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A atemporalidade do horror em Gótico Nordestino

“A imortalidade cobra seu preço, assim como cobram um preço o amor e o assassinato.”

(Gótico nordestino)

Lançado em fevereiro deste ano, Gótico nordestino, livro de Christiano Aguiar, prometeu o que cumpriu: nove contos voltados ao imaginário gótico repaginando o interior nordestino. O título por si é um grande atrativo. Mas para a grande maioria dos leitores atuais, não se sabe o que esperar da junção de duas palavras que parecem tão distantes entre si. 

Para quem desconhece a literatura gótica brasileira, recebe com um grande choque os elementos que indicam o subgênero perfeitamente ornados nesse livro. Com referências históricas e míticas, Christiano trouxe o cotidiano nordestino com uma atmosfera gótica pairando pelo ar, se sobressaltando pelas histórias. Entre vampiros e onças, há uma metonímia para o imaginário de um nordeste assombrado. 

A originalidade encontrada nos contos rompe com um cenário já existente e com tudo o que se conhece sobre a tradição nordestina, construindo sua própria narrativa, mas sem abandonar elementos culturais que caracterizam essa cultura. Pelo contrário, o autor usa desses elementos para criar uma atmosfera aflitiva e hostil, combinando o folclórico e o gótico. Um livro para calar aqueles que não conseguem conceber o gótico entre o sol escaldante, palmeiras e sabiás. 

“O sol paraibano, enferrujado, e a ausência de umidade no ar, castigavam. A paineira, sem flores ou folhas, ainda com alguns frutos à espera da vez de cair, misturava os galhos cinzentos, tortos, ao cobre em chamas.”

Tecidos no jardim e A outra volta do parafuso 

É possível tecer um comentário acerca de cada conto, porém, para não influenciar a experiência de quem irá contemplar essa leitura, nos ateremos apenas ao sexto conto do livro, intitulado Tecidos no jardim, mas sem revelar o teor da história. O mais chamativo neste é a descrição do espaço-tempo e a referência à obra A outra volta do parafuso, de Henry James

A ênfase dada ao lugar e ao clima, bem como a descrição destes, remete à descrição absorta e minuciosa de Henry James, mas não somente: também lembra a maneira com que Emily Brontë usou o fator espaço-tempo para construir a atmosfera gótica em O Morro dos Ventos Uivantes e relacionou a mudança do clima com a tensão vivida pelas suas personagens. Uma descrição que absorve o leitor e compõe uma certa tensão experienciada ali pelas personagens. 

O autor conseguiu trazer à tona uma das principais características do gótico, relacionando esta às situações rotineiras, corriqueiras: o drama da condição humana. Com isso, denotou um nordeste literário denso, sufocado, demoníaco e latente. Suas personagens, em uma simplicidade tamanha, apresentam ontologia, questões existenciais. No livro é testificado que o medo não está mais relacionado somente ao inexplicável. 

Além de tudo, trata-se de um livro que nos faz sair da zona de conforto. Com referências a momentos históricos, cenários distópicos e, até mesmo, apocalípticos (como uma pandemia), Christiano Aguiar uniu o moderno e o ancestral de forma única. Tudo orna para o horror, desde um simples pensamento amedrontado até o despertar de um “Lázaro”. 

Não é de agora que o gótico vem sendo usado como ferramenta para escancarar as mazelas sociais de cada época vivida pelo ser humano. De Emily Brontë a Carolina Nabuco, se encontra no terror a função de usar o sobrenatural para esboçar o medo, a morte e a insanidade. 

Não seria diferente em Gótico nordestino. Christiano Aguiar foi e é afortunado por utilizar o terror para isso, ao encontrar horror e escancará-lo em seus contos. O que torna tudo ainda mais interessante é saber que esse horror foi observado dentro do contexto da América Latina, escancarando o singular e o plural de um passado, um presente e um futuro assombrados por regimes totalitários, animais selvagens e a figura do homem sertanejo. 


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