de Williams. Segundo alguns críticos de teatro, ela talvez seja uma das personagens mais difíceis de interpretar. Sua intensidade e sensibilidade contrapõem com seus desejos exorbitantes e proibidos, o que causa nela uma permanente exaustão emocional, levando-a cada vez mais à beira da loucura. Do outro lado, temos Stanley Kowalski (Marlon Brando), cunhado de Blanche, que é o completo oposto:  brusco, machista, agressivo, animalesco, um perfeito brutamontes.

Assim como a maioria dos autores, Tennessee Williams usava sua própria experiência de vida como inspiração. Filho de um vendedor de sapatos alcoólatra e de uma dona de casa com um humor instável, ele conhecia bem os lados mais obscuros que um ser humano é capaz de carregar dentro de si. Há quem diga que a personagem de Blanche foi inspirada em sua irmã Rose, de quem era muito próximo e que apresentava sintomas de esquizofrenia desde muito jovem. Rose foi submetida a uma lobotomia, o que a incapacitou pelo resto da vida, e fez com que Tennessee nunca perdoasse seus pais.

Tennessee Williams

Podemos dizer que a persona de Blanche é uma consequência não só dos traumas, mas também da sociedade daquela época. Ela foi uma mulher com um certo padrão aristocrático de vida que conheceu o amor muito jovem nos braços de um homem gentil, delicado e poeta que ela não entendia e não sabia como ajudar, o que resultou em sua morte. Ficou na casa da família para cuidar dos mais velhos, perdeu tudo com a morte deles e se viu presa em um labirinto cuja porta de saída era a porta de um hotel de reputação péssima. No meio disso, ela tentou ser professora e ensinar aos jovens sobre escritores como Nathaniel Hawthorne, Edgar Allan Poe e Walt Whitman. Porém, estar em meio aos jovens a fez perceber tudo aquilo que ela tinha perdido: juventude, beleza e inúmeras possiblidades de fazer o que quisesse. Assim, em um lapso, ela se envolve com um aluno menor de idade e abre ainda mais a porta para sua ruína.

Um terço de tudo que foi citado acima já seria suficiente para fazer qualquer ser humano entrar em colapso. Blanche ainda encontra refúgio criando fantasias e mergulhando cada vez mais fundo nelas na esperança de que algum dia elas se tornem reais. Porém, mesmo quando chegamos a pensar que ela teria uma segunda chance ao lado de Mitch (Karl Malden), um amigo de Stanley que mora com a mãe doente e que oferece toda gentileza tão almejada por Blanche, seu passado vem a cavalo para lhe assombrar e destruir seu futuro. Com a chance perdida ela busca conforto em suas coisas e fantasias, acreditando que um velho conhecido milionário, Shep Huntleigh, viria a seu auxílio, e é aí que vemos o quão perverso o ser humano pode ser. Chegando em casa depois de vir do hospital onde Stella deu à luz, Stanley começa uma conversa com Blanche na qual ela diz que uma mulher com classe e inteligência pode enriquecer a vida de um homem, que ela tem isso a oferecer e que isso o tempo não destruiu.

"A beleza física é passageira, um bem transitório, mas a beleza da mente, a riqueza do espírito, a ternura no coração... eu tenho tudo isso... não desaparecem, mas crescem! Aumentam com os anos."

Cansado de ser negligenciado por Blanche e sua arrogância, Stanley começa a gritar com ela, chegando até a partir para cima dela. Entretanto, o perigo não estava no Stanley gritando ensandecido a todos os ventos e sim em seu silêncio. Nos minutos finais do filme vemos os personagens de Leigh e Brando em um jogo de caça e caçador. Brando nos transmite aquele olhar de predador traiçoeiro cujas intenções nunca estão claras. Leigh, por outro lado, nos dá ainda mais vulnerabilidade e pavor como nunca antes. Ela teme pela sua vida e pelo que lhe resta de sanidade. Até que Stanley dá a primeira investida com um sorriso dissimulado no rosto, como se dissesse: “não há nada o que temer, isso vai acontecer quer você queira ou não”. Blanche ainda tenta lutar e se salvar, mas ela estava tão fraca que, mesmo com o pingo de ferocidade que lhe atingiu, não consegue se desvencilhar da armadilha e é estuprada por Stanley.

Depois disso a vida, a faísca de sanidade e de realidade que ainda havia em Blanche, se apaga e a loucura total se instala. Sem saída, Stella se vê obrigada a internar a irmã em um manicômio.

É na cena final do filme que Vivien Leigh parte o coração do espectador, ao ir de braços dados de bom grado com o médico enviado para buscá-la, ao soltar uma simples frase:

"Seja você quem for... Sempre confiei na bondade... de estranhos."

Um Bonde Chamado Desejo nos mostra o quão frágil, extraordinária e complexa a mente humana pode ser. Tudo isso graças a uma atuação simplesmente estupenda de Vivien Leigh, que lhe rendeu um Oscar. Leigh não encantava tanto assim desde sua Scarlett O’Hara em E O Vento Levou (1939). Sua performance possui um certo exagero típico da Hollywood daquele tempo, mas com um toque de realidade e doçura que só Vivien era capaz de transmitir, ela nos faz ficar incomodados com a personagem ao mesmo tempo em que nos faz ter empatia, e isso por si só já é algo inacreditável. O mais triste é pensar que talvez, ao final de sua vida, Vivien tenha ficado mais parecida com Blanche, devido a um distúrbio bipolar, um diagnóstico de maníaco-depressiva e uma tuberculose crônica que a atingiu na metade nos anos 1940 e a debilitou até o fim de sua vida, até causar a sua morte.

Um Bonde Chamado Desejo nos mostra como a sanidade humana pode ser frágil, principalmente quando diante de algumas circunstâncias parece que tudo e todos estão contra você.




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Lilia Fitipaldi
Jornalista; virginiana com ascendente em aquário; 27 anos; lufana orgulhosa, escritora. Cinéfila - de E o Vento Levou a Vingadores Ultimato. Louca das séries, do esoterismo, dos gatos, dos musicais, a maior fã/defensora de Taylor Swift, Sara Bareilles e Maggie Rogers que você vai conhecer. Me esforço para descobrir o máximo do mundo da Broadway e às vezes me perco no mundo dos livros e das séries.

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