últimos artigos

Como o ambiente tóxico afetava a saúde mental dos atores na Old Hollywood


O assunto "saúde mental" vem ganhando cada vez mais força na atualidade. Tem sido comum ver séries e filmes com personagens tendo diálogos francos sobre o tema, e também vemos cada vez mais celebridades usando toda sua influência para comunicar sobre a importância de falar e compartilhar acerca de tal assunto. Se tornou comum atores, escritores e até atletas pedirem um tempo em suas carreiras para priorizarem sua saúde mental. Um grande exemplo disso foi a ginasta Simone Biles, que pediu para sair da competição nas Olimpíadas para cuidar de seu bem-estar.

É difícil imaginar isso acontecendo há vinte, trinta anos, principalmente na indústria cinematográfica. Podemos dizer que Hollywood é como a maioria das grandes empresas: dona de um grande produto; entretanto, o produto em questão seriam os atores e a imagem fabricada que era criada para a persona dele. 

O sistema de estúdio: a engrenagem de Hollywood


Na “era de ouro” de Hollywood, quando os grandes estúdios de cinema tinham todo o poder, o ator ou atriz acabava se tornando um escravo do estúdio. Uma vez que um contrato fosse fechado, os estúdios tinham total controle sobre a persona que tinham criado.

O contrato com o estúdio oferecia uma segurança de que jovens atores necessitavam: um salário fixo, com moradia e comida garantida. Quando você caia nas graças de um dos donos do estúdio, como Jack Warner, da Warner Bros., você estava feito, ganhava toda uma equipe para ficar ao seu lado; era assim que você entrava na indústria. Nos estúdios, eram oferecidas aulas de atuação, de canto, de dança, de equitação, de dicção e qualquer outra coisa que o ator ou a produção de algum filme precisasse.

A partir do momento que o “produto”, vulgo ator, estivesse pronto, ele se tornava uma peça publicitária para que o estúdio usasse até não querer mais. Toda publicidade que saía a seu respeito influenciava não só na sua carreira, mas também na sua imagem, tal qual a do estúdio, e também na bilheteria de seu filme mais recente.

Greta Garbo

Em 1938, uma manchete de página inteira chamava a atenção: o Independent Theatre Owners of America publicava uma lista na qual constavam nomes de atores e atrizes que deram prejuízos aos estúdios no ano anterior. A matéria os chamava de "Venenos de Bilheteria". O artigo falava sobre como essas estrelas estavam causando prejuízo aos grandes estúdios devido aos seus contratos milionários que não conciliavam com a respostas das bilheterias. Nomes como Greta Garbo, Joan Crawford, Norma Shearer, John Barrymore, Fred Astaire, Edward Arnold, Luise Rainer e Marlene Dietrich, que hoje são reverenciados como lendas, constavam nessa lista. 

O artigo teve um forte impacto depois de ter sido duplicado em diversas revistas ao redor do mundo, e serviu como base para rever o sistema de vendas de filmes. Contudo os astros presentes na lista sentiriam as consequências ao longo de todas suas carreiras. Afinal de contas, ser conhecido como veneno de bilheteria não era nada agradável. Entretanto felizmente muitos deles conseguiram dar a volta por cima, mostrando que ainda eram capazes de arrastar um grande público de fãs, tal como Katherine Hepburn e a própria Joan Crawford.


Se você desse muito dinheiro para o estúdio, contanto que você não destruísse a imagem que haviam criado, era o que realmente importava. Eles criavam uma "persona" e era trabalho do ator mantê-la. Se os atores seguissem as regras à risca, os estúdios fariam de tudo por eles, incluindo fazer com que qualquer coisa, qualquer esqueleto no seu armário permanecesse desconhecido. A preocupação com a imagem era tanta que muitas vezes subornos a grandes jornais e revistas eram feitos, para abafar ou fazer com que um rumor fosse esquecido.

Ainda haviam aqueles atores que faziam questão de manter uma certa amizade com alguns membros da imprensa para garantir que seus nomes estivessem sempre nos jornais - seguidos de elogios, é claro. Joan Crawford, por exemplo, costumava fazer uma ligação a Hedda Hopper quando tinha alguma fofoca dos bastidores para contar ou quando queria saber de algum podre de certo colega para encobrir qualquer "escândalo" que fosse. Essa amizade "da onça", construída por pequenos favores, não impediu, no entanto, que Hopper sujasse o nome de Crawford inúmeras vezes.

A imprensa sabia de tudo o que acontecia e mantinha para si quando o silêncio era vantajoso para ela e para o estúdio. Era como um acordo de negócios, do tipo "mantenha isso longe da mídia e não deixe isso virar uma tempestade".

O estúdio criava a imagem do ator ou atriz para que eles fossem aparentemente perfeitos, como deuses sem nenhum defeito. Para manter essa imagem, controlavam absolutamente tudo que o ator podia ou não fazer. Por exemplo: se surgisse uma mulher latina querendo ser atriz, eles lhe dariam uma chance, desde que ela mudasse seu nome para algo que soasse mais estadunidense, parasse totalmente de falar espanhol e fizesse aulas de dicção para perder o sotaque.

Um grande exemplo disso foi Rita Hayworth, que além de ter de mudar seu nome (originalmente Margarita Carmen Cassino), também precisou se submeter a várias sessões de eletrólise para aumentar a testa em 2 centímetros, fazer rinoplastia, além de pintar seus cabelos de ruivo tudo para encobrir suas raízes hispânicas. 

Rita Hayworth

Quando dois jovens atores faziam sucesso na mídia e com o público, era comum que a produção fizesse de tudo para que a imagem de que eles eram um casal na vida real fosse comprada, sendo verdade ou não. A produção fazia com que eles saíssem juntos várias vezes acompanhados de fotógrafos para aumentar ainda mais os rumores, principalmente quando o jovem casal em questão tinha feito algum filme juntos, já que os boatos faziam com que o público fosse assisti-lo cada vez mais, assim aumentando a bilheteria da obra.

Essa falsa imagem perfeita que os atores e atrizes tinham de passar fez com que muitos optassem por não falar abertamente sobre suas vidas pessoais. Muitos, inclusive, passavam a ter vidas duplas: uma repleta do glamour de Hollywood e outra totalmente guardada para si. Diversas vezes essa imagem que o ator passava era totalmente oposta da realidade.

Um dos grandes exemplos que provam essa cultura tóxica de Hollywood é o ator Tab Hunter, que ficou bastante conhecido nos anos 1950 e 1960 e fez mais de quarenta filmes. Tab, que sempre foi muito privado sobre sua vida pessoal, passou a viver uma vida dupla a partir do momento em que assinou contrato com a Warner Bros.; isso porque Hunter era gay, mas nunca pôde falar abertamente sobre sua preferência. Caso contrário, as consequências seriam graves; isso porque na época da ascensão de Hunter, a homossexualidade, além de ser um completo tabu, era crime perante a lei nos Estados Unidos. Naquela época, ela era considerada uma doença mental e havia decorrências devastadoras para quem se assumisse, tal quais viver em um manicômio e ser submetido a terapia de eletrochoque. Você realmente não podia ter uma vida normal e saudável sendo abertamente gay. Então, muitos atores e atrizes viveram presos dentro do armário durante a maior parte das suas vidas, por medo do que aconteceria caso descobrissem a verdade. Em sua autobiografia, intitulada Tab Hunter Confidential: The Making of a Movie Star, o ator disse: 

“A vida foi difícil para mim, porque eu estava vivendo duas vidas naquela época, uma vida particular, que nunca discuti, nunca falei com ninguém. E então minha vida em Hollywood, na qual estava apenas tentando aprender meu ofício e ter sucesso.”

Tab Hunter

A imprensa também foi muito cruel com ele. Vivia publicando matérias de cunho maldoso sobre os rumores que cercavam sua sexualidade, o que gerou com que o estúdio empurrasse Tab para Natalie Wood, que tinha ganhado destaque depois de sua atuação em Juventude Transviada (1955). Eles ainda chegaram a atuar juntos em Impulsos da Mocidade (1956). Os rumores que surgiam com as aparições dos dois juntos não só abafavam qualquer dúvida da sexualidade de Tab, como também aumentavam a bilheteria do filme.

Judy Garland, a eterna Dorothy Gale de O Mágico de Oz (1939), também foi mais uma que sofreu com toda a cultura tóxica que exalava dos estúdios de Hollywood. Ela assinou um contrato com a produtora e distribuidora de filmes MGM aos 13 anos. Seus agentes eram obcecados pelo peso da jovem e monitoravam, reprovavam e controlavam tudo o que Judy comia. Como consequência disso, a atriz vivia em estado de fome repetidamente. Para aguentar a rotina, o estúdio lhe dava anfetaminas, já que seu horário de trabalho chegava a ser 18 horas por dia durante seis dias da semana, hábito que se estendeu por toda sua carreira. O vício de Garland por remédios, no entanto, vem de muito antes de sua carreira no cinema iniciar. Sua mãe, Ethel Gumm, que agenciou os primeiros anos de Judy, ansiosa para tornar as filhas famosas, começou a dar comprimidos para ela dormir quando ela tinha 10 anos. Aos 19, casada com o compositor David Rose, Garland foi obrigada por sua mãe e pela MGM a fazer um aborto. O argumento dado por ambos era de que uma gravidez naquele momento iria "arruinar" sua carreira. Dez anos depois, aos 29, Judy fez um outro aborto, a pedido do produtor Sidney Luft, que na época ainda era seu amante. 

A única coisa que Judy não soube controlar, e que também não teve ninguém para tal, foi sua fortuna. Seu dinheiro não foi bem gerenciado, o que a deixou com várias dívidas no fim de sua carreira. A atriz ainda chegou a dever milhares de dólares em impostos para a receita do governo estadunidense. Poucos dias depois de completar 47 anos, Garland foi encontrada morta no banheiro de sua casa em Londres. Sua necropsia dizia que a causa de sua morte foi uma overdose de barbitúricos, medicamento comum em anticonvulsivos e sedativos. Segundo seu obituário, sua morte foi acidental. Entretanto em 1947, a atriz havia tentado se suicidar depois de ser internada em um centro de reabilitação. Ao longo de sua carreira, Judy Garland lidou com depressão, hepatite, vício, cirrose, depressão pós-parto, problemas nos rins e ainda sofreu violência doméstica em mais de um casamento, sem contar os inúmeros assédios de que foi vítima dentro e fora dos estúdios.

E agora? 


Ler sobre os absurdos que aconteciam e eram acobertados nos bastidores daquela época nos faz pensar se as coisas realmente mudaram tanto assim para melhor. Em outubro de 2017, uma matéria no jornal The New York Times relatou dezenas de mulheres acusando o produtor Harvey Weinstein de assédio e/ou abuso sexual. Depois disso, diversas atrizes começaram a falar abertamente sobre suas experiências traumáticas com o produtor e outros homens do meio cinematográfico. A Atriz Alyssa Milano, conhecida pela série Charmed, pediu que mulheres que tivessem sido agredidas ou assediadas sexualmente relatassem suas histórias no Twitter usando a hashtag #MeToo para mostrar um pouco a dimensão do problema. Estima-se que meio milhão de mulheres contaram suas vivências nas primeiras 24 horas.

Nomes como Ashley Judd, Rose McGowan, Uma Thurman, Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie, Jennifer Lawrence e muitos outros passaram a contar suas experiências traumáticas com Weinstein. Mais de oitenta mulheres da indústria cinematográfica declararam que passaram por situações semelhantes com Weinstein, várias com provas incontestáveis, e mesmo assim o produtor negou ter tido qualquer relação sexual sem consentimento com quaisquer uma delas.

Inspirado pelo #MeToo, um grupo de mais de 300 mulheres, incluindo nomes como as atrizes Natalie Portman, Reese Whinterspoon e a produtora Shonda Rhimes, criaram o Time’s Up, que busca, além de exigir mudanças diretas, não apenas mais segurança, mas também equiparar a desigualdade salarial. Os dois grupos procuram mudanças nas politicas e legislações com o objetivo de aprovar leis de igualdade de gênero, buscando igualdade salarial e ambientes de trabalho iguais.

Hoje cada vez mais vemos não só atrizes e atores, mas também membros da produção, falarem sem qualquer receio acerca de abusos acontecidos nos bastidores, o que já é uma enorme mudança. Porém, assim como os próprios seres humanos, Hollywood ainda tem muito a melhorar.
Lilia Fitipaldi
Jornalista; virginiana com ascendente em aquário; 27 anos; lufana orgulhosa, escritora. Cinéfila - de E o Vento Levou a Vingadores Ultimato. Louca das séries, do esoterismo, dos gatos, dos musicais, a maior fã/defensora de Taylor Swift, Sara Bareilles e Maggie Rogers que você vai conhecer. Me esforço para descobrir o máximo do mundo da Broadway e às vezes me perco no mundo dos livros e das séries.

Comentários

Formulário para página de Contato (não remover)