
Ao pensar em extraterrestres, é quase certo que qualquer pessoa terá em mente os homenzinhos verdes que fazem o sinal com as mãos, universalmente entendido como “viemos em paz”. Além dos seres verdes e humanoides com grandes cabeças, outro símbolo marcante das narrativas associadas a extraterrestres é a nave espacial em formato de disco. Sim, os célebres discos voadores. Ou a imagem desses seres verdes em um disco voador abduzindo vacas. Há muitas variações, adaptações e inovações em um imaginário comum. E como esse imaginário surge? O que contribuiu para a sua popularização?
A série estadunidense da década de 1990, Arquivo X (The X-Files) aborda diversos elementos tradicionais das narrativas que envolvem alienígenas. Apesar de mostrar outros eventos sobrenaturais, são os relatos de abdução aqueles que mais inspiram os maiores arcos da série. Não é à toa que um dos lemas da obra é “a verdade está lá fora!”.
Fica claro que Arquivo X se apoia em uma tradição praticamente milenar a respeito dos alienígenas. Não é raro, por exemplo, encontrar associações dos maias e egípcios a seres extraterrestres, como no livro Eram os deuses astronautas?. Tais narrativas tomaram força nos fins do século XIX e começo do XX: a união do negacionismo científico à popularidade dos livros e filmes de ficção científica criou, com ênfase nos Estados Unidos, um movimento de histeria. A partir disso, as pessoas acreditavam estar constantemente sob o perigo de uma invasão.
Mas como qualquer tema, os alienígenas foram abordados de maneiras diferentes nos diversos gêneros do cinema. A própria ideia de invasão, por exemplo, aparece muitas vezes associada a conflitos geopolíticos, como a Guerra Fria. Ou então, ao domínio e controle do corpo, como para tratar da gravidez ou transexualidade.
Ao longo dos anos, essas narrativas foram desde uma crítica sobre o significado da existência humana no universo até um ode ao patriotismo estadunidense. Sempre muito populares, os filmes sobre extraterrestres abordam muito mais questões do que apenas os homenzinhos verdes e com certeza influenciam muitas obras para além da ficção científica. Os elementos clássicos, tradicionais, das narrativas sobre alienígenas, como veremos, marcaram o cinema permanentemente.
A invasão dos discos-voadores (1956)
Fato é que essa tradição cinematográfica foi desenvolvida sob teorias da conspiração e negacionismo científico. A invasão dos discos-voadores (Earth vs. the Flying Saucers) é uma das primeiras e mais bem-sucedidas tentativas de representar em tela a catástrofe que muitos esperavam: a Terra sendo invadida por naves em forma de discos.
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A invasão dos discos-voadores (1956) |
Dirigido por Fred. F. Sears, o filme traz, além da invasão alienígena, a intercepção de foguetes estadunidenses, algo que se torna tradicional desse imaginário. Com tamanho domínio da indústria cinematográfica, os Estados Unidos sempre destaca, em histórias que deveriam ser sobre o planeta como um, sua própria nação, se colocando como os responsáveis e salvadores da Terra. Algo muito semelhante acontece em Independence Day, de 1996, contudo as naves não são discos.
A aldeia dos amaldiçoados (1960)
Em A aldeia dos amaldiçoados (Village of the damned), do diretor Wolf Rilla, há a ideia de substituição de corpos humanos, ou a modificação desses corpos por corpos alienígenas. Assim, esse gênero se encontra com o terror, o que gera um resultado excepcional. Há uma série de filmes ao longo de décadas que usam as mais diversas formas de fazer terror para falar sobre aliens.
O filme conta a história de uma cidadezinha da Inglaterra onde, certo dia, todos os habitantes ficaram momentaneamente inconscientes. Tempos depois, várias mulheres aparecem grávidas simultaneamente. Sem apelar muito para o efeito visual dessa área da ficção científica, o filme aborda assuntos como o pânico da população em relação a conflitos políticos, tal como a Guerra Fria e até, consequentemente, a ameaça comunista.
A aldeia dos amaldiçoados deixou um legado no cinema: em Arquivo X, por exemplo, há diversos episódios sobre crianças com poderes sobrenaturais ou que tiveram contato direto com seres de outro mundo.
Contatos imediatos do terceiro grau (1977)
Steven Spielberg é um dos nomes mais famosos quando se trata de aliens no cinema. Afinal, quem não se lembra do menino carregando o E.T. em sua bicicleta? Ou — menos popular, mas, ainda assim memorável — a sua adaptação do livro Guerra dos mundos (War of the world), de H. G. Wells?
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Contatos imediatos do terceiro grau (1977) |
Contudo seu filme mais emblemático acerca de seres de outro mundo é também um dos maiores clássicos do cinema a respeito do contato de humanos com extraterrestres: sim, Contatos imediatos do terceiro grau (Close encounters of the third kind). O filme se destaca exatamente por discutir a tradição criada em torno do assunto. Assim, Spielberg começa a discutir a influência desse gênero para a consolidação de ideais. A abdução, as luzes, a montanha como referência para o encontro extraterrestre… Tudo isso é abordado no longa de 1977, o qual abrange, como percebe-se, diversas abordagens e elementos das narrativas sobre aliens.
O filme foi uma grande referência para as produções posteriores. Roy Nearly (Richard Stephen Dreyfuss) fica obcecado em descobrir a verdade sobre os OVNIs após passar por um episódio aparentemente inexplicável.
Invasores de corpos (1979)
Novamente a paranoia é relacionada ao imaginário sobre alienígenas. É significativo que um movimento tenha se iniciado com a histeria causada pelo negacionismo científico, e então passe a usar dessa origem para discutir tal problemática.
Mas diferentemente de Contatos imediatos de terceiro grau, o filme Invasores de corpos (Invasion of the body snatchers), de Philip Kaufman, pende mais para o horror. Há terror corpóreo, mas dessa vez, abertamente relacionada à paranoia e à política.
A premissa de Invasores de corpos é que as pessoas têm se comportado de maneira estranha e queixas têm sido feitas pelos colegas e familiares, não reconhecendo mais tais pessoas. A hipótese é que aliens estão substituindo os humanos. O filme é uma nova adaptação do romance homônimo, escrito por Jack Finney. A primeira adaptação é de 1956, com o mesmo nome original, traduzido para o português como Vampiros das almas. Este fica como uma indicação extra.
Alien, o oitavo passageiro (1979)
Alien é uma das tentativas mais criativas e bem-sucedidas de inovar esse subgênero. Ele abraça sabiamente o terror iminente dessa tradição, cria abertura para críticas a diversos assuntos da sociedade e coloca uma personagem feminina em destaque.
Grande clássico de Ridley Scott, Alien é uma referência quando o assunto é alienígenas, é claro. Ao retornar para a Terra, uma nave recebe sinais suspeitos. Ao pararem para investigar, um novo passageiro parece surgir a bordo.
A tenente Ellen Ripley (Sigourney Weaver) não apenas foge do estereótipo da “mulher em pânico” que aparece na maioria desses filmes, como também é referência de personagem feminina no cinema como um todo. É muito significativo que uma representação feminina tão interessante tenha ocorrido justamente em um filme que aborda o lado do horror causado pelos aliens.
Há ainda a questão da guerra contra os seres extraterrestres, mas ela não ocorre a nível mundial, como a A invasão dos discos voadores, ou até em Os invasores de corpos. Na verdade, o uso de um espaço limitado pode trazer à tona questões ainda maiores do que ameaças nacionais ou recursos planetários. Por exemplo, o tema de hospedeiros. Tal temática também dialoga com as invasões a que as figuras alienígenas sempre remetem.
Sinais (2002)
Por fim, escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, Sinais (Signs) é um dos mais novos clássicos sobre aliens. Ele engloba, por exemplo, algumas cenas típicas dessas histórias, como o milharal com desenhos, os “agroglifos”.
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Sinais (2002) |
A história narra os acontecimentos de um núcleo familiar um tanto conturbado: Graham Hess (Mel Gibson), seus dois filhos, Bo (Abigail Breslin) e Morgan (Rory Culkin), e seu irmão, Merrill (Joaquin Phoenix), estão lidando com a morte de Colleen (Patricia Kalember), esposa de Graham. Ele, um pastor enlutado, vê-se desacreditado daquilo que pregava e se afasta da igreja.
Simultaneamente, em vários lugares do mundo, ocorrem aparições de OVNIs e até mesmo o avistamento dos seres que começaram, ao que parece, invadir a Terra. Um dos lugares que testemunha um desses eventos é a fazenda onde a família vive.
M. Night Shyamalan costuma discutir a fé em suas obras, partindo de narrativas sobrenaturais. É assim que, usando muito pouco de efeitos visuais, ele cria uma atmosfera de suspense e drama. Sinais é um filme sobre alienígenas que se volta para o cerne deste assunto: o que nos difere dos demais seres do universo? Aqueles que vêm dos céus são como deuses, como demônios, ou como nós mesmos?
Eu quero acreditar
Finalmente, outro bordão de Arquivo X pode sintetizar os desejos e anseios por trás dessa tradição narrativa, tão vasta e diversa: "Eu quero acreditar". É isso o que diz o protagonista da série, Fox Mulder (David Duchovny). Mas não seria esse o desejo também daqueles que criam e daqueles que assistem a tais histórias?
Nessa lista, o recorte feito foi de filmes que narram o primeiro contato entre seres humanos e alienígenas em um ambiente predominantemente humano. O estranhamento dessas história é algo que elas possuem em comum, o que nos leva a pensar: se esses filmes trazem alguma resposta, por que sempre é por um caminho tão nebuloso e, por vezes, assustador?
Todos esses filmes são, no fim, sobre o desconhecido e a maneira como lidamos com isso. Tememos o desconhecido, mas, mais ainda, olhamos para os céus, maravilhados, em busca de algo. E é esse sentimento, o de deslumbramento, que prevalece nesses filmes. Enquanto houver mistério, haverá uma analogia, uma metáfora, uma comparação a ser feita sobre nós e os outros que, queremos acreditar, estão em algum lugar do universo.
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subitamente senti a necessidade de uma maratona de filmes.
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