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Um olhar não vendável sobre o caso de Elyse Pahler e Jennifer´s body


Não é novidade alguma que grande parte das pessoas mostra enorme interesse por casos criminais reais obscuros, como por serial killers e rituais a entidades sobrenaturais e maléficas. É possível notar isso ao observar o estouro da série Dahmer: um canibal americano (2022). E caminhando mais para o passado, pode-se notar, pois, essa mesma obsessão ao relembrar o sucesso do controverso álbum Reign in Blood, da banda de thrash metal estadunidense Slayer, no qual o grupo cantava sobre a abominável tortura dentro dos campos de concentração nazistas. Devido aos horrores nas músicas que despertaram certa curiosidade em diversos ouvintes, em 1986, o álbum entrou para a lista Billboard Top 100 – top 100 músicas mais escutadas em todo o mundo. Assim, é importante ressaltar que não há nada de errado em falar sobre casos horrendos, sejam eles reais ou fictícios, mas é de extrema necessidade avaliar a maneira com a qual são retratadas e observadas tais situações por quem as conta pelo mundo afora. E é fora do olhar capitalista, vendável e “cool” que o Querido Clássico traz a vocês a história do assassinato de Elyse Pahler, de 1995, e quais são suas relações com o filme Garota infernal (Jennifer´s Body), de 2009, e com a música homônima (1994) da banda Hole.

O caso de Elyse Pahler

Elyse Mary Pahler era moradora de uma pequena cidade chamada Arroyo Grande, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Garota comum interiorana, Pahler levava uma vida pacata com seus pais e dois irmãos, e costumava sair apenas com sua família. Mas, como Needy (personagem de Jennifer's Body interpretada por Amanda Seyfried) já havia dito, “hell is a teenage girl” ("o inferno é uma adolescente").

Quando Elyse chegou ao famigerado high school (ensino médio), tudo em sua vida mudou; ela deixou de ser a garota que levava uma típica vida pacata e começou a se envolver com enormes consumos de álcool e drogas, até que foi internada em um centro de reabilitação chamado Mariposa Community Recovery Center, onde conheceu um dos garotos que, posteriormente, a assassinaria: Jacob Delashumutt. O menino, também adolescente, era conhecido por ser usuário de drogas e pela sua suposta participação em rituais a entidades maléficas com seus outros dois amigos, Royce Casey e Joseph Fiorella, os quais foram introduzidos na vida de Pahler por meio de Delashumutt, uma vez que ambos eram estudantes da mesma escola de Elyse.

Elyse Pahler

Os três garotos eram completamente fãs da banda Slayer, banda esta que produzia músicas pesadíssimas com temáticas horripilantes, e um deles, Joseph Fiorella, começou a estudar as letras das canções incansavelmente, pois insistia que havia algo misterioso por trás das composições. Além disso, Fiorella estudava, de maneira obcecada, cultos maléficos e sobrenaturais. Até que um dia, segundo relatos de Delashumutt ao Washington Post, Joseph sugeriu que sacrificassem uma jovem virgem para realizarem um culto sobrenatural. Segundo o investigador do caso, Doug Odom, os assassinos afirmaram a ele que mataram a garota usando-a como oferta a um ser sobrenatural, em troca de poderes para tocarem guitarras como profissionais em sua banda chamada Hatred, inspirada em Slayer.

Eles planejaram o assassinato por dois meses e, no dia planejado, chamaram Elyse para ir a um bosque para fumar maconha. E foi nesse local onde o cruel assassinato aconteceu. Depois de quase um ano do suposto desaparecimento da jovem, Casey confessou o crime às autoridades, colocando, assim, um fim ao mistério de Pahler. O trio foi sentenciado a 25 anos de prisão.

Os pais de Elyse Pahler tentaram processar a banda Slayer pela suposta influência no crime, porém, não obtiveram sucesso.

Jennifer's Body(ies) (2009 e 1994) e o caso de Elyse

Apesar de muitas pessoas conhecerem o filme Jennifer´s Body, ou Garota infernal, que recentemente foi redescoberto como um contemporâneo feminista, a maioria desconhece suas inspirações.

Dirigido por Karyn Kusama e escrito por Diablo Cody, a trama do filme discorre sobre Jennifer, garota popular do ensino médio possuída por um demônio devorador de homens. Ela e sua melhor amiga, Needy, haviam ido a um show de uma pequena banda em um pub de sua pacata cidade chamada Devil´s Kettle. Após um trágico acidente envolvendo o pub durante o show, os integrantes da banda se oferecem para levar Jennifer a um lugar seguro, e a garota aceita. Chegando a um bosque, os garotos colocam o plano em ação, torturam e executam Jennifer a fim de oferecê-la a uma entidade satânica em troca de fama e enriquecimento a sua banda. Entretanto, o ritual não é seguido à risca e a garota sobrevive, só que possuída por um demônio.

Garota infernal
Apesar do toque ficcional, é nítida a referência feita ao assassinato de Elyse Pahler, denunciado pelos ambientes: cidade interiorana e presença do bosque como local do assassinato; além do ritual realizado com um mesmo propósito. E pela crítica ao olhar direcionado ao assassinato, pode-se notar um teor feminista nesse terrir a partir do próprio título original do longa-metragem, Jennifer´s body - o qual, além de fazer referência à objetificação do corpo da mulher por meio do machismo, uma vez que a personagem é o próprio estereótipo da típica garota líder de torcida e menina popular do ensino médio, faz referência à música homônima (composta por Courtney Love e Eric T. Erlandson) da banda Hole, a qual discorre sobre a possessão patriarcal do corpo feminino. 

Na música, pode-se perceber que há a posse do corpo de uma mulher por um homem, que exerce enorme domínio sobre ela, a ponto de poder fazer qualquer coisa com ela sem a necessidade de consentimento da mulher, como se todas as suas vontades, necessidades, sonhos, vozes e direito, em suma, tudo o que constitui um ser humano, fosse resumido ao seu corpo, e esse, por sua vez, a um simples objeto que pode ser moldado ou destruído/fragmentado pelo homem, a fim de satisfazer todos os desejos:

“You´re hungry, but I´m starving
He cuts you down from the tree
He keeps you in a box by the bed
Alive but just barely”

Numa tradução livre dos versos, podemos entender o vínculo entre filme e música: "Você está com fome, mas eu estou morrendo de fome/ Ele te corta da árvore/ Ele te mantém em uma caixa próxima à cama/ Quase morta"

Assim, para deixar as ligações e influências claras: fica nítida a referência do filme ao assassinato de Pahler e à crítica feminista na música Jennifer´s body da banda Hole, ainda que esta tenha sido lançada, aproximadamente, um ano antes de tal crime cruel.

Além disso, seguindo o ponto de vista dessa análise, é importante ressaltar que em muitos sites e noticiários que trataram, em certo momento, sobre o assassinato de Elyse Pahler, há uma forte recorrência de citações sobre o fato de que Elyse, no período da adolescência em que iniciou o ensino médio, se tornou uma garota totalmente diferente do que costumava ser. Sob à luz de alguns questionamentos acerca dessas recorrências, pode-se notar que, em muitas vezes, vários sites tentam usar tal mudança de comportamento como justificativa para a execução de tal horrendo crime, (partilhando, assim, metade da culpa com os garotos), e em nenhum momento buscam saber o motivo que levou a essa radical mudança, se foram problemas familiares, escolares ou etc., pois, como foi muito bem pontuado por Needy, “hell is a teenage girl”, principalmente com tantas pressões sociais exercidas sob uma garota.
 
Por isso, é extremamente necessário que as pessoas se desapeguem do olhar “pop” e vendável dirigido ao filme e ao assassinato de Elyse, e comecem a olhar por uma perspectiva realística e crítica, pois, por trás da estética femme fatale atribuída às mulheres mencionadas anteriormente, elas são, sobretudo, garotas cotidianas.

Referências




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Laura Ferracini
Futura professora de línguas e apaixonada por Virginia Woolf, mas lê tudo o que lhe prende. Espalhando leituras no interior do interior de São Paulo, ou para os íntimos, Dolcinópolis.

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