últimos artigos

A recriação de mitos em Lore Olympus


Assim como o próprio título indica, Lore Olympus conta as histórias do Olimpo, mas de uma forma única e diferente. Não é difícil encontrar recriações dos antigos mitos gregos; existe uma fascinação pelos deuses, pelas musas, evidenciando que o folclore da Grécia Antiga permanece como uma das tramas mais reescritas. Mas o que há de tão especial em Lore Olympus?

Na trama, a autora neozelandesa Rachel Smythe escreve uma versão repaginada de um dos mitos mais famosos e queridos: Perséfone e Hades e o amor quase impensável entre o deus do submundo e a deusa da primavera. Com uma arte belíssima, cores vibrantes e uma escrita deliciosa, Rachel Smythe traz ao público uma linda história que não apenas recria um mito grego, mesclando entre o mundo moderno e o antigo, mas também acerta na profundidade das personagens. Como, por exemplo, Perséfone - e o leitor pouco a pouco consegue ver o crescimento pessoal da deusa -, que se torna finalmente um indivíduo, para além de sua história com Hades, com suas próprias inseguranças, vontades, desejos e traumas. Assim como o próprio Hades que, para além de deus do submundo, é uma personagem complexa, doce, gentil, mas que também tem suas próprias batalhas para lutar e questões a resolver consigo mesma.

Além das altas doses de humor que permeiam toda a trama, Lore Olympus dá profundidade a cada uma das personagens representadas e toca em assuntos importantes, como abuso emocional e sexual, além de relações tóxicas. Também é preciso pontuar que finalmente há uma versão digna para a maravilhosa Hera, esposa de Zeus, que aqui se torna muito mais do que uma deusa ciumenta.

Publicada em 2018, originalmente na plataforma Webtoon, a primeira webcomics vencedora do prêmio Eisner chegou ao Brasil em 2022 pelo selo Suma HQ, trazendo no primeiro volume, com tradução de Érico Assis, 25 episódios da história, e com lançamento confirmado dos próximos volumes em breve. Atualmente no Webtoon, a saga de Lore Olympus conta com mais de 200 episódios e está na sua terceira temporada da que parece ser a versão definitiva da re-imaginação das histórias da mitologia grega.

"Eu sinto que a mitologia grega é a espinha dorsal da maioria das histórias modernas das quais participamos hoje. Então, até certo ponto, a maioria das pessoas terá uma história pessoal com a mitologia grega, quer saibam ou não. Fiquei obcecada por Hades e Perséfone no ensino médio. Esse foi um período difícil da minha vida, em que eu estava aceitando estar sozinha. E os velhos mitos fizeram o que as histórias mais preciosas fazem e cuidaram de mim de uma maneira que ninguém poderia. Parece um pouco estranho dizer isso, mas acho que Hades e Perséfone podem ser minhas musas. [...] Em termos de pesquisa sobre mitologia grega, ouvi muitas palestras, li muitos livros e ouvi muitos podcasts (ainda o faço). A maioria das pessoas pode dizer que Lore Olympus não pretende ser canônico com todos os mitos. Mas acho que é importante conhecer as regras antes de quebrá-las."

(Rachel Smythe)

A trama do primeiro volume começa quando a jovem Perséfone chega a uma festa na cidade grande com sua amiga Ártemis, que prometeu à mãe superprotetora de Perséfone, Deméter, que cuidaria dela. Lá, ela logo chama a atenção de Hades, que fica completamente encantado com a moça, mas um mal entendido faz com que Afrodite coloque Perséfone em problemas e, à procura de vingança, pede ajuda ao filho e melhor amigo, Eros, o deus do amor, para dar uma lição em Perséfone. Hades se sente culpado pelo mal entendido, e também não entende por que está tão fascinado pela jovem deusa que nunca viu antes. Enquanto ambos constroem, antes de tudo, uma relação de amizade, conhecemos mais de cada um e também como a trama dos demais deuses se entrelaça nessa história. 


Outro ponto interessante é a relação entre Hades e os irmãos, Zeus e Poseidon, e como cada um administra seus reinos. Mas é fato que a parte mais importante desee núcleo talvez seja a deusa Hera, já que aqui temos, pela primeira vez, a versão amigável e mais real de uma personagem sempre representada como louca, vingativa, instável e cruel, quando na verdade era Zeus quem sempre se comportou infantilmente, não medindo suas ações nem as consequências delas ou como poderiam afetar sua esposa. Aqui, Hera tem voz e é temida, mas também adorada. É gentil e sensível, mas também poderosa e inteligente, observando para que não haja injustiças e também cuidando de Perséfone pois, mesmo que seja amiga de Hades, sabe que ele é muito mais velho que a jovem deusa e, ainda que deseje o cumprimento de suas profecias, quer acima de tudo o bem de Perséfone, sendo uma das primeiras a notar o relacionamento problemático entre a mocinha e Apolo.

"Eu particularmente senti que o mito de Hades e Perséfone é algo de que sempre gostei – mesmo quando eu era criança. É tão interessante e um bom exercício de pensamento recontextualizar todas essas tradições e tipos de histórias e como elas refletem através de uma lente moderna. Mas eu acho que provavelmente uma das minhas partes favoritas é, na verdade, Hera; ela estava, obviamente, no mundo antigo, particularmente nessas histórias em que eles não gostam muito de mulheres, muito consciente de que o patriarcado é real. Stephen Fry escreveu um livro chamado Mythos – então vou citá-lo, porque ele escreveu algo muito bom sobre Hera, que ela foi usada como um exemplo de 'todas as coisas ruins' com bastante frequência. Obviamente, ela não é a perfeição nas histórias, mas eu sinto que na maioria das releituras Hera tem sido a vilã. E eu fico, tipo, é tão fácil escrevê-la como uma personagem simpática. Eu amo Hera e realmente gosto dessa oportunidade de escrevê-la como uma personagem simpática. [...] Há tantas re-imaginações e Zeus é muitas vezes enquadrado como uma personagem muito boa na maior parte do tempo. Mas ele não é. Apenas uma vez Hera poderia ser boa – mesmo que apenas um pouco."

No primeiro volume temos também o vislumbre da história de Psiquê e Eros, este que logo se torna um dos melhores amigos de Perséfone e seu confidente. Outra curiosidade é que fora do Olimpo, os humanos usam vestes do mundo antigo, enquanto os deuses têm acesso a celulares e tecnologia, quase como se eles fossem os inventores da modernidade nesse universo.

No mundo de Lore Olympus, cada deus tem uma cor diferente, e essas cores dialogam muito a respeito das relações pessoais dos deuses e suas afinidades. Zeus e Apolo possuem o mesmo tom de roxo. Hera e Ares compartilham do mesmo tom de amarelo, já que é nítido desde a primeira aparição do deus da guerra que ele tem mais afinidade com a mãe do que com o pai. Assim como o maravilhoso contraste entre o azul de Hades e o rosa de Perséfone, quando ela está no submundo é o ser mais vibrante dali, como se trouxesse vida ao lugar e ao deus que já havia desistido de ser verdadeiramente feliz. O oposto também acontece quando Hades está no Olimpo, mas ao contrário dos demais, Perséfone consegue enxergá-lo de forma diferente, não como o abominável deus do submundo, mas sim como o ser gentil com quem ela compartilha uma ligação irresistível e inquebrável de amizade e amor, agora uma linda história da mitologia grega recontada de maneira adorável. 



Se interessou pelo livro? Você pode comprá-lo clicando aqui!

(Participamos do Programa de Associados da Amazon, um serviço de intermediação entre a Amazon e os clientes que remunera a inclusão de links para o site da Amazon e os sites afiliados. Ao comprar pelo nosso link, você não paga nada a mais por isso, mas nós recebemos uma pequena porcentagem que nos ajuda a manter o site.)

Referências




O Querido Clássico é um projeto cultural voluntário feito por uma equipe mulheres pesquisadoras. Para o projeto continuar, contamos com o seu apoio: abrimos uma campanha no Catarse que nos possibilitará seguir escrevendo o QC por muitos anos - confira as recompensas e considere tornar-se um apoiador. ♥
Babi Moerbeck
Carioca nascida no outono de 1996, com a personalidade baseada no clipe de Wuthering Heights, da Kate Bush. Historiadora, escritora e pesquisadora com ênfase no período do Renascimento, caça às bruxas e iconografia do terror. Integrande perdida do grupo dos Românticos do século XIX e defensora de Percy Shelley. Louca dos gatos, rainha de maio e Barbie Mermaidia.

Comentários

  1. que texto sensível!! eu já tinha ouvido falar dessa releitura, mas nunca peguei para ler de verdade. agora tudo que eu quero é ter um tempinho para ler tuuudo kkkkk

    ResponderExcluir

Formulário para página de Contato (não remover)