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Quem são as fadas?

Ao longo dos séculos, o reino de Feéria é contado e recontado como o lar de criaturas belas e misteriosas, cujas qualidades superam as de quaisquer outros seres que conhecemos. Há quem diga ainda que, vez ou outra, nós adentramos o reino de Feéria sem percebermos, pois ele não possui limites bem definidos. J. R. R. Tolkien, em seu ensaio Sobre estórias de fadas, comenta que Feéria é uma terra perigosa, que possui armadilhas para os descuidados e masmorras para os audaciosos demais. Segundo Tolkien:

“O reino das estórias de fadas é amplo, profundo, alto e cheio de muitas coisas: toda maneira de feras e pássaros se encontra lá; mares sem costas e incontáveis estrelas; beleza, que é encantamento, e perigo sempre presente; alegria e tristeza tão cortantes quanto espadas.”

Os habitantes deste reino também são um tanto diferentes de nós. Dentre eles, estão criaturas belas e virtuosas que podem habitar cavernas, ou o fundo das águas, em ilhas mágicas que apenas são encontradas com a sua permissão, ou em clareiras maravilhosas situadas no coração dos bosques ou florestas.

Esses seres geralmente excedem os humanos em inteligência e poder. Podem ou não estar suscetíveis à morte, embora seja um consenso geral que suas vidas atinjam um maior período de existência. Falo, é claro, das fadas, palavra que está sempre associada ao mágico, fantástico, sobrenatural. As fadas inspiraram, e ainda inspiram, o pensamento de muitos, sejam eles artistas ou crianças, jovens ou adultos. 

Midsummer Eve, de Edward Robert Hughes (1908)

Afinal, quem são as fadas? 

Dotadas de beleza e poder, as fadas são seres fantásticos que muito frequentemente são representados pela forma feminina. Elas vivem na terra, mas em lugares inacessíveis ao homem. Habitam próximo a lagos, florestas e fontes, e em cavernas naturais, onde seu frescor é um alívio aos dias mais quentes. 

Segundo Nelly Novaes Coelho, etimologicamente a palavra “fada” deriva do latim “fatum”, que significa destino, fatalidade. Por isso, uma das qualidades da fada é conhecer previamente os acontecimentos, predizê-los. As fadas também podem adquirir formas diferentes, conforme a necessidade as impelir de fazê-lo. 

Vez ou outra, as fadas podem interferir na vida dos homens, os ajudando em situações-limite, ou ainda oferecendo abrigo em seu reino maravilhoso. Também podem se apaixonar e, quando isso acontece, o amado é levado ao próprio reino das fadas, onde os dias passam menos depressa, e ele pode desfrutar de toda a juventude e vida imortal. Entretanto, como bem aponta Henry Charles Coote em seu artigo, "The Neo-latin Fairy", nem sempre os homens ficam para sempre nesse lugar encantado e, pedindo permissão para voltarem à terra, abrem mão de toda esta plenitude de alegria. 

Uma visão interessante é a de J. R. R. Tolkien a respeito das fadas: pois, para ele, essas criaturas nem sempre parecem ser o que são. Na realidade, elas envergam o orgulho e a beleza que nós mesmos gostaríamos de mostrar. Sendo assim, parte de sua mágica empregada para o bem ou para o mal é o poder de brincar com os desejos do corpo e do coração do homem. Para Tolkien, essa é a principal característica das fadas e elfos, e não sua estatura diminuta ou o fato de viverem dentro de jardins e dormirem tranquilamente entre as pétalas das rosas. 

Dancing fairies, de Johan August Malmström (1866)

Onde nasceram as fadas?

Segundo Nelly Novaes Cordeiro em seu livro O conto de fadas, não é possível precisar com total certeza geográfica ou temporal a origem das fadas. Tudo o que sabemos é que elas, como outras criaturas imaginárias, surgiram da fronteira tênue entre o real e o imaginário, que desde sempre vem atraindo a atenção dos homens. 

O que se pode afirmar entre os pesquisadores, contudo, é a irrefutável ligação entre o povo celta e as fadas. Os estudiosos dessa tradição definem suas fadas como “mestres da magia”, criaturas que simbolizam “poderes paranormais do espírito ou potencialidades da imaginação”. Em certos povos, como o irlandês, a fada era vista como uma mensageira do Outro Mundo que viajava, muitas vezes, sob a forma de um pássaro ou um cisne. Em muitas tradições, as fadas aparecem ligadas ao amor: sendo as amadas ou servindo como mediadoras para os amantes.

The quarrel of Oberon and Titania, de Sir Joseph Noel Paton (1849)

A representação das fadas na literatura 

As primeiras menções às fadas na literatura, como personagens ou figuras reais, se deram na literatura cortesã-cavaleiresca da Idade Média, nos Lais da Bretanha e nas novelas de cavalaria do ciclo arturiano, sendo ambos de origem céltico-bretã. Como não se lembrar da fada Morgana, e de Viviana, aquela que aprisiona Merlin? O mistério e a espiritualidade andam praticamente juntos na representação das fadas, pois frequentemente elas se encontram em lugares brumosos e possuem uma grande devoção pela Natureza. Não raro também são associadas como seus espíritos: as ninfas, como espíritos das águas, as dríades como espíritos dos bosques, as sílfides como os espíritos do ar. 

Essas histórias eram sempre extraordinárias aventuras de cavaleiros com suas amadas damas, nas quais deveriam enfrentar terríveis desafios e atravessar territórios mágicos, onde havia o sobrenatural, o maravilhoso das metamorfoses e a magia das fadas — sempre revelando sua ambivalência de seres benéficos e maléficos. Dentre essas aventuras, podemos citar as presentes no ciclo arturiano, como a do cavaleiro Lancelote do Lago, arrebatado de paixão pela rainha Ginevra, esposa do rei Artur; a fada Viviana, que ora aparece como companheira de Merlin, ora como a astuciosa mulher que o prendeu em um círculo mágico; e a fada mais famosa do ciclo, que foi Morgana — figura que ainda aparece hoje nas histórias modernas. 

Séculos à frente, temos Sonho de uma noite de verão, peça escrita por William Shakespeare, na qual encontramos Oberon e Titânia como rei e rainha das fadas e duendes. Segundo Roger Lancelyn Green em seu artigo “Shakespeare and the Fairies”, o dramaturgo fez uma adição à literatura feérica quando se referiu às fadas como criaturas pequeníssimas: 

“Vamos lá, agora uma dança de roda e uma canção de fadas; depois, na última terceira parte de um minuto, todos embora daqui. Alguns, para matar lagartas nas rosas em botão; outros vão guerrear com os morcegos por suas asas feitas de couro, para delas fazer os meus casaquinhos de elfos; [...]”

Para todas essas ações, as fadas deveriam ser muito pequeninas. Por isso, diz-se que Shakespeare introduziu na literatura as fadas como criaturas miúdas. Em outras palavras, não há registros literários das fadas como seres diminutos até Sonho de uma noite de verão.

Ainda há muitas histórias que poderiam ser citadas, que trouxeram as fadas sempre à memória e renovaram o amor sentido por seus leitores. Apesar de muitos ainda considerarem as fadas e outras criaturas como “pura mentira”, o maravilhoso, a fantasia, e o realismo mágico permeiam nossas artes e enriquecem belamente a nossa imaginação. 

Referências



Arte em destaque: Mia Sodré



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Rebeca Pereira
É estudante de Letras e apaixonada por literatura fantástica e maravilhosa, fantasia, contos de fadas, folclore e mitologia.

Comentários

  1. um texto sobre fadas era tudo o que eu mais precisava para este dia, obrigada 🧚‍♀️✨️

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