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Chico Buarque e sua Construção

Há 52 anos, após a sua volta ao Brasil depois do período de exílio na Itália, Chico Buarque lançava, em 1971, o seu álbum Construção, ousando-se uma outra vez a ser uma das vozes à frente do seu tempo, esta que em suas canções já havia sido marcada por versos de revolução. O cantor fora consagrado como um dos artistas mais ativos na critica politica e na luta pela democratização do país, tamanha visibilidade é vista até os dias atuais, em seus posicionamentos e obras. Não foram poucos os momentos em que Buarque driblou a censura durante o período do Regime Militar, e recorrer a um pseudônimo foi uma das táticas do artista, escondendo-se por detrás do nome Julinho da Adelaide, nome este que fora usado pra que suas músicas pudessem passar pelo crivo da censura nessa mesma época. Jorge Maravilha foi o nome de um de seus grandes sucessos com o uso desse pseudônimo. Mal sabia ele que tal episódio ocorrido em 1974, seria até os dias de hoje um marco na história da música.

"Aos mais novos, aos que desconhecem ou aos que esqueceram: Julinho da Adelaide foi um jeito que Chico Buarque encontrou pra burlar a censura dos Anos de Chumbo da ditadura militar no Brasil. Chico criou o personagem fictício, que passou a ser o autor de suas músicas. No meio artístico, quase todo mundo sabia que Julinho era, na realidade, o próprio Chico. Só a censura não sabia!"

Voltando a centrar o álbum Construção, pode-se ressaltar que a obra é carregada de críticas ao regime militar, havendo ainda algumas canções mais clássicas e pessoais, como Valsinha e Minha história, mas grande parte sendo voltada ao estado indigno no qual as condições individuais se encontravam no país. É perceptível que Chico possui uma narrativa poética, o que marca presença no lirismo de suas composições, e da mesma forma, não ficou de fora da obra, porém, conciliou com um pouco mais de ousadia por bater de frente com a censura que por muito tempo acanhou diversos artistas. O álbum obteve sucesso com o marco de ser considerado algo grande para a música brasileira e visibilizar mais ainda o talento que era Chico Buarque (e que ainda é). Ao olhar das críticas, a obra foi recepcionada com elogios. Diante de entrevistas e reportagens em revistas, o álbum foi considerado "o melhor disco feito nos últimos 20 anos no Brasil". E nos anos 2000, para uma lista da versão brasileira da revista Rolling Stone, fora eleito como "o terceiro melhor disco brasileiro de todos os tempos". O álbum também se encontra no livro 1001 discos para ouvir antes de morrer, feito por jornalistas e críticos de música internacionalmente reconhecidos.

Da canção-título, quando aprofundada, percebe-se suas diversas metáforas, seu lirismo poético e a carga de uma constelação de sentidos que se manifestam narrando um contexto que aborda a forte exploração dos trabalhadores em um canteiro de obras, apresentando diferentes perspectivas de trabalhadores e suas rotinas. A composição separa-se em três atos, na qual cada um destes segue a mesma sequência:

  • inicio da jornada de trabalho;
  • pausa para descanso;
  • morte do sujeito (objeto da narrativa).

A canção, que fora dividida em três partes, diz respeito a uma rotina de segmento da classe operária, apresentando três visões distintas do mesmo ato, este que fora a morte de um trabalhador.

  • O 1º ato mostra a morte na visão do trabalhador – o trabalhador sem consciência de classe e que fora explorado; morrendo de forma a ser um empecilho ao mundo. "Morreu na contramão atrapalhando o tráfego."
  • O 2º ato apresenta a morte na visão de classe – o trabalhador tendo consciência de classe e sabendo que estava sendo explorado, visto como o "protestante" que lutou por seus direitos e morreu enquanto isso. "Morreu na contramão atrapalhando o público."
  • O 3º ato mostra a morte na visão da burguesia – a classe burguesa que cresceu com essa mesma exploração, sobrecarregando com sua improdutividade e irrelevância. "Morreu na contramão atrapalhando o sábado."

Trazendo os fatos da realidade, o que se sabe é do crescimento considerável da economia, que ocorreu às custas da ampliação da exploração da classe trabalhadora. Classe esta na qual os trabalhadores possuíam passos tímidos, como narrado na música, por não saberem o rumo que o futuro ainda poderia lhes permitir. Narrados como "máquinas", tudo que se pode entender do verso "Subiu na construção como se fosse máquina" é do trabalhador que exerce essa rotina sem lamentações ou o que contestar, maquinando qualquer que fosse sua insatisfação e voltado apenas à sua "atividade" que ocorria de forma exploratória e anulava seus esforços e necessidades básicas.

Chico Buarque na capa de Construção

Chico narra com cuidado o cotidiano de um trabalhador de uma construção civil que no início da canção aborda o amor que nutre pela mulher e o filho, sendo evidente a despedida rotineira de sair de casa para ir ao serviço, destacando que tais atos do trabalhador também poderiam estar sendo uma última vez. Em seu jogo de palavras, a narrativa continua sendo contada com o trabalhador que vai aos poucos erguendo o edifício, havendo a pausa para o descanso em que em pouco tempo satisfaz um bom momento até chegar ao instante trágico, o que apresenta a reviravolta de sua realidade, sendo ela o seu fim.

"E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego"

Por fim, conclui-se a desumanização do trabalhador em meio à vida; por ter sido assistido, mas não visto tal como merecia, sendo visto apenas como uma vida que fora um sopro sem sentido. A desconstrução da canção é sair desse lugar em que o trabalhador dentro da sociedade vive um aprofundamento de desigualdades sociais.

O que pouco se fala é que o álbum que foi um marco para a história da música e também para Buarque chegou perto de não ter sido lançado, e o motivo não fora apenas a censura da época. O álbum da maturidade, por alguns erros técnicos, quase fora perdido em sua produção quando na mixagem. Roberto Menescal é um dos nomes de quem abraçou a missão de fazer parte da produção e lançar o disco. No estúdio, Menescal se deparou com uma mesa de quatro canais, o que naquele momento estava sendo uma novidade pra eles. "Fui misturando e descobrindo a melhor maneira de fazer junto da equipe que me acompanhava", relembra.

A gravação ocorreu sem grandes problemas. Na mixagem, quando são reunidos os áudios captados pelos diferentes canais — a orquestra, a voz de Chico, os instrumentos —, um erro quase colocou tudo a perder. "Nessa de apertar botão desconhecido, um auxiliar de estúdio deletou toda a gravação da orquestra do Duprat. Eu não sabia o que fazer. Por um momento achei que o disco não fosse sair", conta Menescal.

Depois de muito pensar, veio a solução. "Fiz uma lista de discos que estavam sob minha responsabilidade. Tinha Elis Regina e outros. Tirei um pouco da verba destinada a esses trabalhos e chamei a orquestra de novo para regravar tudo. No fim, deu certo. Nem o Chico sabe dessa história", completa.

As músicas do álbum sofreram suas mudanças por conta da censura, a qual vetou algumas das canções de Chico, o que já havia acontecido antes mesmo do artista ir para o exílio; versos foram substituídos, e algumas músicas conseguiram passar despercebidas do entendimento do autoritarismo daquele período. O cantor, que era pioneiro em usar sua voz para tal posicionamento, se colocou à frente do tempo e contrariou a repressão, peitando a censura e instrumentalizando, no lirismo de seus versos, composições poéticas, desconstruindo a censura, que por muito tempo perseguiu tantos artistas que naquele momento ousavam "construir" sua arte para que esta pudesse avançar e minimizar a dor e o sofrimento que tantos sentiram naquele momento. Buarque não se acanhava, encontrava-se em passeatas e movimentos com o povo, ousando-se permitir um futuro de liberdade com todos aqueles que o acompanhavam, cantando e sendo para muitos a voz que se manifestava pelo povo. 

Referências 




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Lyriel Damasceno
Amante da arte, cinéfila na maior parte do tempo e leitora assídua nas horas vagas. Aspirante a escritora que transborda na poesia das canções de Taylor Swift e sofre incondicionalmente por Crepúsculo, Antes do Amanhecer e Sociedade dos Poetas Mortos. Suas principais inspirações se fazem presentes nas escritas de Jane Austen, na poesia de Emily Dickinson e na melancolia de Clarice Lispector.

Comentários

  1. Lyriel eu entrei num vortex de nostalgia tamanho que eu li rápido e amei, mas vou salvar para ler quando tiver mais coragem. Lindo texto, lindo disco!

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