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O Fantasma da Ópera: ficção ou realidade?


“O fantasma da ópera existiu.”

É com essas palavras que Gaston Leroux inicia sua obra-prima, um clássico da literatura gótica que rompeu as fronteiras da França e ganhou adaptações no cinema e no teatro, conquistando pessoas do mundo todo por sua dualidade. Aliás, como uma história tão sombria pode nos deslumbrar tanto a ponto de ser mundialmente conhecida mesmo um século depois do seu lançamento?

Através dos túneis subterrâneos da Casa de Ópera de Paris, suas escadarias imponentes e salas de espectáculos magníficas, Leroux conduz o leitor para dentro de uma história que é sobre rejeição, loucura, encanto e, principalmente, sobre música. A linha entre realidade e ficção é tão tênue no livro, que é impossível não se fazer uma mesma pergunta várias vezes no decorrer das páginas: o fantasma realmente existiu? 

A resposta não é tão simples quanto parece, mas algumas pistas podem ser seguidas a fim de tentar desvendar um mistério tão grande e sublime quanto a obra inspirada nele.

“Por fim, tive a prova de que meus pressentimentos não me haviam enganado, e meus esforços foram plenamente recompensados no dia em que adquiri a certeza de que o Fantasma da Ópera havia sido mais do que uma sombra.”

(O Fantasma da Ópera)

Erik, o fantasma 


Gaston Leroux já era um renomado jornalista quando escreveu O Fantasma da Ópera. Ele colaborava com importantes jornais franceses, fazia coberturas de crimes e era um exímio repórter. Leroux escreveu livros policiais, como o aclamado O Mistério do Quarto Amarelo, e outras obras, mas foi com um livro gótico, publicado em 1909, que ele seria mais popularmente conhecido.

Gaston Leroux

O Fantasma da Ópera conta a história de Erik, um garoto que nasceu com uma deformidade no rosto e por isso foi rejeitado pelos pais, que o olhavam horrorizados. Infeliz pela vida que levava em casa, Erik foge e por um tempo ganha a vida sendo atração principal de diversos freak shows, exibições reais muito comuns no século XIX, que capitalizavam a partir da exposição de pessoas com deficiência física e anomalias genéticas. Durante esse tempo, Erik também se juntou a trupes de ciganos e aprendeu muito sobre ilusionismo e ventriloquismo.

Ainda jovem, Erik era dono de uma voz magnífica. Ele era um verdadeiro gênio da música que chamava a atenção não só pela sua aparência incomum, mas por sua longa lista de habilidades. Seus feitos se espalharam pelas caravanas e chegaram até a Ásia, onde o sultão, intrigado pela tal figura misteriosa, mandou chamá-lo. Foi ali que Erik viveu por algum tempo; suas habilidades em arquitetura fizeram com que ficasse responsável pela construção de um palácio, trabalho que realizou com maestria, erguendo uma construção cheia de passagens secretas engenhosas. Por Erik saber todos os mistérios do lugar, foi ordenado que ele fosse morto para que apenas o sultão pudesse usufruir de tais recursos. Porém Erik consegue fugir e chega à França, onde, desejando ser alguém comum, se envolve na construção da Ópera Garnier.

Infelizmente para Erik, sua deformação impedia que levasse uma vida normal entre as outras pessoas. Desiludido, ele se esconde nos porões da Ópera que ajudou a construir, um lugar onde a arte e a música, as coisas que ele mais amava, prevaleciam. É entre cômodos escondidos, paredes falsas e túneis sinuosos que Erik consegue manipular todos com suas artimanhas, se envolve com a soprano Christine Daaé e se torna não só um homem, ou um monstro, mas um fantasma.

O fantasma da ópera (1925)

“Quando se viu nos porões de tão vasto teatro, sua índole de artista, ilusionista e mágico prevaleceu. E não continuava tão feio quanto antes? Sonhou criar para si uma morada desconhecida do resto da terra, que o escondesse para sempre do olhar dos homens.”

(O Fantasma da Ópera)

A ópera, o lago e o lustre 


O Palais Garnier, que leva o nome do arquiteto que o projetou, foi construído para abrigar a Ópera de Paris depois de um atentado contra Napoleão III enquanto este estava a caminho da casa de espetáculos em sua antiga localidade, a rua Le Peletier. O projeto era ambicioso, principalmente pela descoberta de um terreno úmido na região em que a enorme construção deveria ser erguida.

Quem está familiarizado com os filmes e peças de teatro de O Fantasma da Ópera sabe que a cena mais icônica da história é o “passeio” de barco de Erik e Christine pelo lago que fica nos porões da Ópera de Paris, um lugar cheio de névoa, arcos e passagens sinuosas. A áurea de mistério e horror se faz ainda mais presente ao som de The Phantom of the Opera, a música-tema de todas as representações audiovisuais do livro. Embora um tanto romantizado por Leroux, o tanque artificial existe de verdade.

Como drenar a água não adiantava, foi construída uma grande “piscina” artificial debaixo da Ópera, com o objetivo de canalizar a umidade e possibilitar a construção naquele mesmo local. Os esforços de Garnier não foram em vão: em 1875, o palácio estava pronto, com o mito do lago subterrâneo ainda pouco difundido entre as pessoas.


Outro fato que ajuda - pelo menos em parte - a desvendar os mistérios acerca da figura enigmática de Erik, aconteceu em 20 de maio de 1886, quando o contrapeso do enorme lustre da sala de espetáculos despencou durante uma apresentação e matou Madame Chomette, que visitava a ópera pela primeira vez. O acontecimento fomentou ainda mais os boatos de que a construção seria assombrada, já que o Garnier era a décima terceira ópera erguida em Paris e Madame Chomette estava sentada na poltrona 13 quando foi atingida pelo contrapeso. O lugar, que já tinha fama de amaldiçoado pelos relatos de sussurros nos corredores e camarins, se tornou ainda mais sombrio depois do acidente.

É dito que esse fato foi o que possivelmente inspirou Gaston Leroux a escrever O Fantasma da Ópera. Inclusive, ele incorporou o acidente real à sua história, na qual a tragédia do lustre foi arquitetada por Erik para distrair a plateia durante uma já caótica apresentação.

“O Fantasma ri na cara deles! E no fim eles ouvem distintamente no ouvido direito sua voz, a impossível voz, a voz sem boca, a voz que diz:

– Do jeito que ela está cantando, o lustre vai despencar!

Num movimento coordenado, ergueram a cabeça para o teto e emitiram um grito terrível. Ao chamado da voz satânica, o lustre, a imensa massa do lustre, escorregava, vindo em sua direção. Solto, o lustre mergulhava das alturas da sala e, entre mil clamores, despencava no meio da plateia.”

(O Fantasma da Ópera)



É um tanto difícil para o leitor diferenciar os fatos da ficção. Isso porque Gaston faz usos de artimanhas (como o prólogo assinado por G.L, no qual é afirmado a existência do fantasma) que nos fazem acreditar que o livro é mais do que literatura, mas sim, em parte, um relato jornalístico. Claro, os acontecimentos da obra são, quase certamente, pura ficção, mas até onde Leroux acreditava na história de um homem deformado aspirante a gênio da música que vivia nos subsolos da um já amaldiçoado palacete?

Durante as décadas, mito e realidade se fundiram em um enigma difícil de decifrar. Assim como no livro, é dito que um indivíduo misterioso no final do século XIX exigia um pagamento mensal de 20.000 francos para os diretores da Ópera, além de reivindicar o camarote número 5 todas as noites. Há ainda a lenda de que um dos arquitetos que trabalhava na construção do local pediu para viver embaixo do luxuoso palácio e nunca mais foi visto. Em 1907, a Gramaphone Company selou 48 discos dos maiores cantores da época na casa de espetáculos, para serem ouvidos dali a cem anos. No livro, Leroux conta que enquanto trabalhadores preparavam a adega para guardar a cápsula do tempo, encontraram um corpo que afirmavam ser do fantasma. As caixas foram abertas em 2007, e as gravações receberam o nome de Les Urnes de L’Opéra, mas não havia nenhum registro sobre o tal cadáver.

Os discos sendo guardados na Ópera em 1907

“Pobre e infeliz Erik! Devemos lastimá-lo? Amaldiçoá-lo? Ele só pedia para ser alguém como todo mundo! Mas era demasiado feio! E foi obrigado a esconder seu gênio ou usá-lo para executar truques, ao passo que, com um rosto comum, teria sido um dos mais nobres da raça humana! Possuía um coração no qual cabia o império do mundo e no fim viu-se obrigado a se contentar com um porão.”

(O Fantasma da Ópera)

Outro fato digno de nota é a existência de Christine Nilsson, uma soprano do século XIX que certamente inspirou Leroux a criar Christine Daaé. As semelhanças entre as duas são muitas: ambas nasceram na Suécia, têm cabelos claros e olhos azuis, filhas de homens pobres, elas deixaram suas casas ainda jovens e se tornaram donas de vozes poderosas. Nilsson, entretanto, nunca cantou na Ópera de Paris. Misteriosamente, ela foi convidada, mas cancelou sua apresentação no último minuto.

Christine Nilsson

A primeira adaptação cinematográfica de O Fantasma da Ópera, dirigida por Rupert Julian em 1926, foi um grande sucesso. Durante os eventos de promoção do filme, Gaston Leroux afirmou que o fantasma era real. Outra lenda diz que, dois anos depois, no seu leito de morte, o autor garantiu novamente que o fantasma (ou melhor, o homem) não era apenas ficção.

Mireille Ribiere, que traduziu o livro para a sua versão em inglês de 2009, pela editora Penguin, e pesquisou a fundo a obra, diz que Leroux não queria acabar com o encanto uma vez que toda Hollywood estava voltada para o espetacular filme e a história possivelmente real na qual ele se baseava. Ou, quem sabe, Leroux não mentiu, mas acreditou fielmente que todas as lendas e rumores acerca de uma presença misteriosa na Casa de Ópera de Paris tinham, sim, um fundo de verdade.

“Se o seu faz de conta foi tão bem sucedido que as pessoas fazem a pergunta, você não vai destruir a ilusão. Se as pessoas quisessem acreditar que ele existia, ele não iria decepcioná-las. É assim que eu vejo. Mas, tendo dito isso, talvez ele realmente acreditasse naquilo.”

(Mireille Ribiere)

Verdade ou não, uma coisa é certa: o autor, com grande experiência no jornalismo, construiu uma obra que está tão entrelaçada com a realidade dentro de si mesma que gera margem para dúvida a respeito dos fatos e personagens descritos nela mesmo um século depois do seu lançamento.

O Palais Garnier é enigmático. Suas passagens secretas, corredores e subsolo podem guardar segredos que dificilmente serão revelados em sua totalidade. Gaston Leroux era apaixonado por essa construção e por seus mistérios, desde o mais escuro túnel até o ponto mais alto e luminoso desse edifício espetacular. É certo que todo o debate sobre a obra é só um dos fatores que a torna tão digna de nota.

Palais Garnier (1908)

O Fantasma da Ópera é um ótimo exemplo de literatura gótica. Esse livro celebra a arte, o sublime e o horror misturado com a beleza. Não é uma história de romance como muitos a vendem; aliás, o que Erik sente por Christine e vice-versa beira muito mais a obsessão e o encanto pelo proibido do que qualquer outra coisa. A história é, em realidade, muito mais sobre as nuances da existência humana e a força de sentimentos conflitantes.

Uma coisa é certa: o Fantasma da Ópera está em nossas mentes, como a canção tema do musical de Andrew Lloyd Webber afirma. E, curiosos e encantados, observamos sem palavras a beleza obscura dessa obra.

Referências 

Comentários

  1. Que texto lindíssimo, Cecília! Realmente admirável ver a paixão de Gaston por essa história. Não tem como não ficar curioso por todos os segredos do Fantasma da Ópera.

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    Respostas
    1. Fico feliz que gostou!!!!
      Sim, Gaston amava a ópera e acho que queria muito desvendar todos os segredos dela!

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