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A história por trás das aventuras de Tintim


Provando que não só de Hercule Poirot vive a investigação da Bélgica, o cartunista belga Hergé criou o repórter Tintim, o cachorro Milu e o Capitão Haddock, personagens principais da história em quadrinhos As aventuras de Tintim, publicada pela primeira vez em 10 de janeiro de 1929, nas páginas do semanário infanto-juvenil Le Petit Vingtième, um suplemento do jornal católico belga Le Vingtième Siècle. A série em quadrinhos tornou-se uma das mais importantes na história da Europa; no Brasil, Tintim ficou conhecido através do desenho animado que foi exibido pela TV Cultura nos anos 1990 e 2000. No decorrer desse tempo nas telas, o sucesso foi tão grande que os brasileiros logo nutriram um sentimento de apego e nostalgia à obra, fazendo com que Tintim se tornasse mais um símbolo da infância de muitos telespectadores.

Georges Prosper Remi, o famoso Hergé 


De acordo com o próprio site oficial do Tintim, que contém uma breve biografia do criador da obra, Georges Prosper Remi nasceu em Etterbeek, Bélgica, no dia 22 de maio de 1907. O seu pai, Alexis Remi, trabalhava numa fábrica de doces, enquanto a mãe, Elisabeth Dufour, era dona de casa. Por seu pai ter nascido em Valônia e sua mãe em Flandres, Hergé foi criado em um ambiente bilíngue, falando francês e holandês.

Em 1920, o cartunista começou seus estudos no Collège Saint-Boniface em Bruxelas, onde, um ano mais tarde, juntou-se à tropa de escoteiros e recebeu o apelido de "Curious Fox” (Raposa Curiosa, em tradução livre). Seus primeiros desenhos aparecem na Jamais Assez, a revista escoteira da escola, e a partir de 1923, aparecem também na Le Boy-scout Belge, a revista mensal dos Belgian Boy Scouts. Desde então, Georges Remi assinou todos os seus desenhos com o nome de Hergé, invertendo as iniciais de seu nome e sobrenome, "RG" (como se pronuncia em francês).

Após se formar na escola, em 1925, Georges Remi foi contratado pelo jornal Le Vingtième Siècle como funcionário no serviço de assinaturas, função que não o agradava muito, mas futuramente foi promovido a editor-chefe do Le Petit Vingtième, um novo suplemento infantil semanal do jornal, no qual passou a criar a maioria dos protagonistas que foram de suma importância para a história da sua carreira, como Totor (um precursor de Tintim), Tintim, Quick e Flupke.

Hergé (1962)

As aventuras de Tintim nos quadrinhos 


Segundo o crítico Pierre Sterckx, no ano de 1928, Hergé foi motivado a criar uma nova obra. Ao ler jornais mexicanos enviados a Bruxelas pelo correspondente do XXème, ele descobriu as melhores HQs daquela época — Krazy Kat, Bringing up father, The Katzenjammer Kids. Tais leituras acabaram por inspirá-lo em seu próximo passo: a criação de uma história em quadrinhos, e não mais apenas textos ilustrados.

Naquele mesmo ano, seu desejo foi concedido quando o padre Norbert Wallez, o diretor do jornal, encomendou ao Hergé uma história que envolvesse um adolescente e seu cachorro. E como um bom conservador que era, o padre também deixou claro que a história deveria ter valores católicos, visando a virtude e o espírito missionário para educar os jovens leitores.

Aceitando a encomenda, Hergé rapidamente começou a pôr a ideia em prática ao desenhar um menino de rosto redondo e pontos pretos como os olhos e nariz. A vestimenta do personagem foi inspirado pelo gosto pessoal do autor, que decidiu dar-lhe uma calça de golfe quadriculada. Para diferenciar sua criação de tantos outros, Hergé colocou um grande topete no cabelo de Tintim, que acabou tornando-se a marca registrada do seu visual. E, claro, colocou um cachorro branco, Milu, ao lado do personagem.

Em uma carta enviada a um fã, Hergé explicou um pouco o processo de criação d'As aventuras de Tintim: “A ‘ideia’ do personagem Tintim e do tipo de aventuras que ele viveria me ocorreu, creio, em cinco minutos, no momento de esboçar pela primeira vez a silhueta desse herói: isso quer dizer que ele não tinha habitado os meus verdes anos, nem mesmo em sonhos”. E faz uma ressalva, ainda na mesma carta: “É possível que eu me tenha imaginado, em criança, na pele de uma espécie de Tintim: nisso, mas apenas nisso, haveria uma cristalização de um sonho, sonho que é um pouco o de todas as crianças e não pertencia exclusivamente ao futuro Hergé”.

De acordo com o próprio autor, no documentário Tintin et moi, o personagem seria praticamente como “um irmão caçula de Totor”. Tintim era um jornalista, "mas sempre com a alma de um escoteiro". Também admitido por Hergé, outro elemento que o inspirou foi seu próprio irmão, Paul Remi, por ter um rosto redondo e um topete penteado. "Eu o observava muito, ele me divertia e me fascinava", admitiu ele. 

"Faz sentido que Tintim tenha assumido suas características, gestos, postura. Ele tinha uma forma de se movimentar e uma presença física que deve ter me inspirado, sem que eu soubesse. Seus gestos ficaram na minha mente. Eu o copiei desajeitadamente, sem querer ou mesmo sem saber que estava fazendo isso. Era ele que eu estava desenhando."

Por mais que Tintim tenha começado como um desenho simples, com o tempo o personagem foi ganhando formas mais claras, e as cores também favoreceram para realçar a vida e o mundo fantástico das histórias. O estilo de desenho de Hergé influenciou muitas gerações de artistas europeus, que tentaram seguir o mesmo traço claro na criação das suas próprias histórias.

Tintim estrelou 23 aventuras completas, viajando a países da África à América, além de outros fictícios, como a Bordúria e a Sildávia, e também explorando a Lua e o fundo do mar.

As aventuras de Tintim nas telas 


O universo de Tintim ficou ainda mais conhecido quando foi lançado na mídia que atinge a maior parte da população: a televisão. No Brasil, o jovem repórter teve suas aventuras exibidas através da TV Cultura, nos anos 1990. Mas poucos sabem que a série que conhecemos não foi a primeira que deu a chance de Tintim aparecer na televisão.

A primeira tentativa de levar as aventuras do personagem para a TV foi em uma semi-animação em preto e branco, feita por Jeah Nohain. Depois surgiram mais duas adaptações; uma delas foi Les Aventures de Tintin, d'après Hergé (As aventuras de Tintim, por Hergé), que apareceu na década de 1960. Produzida pela Belvision, a série teve 104 episódios de 5 minutos de duração e tentava manter o ritmo dos quadrinhos, mas falhou por ter a animação limitada, além de que não era uma série completamente fiel às obras originais de Hergé, o que desagradou boa parte dos fãs.

Na década de 1990, surgiu Les Aventures de Tintin (As aventuras de Tintim), uma nova versão com um visual bem diferente da primeira e com um roteiro mais fiel às obras originais, o que acabou tornando a versão a mais conhecida e admirada pelos fãs do personagem. O seriado dos anos 1990 fez tanto sucesso na crítica e público que foi considerado pela revista Monet como um dos 100 melhores desenhos animados de todos os tempos.

Saindo um pouco da TV e partindo para o cinema: em 8 de maio de 1946, Hergé vendeu os direitos de adaptação do álbum O caranguejo das tenazes de ouro (1941) ao produtor Wilfried Bouchery, e no ano seguinte, a revista de Tintim anunciou em uma página inteira o lançamento da primeira animação baseada nas aventuras do repórter. O projeto teve problemas financeiros e algumas interrupções na produção, mas, mesmo assim, o filme foi finalmente concluído em 11 de janeiro de 1947, sendo a primeira adaptação de Tintim para as telas do cinema pela ABC de Bruxelas ao um grupo de convidados especiais. A segunda e última exibição aconteceu no dia 21 de dezembro do mesmo ano, isso porque Wilfried Bouchery, o produtor do filme, havia declarado falência por causa de fraudes e, como não pôde pagar as dívidas, fugiu para a Argentina, levando a justiça a apreender as bobinas da animação. 

Durante anos, a cópia original (em francês) do filme foi dada como perdida, restando apenas a versão dublada em inglês, mas ao ser encontrada anos depois, o filme original passou a fazer parte do acervo do Cinèmathéque Royale da Bélgica, onde somente os privilegiados podem assistir a obra em sessões privadas. O filme também está disponível aos membros do Club Tintin, no site oficial do Tintim, e uma versão em DVD foi lançada no mês de maio de 2008, na Europa.

Apesar do filme respeitar a fidelidade ao álbum de mesmo nome, nem a crítica ou o próprio Hergé gostaram do resultado final. Em uma carta ao produtor, Hergé disse que os fios que conduziam os bonecos eram visíveis, os camelos do deserto não eram ágeis e havia duas cenas muito longas. Por conta da decepção ao assistir o filme, o criador de Tintim rejeitou a proposta de um estúdio francês para adaptar os quadrinhos em forma de desenho animado, acreditando que somente os Estados Unidos eram capazes de recriar o espírito do protagonista para as telas do cinema, tanto que, em 1948, ele propôs uma colaboração a Walt Disney, mas a parceria nunca aconteceu, apesar dele ter recebido uma homenagem exclusiva do estúdio.

Surgiram outras adaptações, inclusive com atores reais, mas nenhuma alcançou tanto sucesso ou elogios da crítica, fãs e o público em geral. A exceção a isso aconteceu quando o famoso Steven Spielberg dirigiu a animação em 3D de 2011, The adventures of Tintin, ao lado do ator Jamie Bell como dublador de Tintim. O sucesso foi tão grande que alguns fãs estão aguardando uma continuação até os dias atuais, 12 anos depois, mas não há muitas atualizações sobre o segundo filme além do envolvimento de Peter Jackson na direção e ainda de Spielberg, que confirmou a continuação.

Referências 




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Sharline Freire
Estudante e leitora voraz de fanfics, assiste filmes e séries mais do que deveria e escuta músicas dos anos 40. Parece fria e séria, mas já chorou escrevendo sobre Sherlock Holmes e John Watson na internet.

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