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O Último Duelo e a falta de mulheres na direção de dramas históricos


O nome de Ridley Scott não é nem um pouco desconhecido em Hollywood. O diretor ganhou destaque ao realizar grandes filmes de suspense, ficção científica e épicos, chegando até a ousar misturar os três gêneros em uma única produção. Ele foi responsável por filmes como Alien – O Oitavo Passageiro (1979); Blade Runner – O Caçador de Androides (1982); Thelma & Louise (1991) e Gladiador (2000), que foram sucessos de bilheteria.

Quando o nome de Scott é relacionado a qualquer nova produção, é perfeitamente normal ficarmos de olhos atentos. Em uma de suas mais recentes obras, Ridley narra a história de Marguerite de Carrouges (Jodie Comer), uma das primeiras mulheres vítima de abuso sexual da história a enfrentar seu abusador em um julgamento.


Marguerite desafia todo o sistema medieval e machista ao acusar abertamente o amigo e rival de seu marido, Jacques Le Gris (Adam Driver), de estuprá-la, sob pena de ser condenada à fogueira por injúria e falso testemunho, implorando que sua verdade seja ouvida.

O roteiro do filme divide a narrativa em três versões: a primeira é o ponto de vista do marido Jean de Carrouges (Matt Damon), a segunda a do acusado Jacques Le Gris, e a terceira de Marguerite, cuja versão é enfatizada veementemente como sendo a verdade.

A história de O Último Duelo se torna atual não só pelo filme ter sido lançado pós #MeToo, mas também por alguns detalhes que infelizmente ainda acontecem no mundo atual. Como por exemplo a tentativa de justificar um estupro culpando a vítima, logo após o tribunal ter conhecimento que Marguerite havia elogiado a aparência de Les Gris. Aí, é insinuado que ela o desejava ao ponto de talvez ter sonhado com o ocorrido. Marguerite, então, responde ao júri após a infundada insinuação: 

“Notar que um homem é atraente não quer dizer nada além disso.”

Na cena do julgamento de Marguerite é inevitável não lembrar da fala de Taylor Swift no documentário Miss Americana, quando a cantora conta sobre o julgamento de assédio que sofreu: 

“Entrei no tribunal e vi aquele homem numa cadeira giratória me encarando como se eu tivesse feito algo a ele. A primeira coisa que dizem no tribunal é: “Por que não gritou? Por que não reagiu? Por que não ficou mais longe dele?”. Aí ele manda um advogado se levantar e mentir. Havia sete pessoas que o viram fazer aquilo e tínhamos foto do ocorrido. E eu estava furiosa. Estava furiosa por ter que estar lá, por isso acontecer com as mulheres, por pessoas serem pagas para antagonizar as vítimas, por todos os detalhes terem sido distorcidos. Você não tem nenhum senso de vitória quando ganha o caso, porque o processo é humilhante. Isso com sete testemunhas e uma foto. E quando você é estuprada e é a sua palavra contra a dele?”

A audiência de Marguerite perante a corte e o rei Charles VI, composta por diversos homens, termina com o decreto de que um duelo até a morte seja realizado entre Jean de Carrouge e Jacques Le Gris, pois, assim, quem determinaria quem dizia a verdade seria Deus ao conceder a morte do culpado durante o combate. A cena na qual Marguerite descobre que, caso seu marido morra no duelo, ela será despida, presa a um colar de ferro pelo pescoço e atrelada a uma viga de madeira para ser queimada viva acerta ao mostrar não só o abalo dela, mas também o de outras mulheres que, de certa, forma empatizam com ela e ficam atordoadas pela descoberta. 

A tensão criada durante o “julgamento por combate” é agoniante, nem tanto pela batalha em si, mas sim pelo que está em risco: a vida de Marguerite e de seu filho, que nascera havia pouco tempo e poderá ficar órfão.


Apesar da trama do filme ser sobre um caso de estupro, fica o questionamento se uma cena tão explícita era mesmo necessária. Mesmo que Ridley Scott seja conhecido por ser um diretor muito visual, ele poderia ter optado por filmar uma cena que deixasse tudo subentendido, como fizeram em tantos outros filmes antigos. Como por exemplo a cena na qual o personagem de Marlon Brando ataca a personagem de Vivien Leigh em Um Bonde Chamado Desejo.

O principal defeito de O Último Duelo, provavelmente, é a pouca participação de mulheres na produção. Isso é visível mesmo que ele tenha sido coescrito por uma mulher, já que Nicole Holofcener assina o roteiro junto a Matt Damon e Ben Affleck. Ainda que o filme tenha algumas mulheres na produção, não podemos deixar de pensar que talvez fosse uma obra completamente diferente se tivesse uma mulher na direção.

No fim, apesar do filme exaltar a coragem de Marguerite em falar sua verdade e defender a si mesma em uma sociedade comandada por homens, O Último Duelo acaba sendo muito mais sobre uma luta de dois homens com ego ferido do que sobre uma mulher sobrevivente de um crime hediondo.


Lilia Fitipaldi
Jornalista; virginiana com ascendente em aquário; 27 anos; lufana orgulhosa, escritora. Cinéfila - de E o Vento Levou a Vingadores Ultimato. Louca das séries, do esoterismo, dos gatos, dos musicais, a maior fã/defensora de Taylor Swift, Sara Bareilles e Maggie Rogers que você vai conhecer. Me esforço para descobrir o máximo do mundo da Broadway e às vezes me perco no mundo dos livros e das séries.

Comentários

  1. Gostei muito do livro e de como o autor reuniu as três versões do crime e as evidências históricas, levando o leitor a compreender todo o sistema jurídico medieval impiedoso e injusto (principalmente com as mulheres). O filme achei bom também. A questão de 3 versões ataca diretamente nossos julgamentos pessoais (eu fico com a versão da Marguerite, obviamente).

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  2. "O Último Duelo acaba sendo muito mais sobre uma luta de dois homens com ego ferido do que sobre uma mulher sobrevivente de um crime hediondo." SIMMMM

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