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Camille Claudel: um destino de paixão e súplica


A idade madura (L’Age Mûr) é uma das esculturas mais enigmáticas de Camille Claudel. Nela, um homem divide-se entre duas figuras femininas. De um lado, ele se desprende de uma moça jovem que, ajoelhada, suplica seu retorno. O homem está virado para uma velha senhora que o abraça e, juntos, seguem para a direção oposta da jovem moça suplicante. Duas versões em bronze se encontram em exposição na França, uma no Musée d’Orsay e outra no Musée Rodin. Uns dizem que A idade madura representa o Tempo. O Homem, inevitavelmente, vai se desprender de sua juventude, bonita, vigorosa, para ir em direção à velhice e, consequentemente, à morte. Há, porém, outra interpretação. A idade madura também é uma obra autobiográfica de Claudel que, representada na figura da jovem suplicante, vê seu mestre e amante, Auguste Rodin, 24 anos mais velho, abandoná-la e trocá-la pela sua então esposa e mãe de seu filho, Rose Beuret.

A idade madura

A escultora


Camille Claudel nasceu em 1864, em Fère-en-Tardenois, França. Filha mais velha de uma família de classe média francesa, Claudel demonstrou grande aptidão para as artes desde pequena. Para que ela pudesse estudar escultura formalmente, seu pai, Louis-Proper Claudel, mudou-se com a família para Paris quando a filha tinha 17 anos. Na época, a escola mais importante de artes plásticas na França era a École des Beaux-Arts, mas ela não aceitava mulheres em seu corpo discente. Claudel, então, entrou para a Académie Colarossi e conciliava seu tempo entre a Academia e o apartamento que ela e outras escultoras usavam como estúdio. 

Em 1883, aos 19 anos, Claudel já se destacava como uma jovem promissora. Nesse ano, seu então mestre Alfred Boucher ganhou uma bolsa e mudou-se para Florença, mas antes a recomendou para um dos maiores escultores franceses da época, Auguste Rodin. Foi assim que Claudel começou a trabalhar em um dos estúdios de Rodin e, de aluna e mestre, não tardou para que os dois artistas se tornassem amantes. O relacionamento entre eles estendeu-se até 1899, e durante esses anos, Claudel e Rodin trabalharam intensamente juntos. Grandes obras foram feitas pelas quatro mãos, além de Claudel ter posado como modelo para diversas delas. Foram anos muito produtivos para ambos artistas, mas, eventualmente, a relação tornou-se complicada. 

A valsa, de Camille Claudel

Do lado profissional, Claudel acumulou anos de experiência e mentoria, mas sua proximidade com Rodin a colocava sob uma sombra que impedia sua autonomia artística e o reconhecimento público. Do lado pessoal, por mais de uma década Claudel esteve em um relacionamento com um homem casado e o julgamento social pesou em seus ombros e saúde mental. Claudel pediu a Rodin que fizesse uma escolha, e o escultor optou pela sua esposa, Rose Beuret. Claudel, no entanto, não tinha o mesmo apoio doméstico e familiar que Rodin e, em 1899, ela terminou a relação entre eles de forma definitiva e seguiu seu caminho sozinha. 

A escultura, considerada a terceira das artes clássicas, demanda força física e muitos recursos. Materiais como gesso, pedra, madeira, resina, aço, ferro, mármore; técnicas como fundição, moldagem e cinzelação são princípios do universo da escultura. Por isso, um estúdio com grande estrutura e capital para pagar ajudantes e modelos são mais que necessários. Sozinho, Rodin comandava três estúdios e uma legião de funcionários. Claudel, apesar de todo seu talento, não conseguiu confrontar a demanda material de uma arte tão exigente nesse sentido, e as dificuldades financeiras, desde cedo, começaram a ser um problema.

Claudel passou a acusar Rodin de não creditar suas obras do tempo que produziram juntos, de roubar suas ideias e a denunciar um sistema que enriquecia e tirava proveito de seu talento enquanto ela nada recebia. Seu isolamento, o julgamento que sofria pela sua relação com um homem casado, a dependência financeira que ainda a ligava diretamente à sua família, a falta de recursos materiais para o desenvolvimento de seu trabalho, foram fatores que prejudicaram sua saúde mental. 

Já na casa dos 40 anos, em algum momento Claudel passou a viver em seu apartamento e estúdio com o mínimo de móveis possível, pregou tábuas de madeira nas janelas, vivia rodeada de gatos, trabalhava à noite, acordando seus vizinhos. Também passou a acusar publicamente a injustiça que sofria de um mercado de artes que a excluía e a denunciar que Rodin tinha uma "quadrilha" de amigos que roubavam suas ideias e copiavam seus trabalhos. 

Catorze anos depois que Claudel rompeu definitivamente com Rodin, no dia 2 de março de 1913, seu pai, o seu maior admirador e apoiador, morreu. Apenas três dias depois, seu irmão, Paul Claudel, obteve um certificado médico dentro das leis francesas da época que permitia que uma pessoa fosse internada contra sua própria vontade. Cinco dias depois, o apartamento-estúdio de Claudel foi invadido por enfermeiros, que a levaram, numa ambulância, para um asilo, onde ela permaneceria internada por 30 anos, até sua morte em 1943.

A internação perpétua


Em uma cena de Camille Claudel, filme de 1988, estrelado por Isabelle Adjani e Gérard Depardieu e dirigido por Bruno Nuytten, uma criança observa uma escultura de Claudel e pergunta a ela:

- Como você sabia?
- O que?
- Que dentro da pedra havia um homem.

Claudel libertava as formas humanas de dentro dos cubos rochosos, e ela mesma foi presa dentro de um cubo oco de ferro. Depois de sua internação, Claudel interrompeu seu trabalho artístico, mas levou adiante um esforço enorme de comunicação por cartas para provar sua sanidade e se libertar do asilo onde se encontrava.

Durante sua juventude, as cartas trocadas entre Claudel e Rodin, durante os anos em que estiveram juntos, demonstram uma paixão imensurável. O amor, os corpos, o erotismo, a vida, a arte. Depois da separação entre os dois, as cartas de Claudel tornam-se combativas. Ela acusa Rodin e sua "trupe" de roubo e denuncia as injustiças que ela sentia sofrer. De amantes, Claudel e Rodin haviam se tornado rivais. Nos últimos 30 anos de sua vida e de dentro do asilo onde ficou internada, suas cartas são de súplica, um pedido de socorro para que a libertem daquele lugar. É como se sua escultura de 1899, A Suplicante (L'Implorante), depois incorporada à obra A Idade Madura, tivesse sido uma previsão de seu próprio futuro.

A suplicante

Talvez Claudel sofresse de fato alguma doença psquiátrica, mania de perseguição, e precisasse de ajuda médica. Porém suas cartas e depoimentos de amigos tornam essa questão muito discutível. O que não resta dúvidas, no entanto, é que – para a época – Claudel não se encaixava nos padrões femininos e do que se esperava de uma mulher. A começar pela escola de artes mais importante da época que não aceitava mulheres. Apesar desta restrição, Claudel produziu e se destacou. Em sua juventude, críticas da época diziam que "Claudel era uma gênia, apesar de ser mulher". Também dizia-se que "ela tinha o talento artístico tal qual o de um homem"

A estranheza de uma mulher talentosa, artista, que visualizava para si uma destino para além das atividades maternais e domésticas, criava um estranhamento, a ponto de um determinado crítico escrever que seu talento era uma coisa sobrenatural. Toda essa concepção, associada a sua história pessoal como amante e, depois, solteira já na casa dos 40 anos cuja única companhia eram os gatos, contribuíram para que associassem sua imagem à bruxaria. Mas já era o início do século XX e Claudel não foi queimada em praça pública — foi diagnosticada com "psicose paranoica" e internada. No certificado de internação, o médico afirma (trecho em tradução livre pela redatora):

Eu, abaixo assinado, [...] certifico que Mademoiselle Camille Claudel sofre de distúrbios intelectuais muito graves; [...] ela tem medo da quadrilha de “Rodin”, já constatei repetidas vezes em sua casa nos últimos 7 a 8 anos que ela imagina ser perseguida, sua condição é perigosa para ela mesma por causa da falta de cuidados [de higiene] e também às vezes de alimentação, também é perigosa para seus vizinhos e por isso é necessário interná-la numa Casa de Saúde.

Ironicamente, cinco anos depois de sua internação, Claudel escreveu uma carta a este mesmo médico pedindo ajuda, para que ele intercedesse por ela e a ajudasse a sair do hospital:

Senhor Doutor,

Talvez o senhor não se lembre de sua ex-cliente e vizinha, Mademoiselle Claudel, que foi levada de sua casa no dia 3 de março de 1913 e transportada para um manicômio de onde ela talvez nunca mais sairá. Faz cinco anos, quase seis, que sofri este terrível martírio. [...] É inútil descrever para você quais foram meus sofrimentos. Escrevi recentemente a Monsieur Adam, advogado, a quem o senhor gentilmente me recomendou, e que me defendeu outras vezes com tanto sucesso. [...] Eu peço, encarecidamente, que fale sobre mim com o Monsieur Adam e pense no que você poderia fazer por mim. Do lado da minha família, não há nada a ser feito; sob a influência de pessoas más, minha mãe, meu irmão e minha irmã escutam apenas a calúnias das quais sou acusada.

Eu sou repreendida (ó crime terrível) de ter vivido sozinha, de passar minha vida com os gatos, de ter mania de perseguição! É com base nessas acusações que eu estou presa há 5 anos e meio, privada de liberdade, privada de comida, de fogo e de comodidades mais básicas. [...] Talvez você, como doutor em medicina, possa usar sua influência a meu favor. Em todo caso, se não quiserem me dar minha liberdade imediatamente, eu preferia ser transferida à Salpêtière ou à Saint Anne ou ainda a um hospital comum, onde você poderia vir me ver e verificar minha saúde.

O isolamento de Claudel, no entanto, ia além da sua prisão física. Sua família lhe proibia visitas e troca de correspondência. Muitas foram as cartas que nunca foram enviadas, tampouco recebidas. Estas foram depois recuperadas no prontuário da clínica. Em suas cartas, Claudel reclamava da falta de aquecimento no inverno, da falta de comida e dos gritos que ouvia à noite. Também pedia para retornar a sua casa em Villeneuve e viver com sua mãe, mas ela nunca foi respondida. Durante os 30 anos em que esteve presa, seu irmão Paul Claudel a visitou algumas vezes, porém sua mãe e irmã nunca a visitaram. A mãe de Claudel, Louise-Athanaise Claudel, inclusive esforçou-se em manter sua filha isolada e, em 1915, escreveu ao diretor do hospital onde Claudel estava internada:

Senhor Diretor,

Peço desculpas de me servir de sua intermediação para chegar à minha filha, C. Claudel, paciente de sua instituição, a resposta a uma carta dela na qual ela me pede urgentemente buscá-la para viver comigo.

Isso não é possível. Eu sou idosa e a nenhum preço eu quero aceitar sua demanda. Eu não tenho nenhuma autoridade sobre ela e ela deve sofrer tudo o que ela merece. Jamais eu consentirei a este arranjo. Por muito tempo ela só nos fez de bobo. Ela está muito bem com você, ela se encontrava feliz o suficiente há algum tempo, como saber que ela não quer mesmo ficar mais? Ela reclama da comida e também de cartas que não são enviadas a seus amigos que a libertariam se eles soubessem de sua infelicidade.

Camille Claudel (1884)

Apesar de suas numerosas cartas e constantes súplicas de liberdade, Claudel foi mantida presa por 30 anos até sua morte, aos 78 anos. No meio do turbilhão da Segunda Guerra Mundial, os hospitais psiquiátricos foram deixados de lado e, entre 1940 e 1944, estima-se que 40.000 pacientes morreram de fome e má nutrição. Esta, provavelmente, tenha sido a causa de morte de Camille Claudel, cujo sepultamento não foi acompanhado por ninguém de sua família, apenas por um funcionário do hospital.

Mais de 100 anos depois de sua internação, não podemos fazer justiça a Claudel, mas podemos, ao menos, fazer justiça a sua memória. Claudel lutava pela sua arte e talento num ambiente excessivamente masculino e hoje podemos compreender que o que ela chamava de a "quadrilha de Rodin" era um sistema artístico no qual os artistas homens, críticos de arte, mecenas e políticos se ajudavam com encomendas, financimento, comercialização, enquanto Claudel era excluída e seu talento e obras eram vistos como exóticos e fora do normal. 

Depois de sua internação, Claudel nunca mais esculpiu. Ela mesma presa, nunca mais libertou as formas humanas de dentro das pedras como havia observado a criança. Sua história e obras só foram redescobertas nos anos 1980, com a publicação da biografia Camille Claudel, uma mulher, por Anne Delbée. Outras obras e estudos seguiram a publicação, mas foi o filme Camille Claudel, em 1988, que deu a escultora um grande reconhecimento público na França e no mundo.

Referências

Giovana Faviano
Historiadora de formação. Interessada em tudo que envolve subjetividade e criatividade humana. Ama ler, escrever e cozinhar. Se não está fazendo uma destas três coisas, então está tomando um cafézinho.

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