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A lesbianidade no cinema clássico


A época da Era de Ouro ainda nos apresenta surpresas de forma constante, fazendo-nos resgatar nos clássicos suas belezas e referências, moldando as obras de Hollywood até os dias atuais. Muitas foram os artistas que estiveram à frente de seu tempo, mas, ainda assim, pouco se sabe o quanto estes foram vistos de forma superficial - e, por vezes, continuam sendo. 

O cinema clássico é um grande destaque em diversos sentidos, especialmente quando muitos atores e atrizes são vistos como inspirações para outras gerações. A censura e o conservadorismo ocupavam espaço nos primórdios do cinema, trazendo o apagamento de obras que eram vistas com maus olhares. Dentre os temas conscientemente apagados, estava a lesbianidade. O glamour da Era de Ouro não via com bons olhos um romance entre duas mulheres. 

Desde 1934, o Código de Produção, também conhecido como Código Hays estava na ativa, observando os detalhes dos filmes à procura de mensagens com teor homossexual etc. Nessa mesma época, nazistas assumiam o poder, toda a revolução e todo o progresso momentâneo dado aos LGBTs foram perseguidos e apagados. Por anos, a lesbianidade no cinema clássico tivera poucas brechas, pois tais pautas não eram refletidas de forma comum, e o espaço para filmes sáficos ainda luta por sua presença, sendo esta uma luta contínua e visível.

Muitas foram as obras que se renderam à heteronormatividade, as quais atores e cineastas se ocultaram por seus receios e inseguranças, criadas e causadas pelo preconceito enraizado nas pessoas e a censura que ocupava espaço e presença. A visibilidade lésbica que anseia por representatividade nos faz ir além, buscando resgatar no passado e representatividades do que sempre existiu e sempre esteve presente na história, mesmo que estivesse escondido nas entrelinhas.

O retrato da mulher e o casal lésbico nos filmes clássicos segue um clichê de finais trágicos, nos levando a entender que só existiam más representações do amor entre duas mulheres, quando estas poderiam ser até mesmo vilanizadas, passando uma mensagem de que não existia um bom cenário pra elas nessa época. Hollywood nascia, e a pouca liberdade do cinema em seus primeiros anos nos dava a representatividade da imagem de personagens masculinos afeminados e mulheres que transpassavam uma imagem masculina, uma imagem bruta e vilanizada, vistas como algo ruim, algo que fugia dos padrões da heteronormatividade.

De forma discreta, as obras eram codificadas e pouco expansivas, sendo expostas de forma peculiar com a tática de mostrar que estes personagens eram pessoas perturbadoras e perturbadas, pois esta era a forma como eles eram vistos e idealizados pelo Código Hays. Tal código impossibilitava aos homossexuais uma imagem de felicidade e de serem bem-sucedidos, educando a sociedade a vê-los como doentes e até mesmo perversos, os ditando como perigosos. A imagem que temos do cinema é a forma como este possui inúmeras interpretações, mostrando de forma real os seus lados, embora este também possa ser usado para discriminar, ainda que possau, de igual forma, a capacidade de ampliar a visão dos que procuram na arte um conforto, sendo um reflexo do ser humano.

Em maio de 1968, os Estados Unidos se fortaleciam após o assassinato de Martin Luther King. Iniciava-se, então, o movimento pela defesa dos direitos civis dos negros, de mulheres e de homossexuais. Todas essas causas eram impactadas pelo cinema, pois este materializava em suas obras a imagem de pessoas brancas, mulheres felizes por serem donas de casa etc. Todavia não existia uma imagem boa e feliz de pessoas LGBTs; era notório que isso causaria uma revolta. Hollywood ainda os representava sob camadas de Codificação Queer, vilanização ou eram objetos de piadas.

Atrizes lésbicas do cinema clássico 



Alla Nazimova, nascida na Rússia, foi um dos grandes nomes do cinema mudo. Ingressou na Broadway estrelando em diversas peças elogiadas e populares. Desde a sua introdução ao cinema, a atriz já se apresentava de forma polêmica, quando esta se tornou um símbolo para outras mulheres. Aos 37 anos, a atriz tivera destaque no filme mudo de meia hora War Brides, que era baseado em uma peça e narrava a história de uma viúva que estava grávida no período da guerra e que inicia um protesto feminino contra o rei, suicidando-se em sua frente. Sua personagem neste momento está com uma placa que dizia não ter a criança se os seus direitos e de outras mulheres de votar a favor ou contra a guerra não fossem conquistados.

Em 1917, Alla começa a escrever e dirigir seus próprios filmes quando abriu a Nazimova Productions. Com tamanho poder, em 1923 estrelou em Salome, obra polêmica por possuir um elenco quase inteiramente de homossexuais e travestis. Nazimova comprou uma propriedade no Sunset Boulevard, nomeando o local como Jardim de Allah, onde dava festas extravagantes e sexuais e cunhou o bordão "círculo de costura" para descrever as mulheres lésbicas e bissexuais de Hollywood, com as quais teve muitos casos. A atriz já assumia abertamente seus relacionamentos com mulheres. Ela viveu com a também atriz Glesca Marshall de 1929 até sua morte.


Lilyan Tashman ficou mais conhecida por seus papéis coadjuvantes como vilãs irônicas ou interpretando a vingativa "outra mulher". Fora das telas, ela fora era conhecida pelo seu temperamento explosivo, quando até mesmo foi acusada de agredir a atriz Constance Bennett por tê-la pego tendo um caso com sua namorada da época. Lilyan se envolveu com Greta Garbo e também ousara dar em cima de outras mulheres, tal qual Irene Mayer, uma socialite filha do produtor de cinema Louis B. Mayer. Não era mais segredo que Tashman possuía uma fama nos banheiros com as tentativas de ousadia com outras mulheres. Contudo a atriz precisou se casar com seu melhor amigo, e também gay assumido, Edmund Lowie, para se encobrirem dos holofotes da época. Lilyan veio a falecer aos 37 anos de câncer no estômago e seu funeral reuniu mais de 10 mil fãs, sendo a grande maioria mulheres.


Barbara Stanwyck teve uma vida de altos e baixos até alcançar o estrelato de sua arte. A atriz passou por alguns casamentos, os quais foram ditos terem sido patrocinados por estúdios para que ela pudesse esconder suas preferências amorosas e o fato de ser lésbica . Mas as fofocas da época não escaparam de cena: Tallulah Bankhead dissera que dormiu com Stanwyck, e houveram fofocas de que um caso até mesmo com Marilyn Monroe havia acontecido, o que poderia ter acontecido quando ambas atuaram juntas em Clash by night, em 1952. O ator Clifton Webb a nomeou como sua "lésbica favorita de Hollywood", e o marido de Stanwyck, Robert Taylor, sabia deste fato e dizia que ambos dormiam em camas separadas. Antes de ficar famosa, nos anos 1920, a atriz ensinara dança em um bar clandestino gay, administrado por uma amiga lésbica da época. Barbara tivera um longo caso com a atriz Helen Fergunson, que deixou de atuar para se tornar sua publicitária; ambas estiveram juntas até os anos 1960, momento em que a atriz fora prolongar sua arte na televisão. Em 1962, Stanwyck estrelava o papel de uma mulher lésbica e dona de um bordel no filme Walk on the wild side. Anos depois, em 1990, a atriz veio a falecer aos 82 anos de insuficiência cardíaca e doença pulmonar.


Considerada a rainha da comédia, Patsy Kelly foi um dos nomes de artistas lésbicas reconhecidos na Era de Ouro de Hollywood, e uma das primeiras que se assumiu abertamente durante os anos 1930, quando revelou à revista Motion Picture que morava com a atriz Wilma Cox há vários anos e não tinha intenção de se casar com um homem, revelando com suas próprias palavras ser uma "sapatona". Patsy não fizera muito sucesso em algumas de suas obras, e muito se diz que isto se deve ao fato de sua abertura em relação a sua orientação sexual, deixando a atriz cair no esquecimento da época. Em 1933, ela estreou uma série de curtas de comédia ao lado da atriz Thelma Todd, sendo um marco até os dias atuais, ambas vistas como um símbolo lésbico. Kelly fora boicotada pelos estúdios diversas vezes, mas seu talento era inegável. Ela estrelou em diversas facetas, desde pontas de filmes a curtas-metragens, e ainda uma série de comédia, assim como um filme do mesmo gênero, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar em 1938, por Sua excelência, o chofer (Merrily We Live). Patsy Kelly morreu de câncer em 1981, aos 71 anos.

Clássicos do cinema lésbico 


Nos filmes do nosso cinema clássico, houve obras do amor que não ousava dizer o seu nome, mostrando que este mesmo amor sempre existiu e esteve presente na história, o qual nos dias atuais tem avançado e lutado por um espaço de destaque em tudo que estiver ao seu alcance - e o cinema é uma destas facetas. 

O filme Infâmia, de Lillian Hellman e dirigido por William Wyler, chegava aos cinemas em 1961. A obra é estrelada por Audrey Hepburn e Shirley MacLaine, trazendo uma protagonista lésbica, ainda que também apresente a melancolia de um final trágico que se seguia nos tempos de censura. O filme estadunidense apresenta as amigas Karen e Martha, que administram juntas um internato. A obra fora entregue ao público ainda com os receios presentes de uma época que vivia diante do Código Hays. Shirley MacLaine foi indicada ao Globo de Ouro por sua atuação, na categoria de Melhor Atriz em Filme Dramático, atuação esta que mostrou uma mulher apaixonada por sua amiga em poucas cenas, e que se julgava como errada por tal ato por não ser aceita em tal época, não aceitando a si mesma. Uma das alunas do internato acusa as duas amigas de terem um relacionamento, o que causa um alvoroço entre os pais das internas, levando-os a retirarem suas filhas dali. A acusação feita pela aluna é o que nos desespera juntamente, principalmente com a confissão de Martha, que nutre sentimentos pela amiga, mas mal sabe nomeá-los e muito menos aceitá-los, carregada pela culpa e pelo desespero, sentindo-se doente e suja. Pouco tempo depois, a acusação feita é vista como uma mentira, mas os sentimentos de Martha não deixam de existir, e cada vez mais a personagem se sente desamparada. Karen é compreensiva e não muda a relação e a visão que tinha de sua amiga, chamando esta pra traçar outros planos e recomeçá-los em um outro lugar. 


A obra é baseada em uma peça de teatro que, da mesma forma, foi inspirada em uma história real, ocorrida em Edimburgo, Escócia, em 1810, e vivenciada pelas professoras Jane Pirie e Marianne Woods, as quais foram acusadas de terem um relacionamento amoroso por uma de suas alunas. O boato logo se espalhou e resultou na retirada de muitas estudantes do internato. Ambas seguiram tentando se recuperar financeiramente após os rumores que haviam se espalhado, perdurando por diversos anos e "arruinando" sua vidas; nisto a vida real é diferente do filme, que chega ao final com o trágico suicídio de Martha, a personagem não suportando tamanha tormenta.

O filme Senhoritas em Uniforme, de 1931, é um clássico de 91 anos que apresentou, no cenário de um internato, o primeiro beijo lésbico nas telas do cinema. Elogiado nos dias atuais, o filme é uma obra revolucionária, sendo um dos primeiros a tratar da homossexualidade feminina, quando uma jovem é enviada a um internato só para mulheres e lá se apaixona uma de suas professoras, por sua incrível beleza e elegância. Todo o filme é protagonizado por mulheres durante suas cenas no internato, enquanto "lá fora" os homens são soldados da guerra que vivenciavam naquele momento. A protagonista é Manuela, uma adolescente de 14 anos, órfã de sua mãe e do pai, que era um destes soldados e estava a servir. É natural que a paixão pela professora esteja presente em diversas das garotas ali, vista de diversas formas, por ora fraternal ou maternal, não transpassado como algo sujo ou ruim, mas sim com inocência. Porém Manuela floresce seus sentimentos por seus desejos ao se ver completamente hipnotizada pela professora.

"Quando você diz boa noite e fecha a porta do quarto, encaro-a na escuridão. Eu quero me levantar e ir até você, mas sei que não posso. Penso que quando eu sair da escola, você ainda estará aqui. E toda noite, você beijará novas garotas."

Em 1951, tínhamos nas telas do cinema a ousadia de uma produção francesa, Olivia, filme que segue quase a mesma narrativa de Senhoritas em Uniforme. Olivia é uma jovem inglesa que vai estudar em um colégio interno. Logo se apaixona por sua professora de literatura, a senhorita Julie. Mas a movimentação da obra se dá pela "disputa" de atenção da senhorita Cara, foco das alunas, sendo esta a professora de matemática, que não enxerga com bons olhos a atitude e movimentação que é dada a sua colega de trabalho ao perceber a provável a existência de algo entre as duas e que tal disputa se dá por uma divisão feita por quem prefere quem entre as alunas do internato.

A mulher lésbica, o casal lésbico e no geral a lesbianidade está e sempre esteve presente na história, nos clássicos e cada vez mais no agora; e o cinema é um dos espaços que ela ocupa na arte. Mas a visibilidade que se anseia é que possamos ser vistas cada vez mais, ampliando e ocupando espaços, seja na arte e suas várias facetas, mas também fora das telas e em nossas realidades.

Referências 

Lyriel Damasceno
Amante da arte, cinéfila na maior parte do tempo e leitora assídua nas horas vagas. Aspirante a escritora que transborda na poesia das canções de Taylor Swift e sofre incondicionalmente por Crepúsculo, Antes do Amanhecer e Sociedade dos Poetas Mortos. Suas principais inspirações se fazem presentes nas escritas de Jane Austen, na poesia de Emily Dickinson e na melancolia de Clarice Lispector.

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