Joaquim Maria Machado de Assis, grande escritor realista brasileiro, ao escrever o conto Teoria do Medalhão, o qual tem como pano de fundo uma conversa noturna entre pai e filho, faz uma crítica dura a um tipo específico de cidadão: o medalhão. Basicamente, ser medalhão era uma profissão social que consistia, nas palavras de Machado, no seguinte:
“Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente. [...] Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. No entanto, podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas ideias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito. As ideias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as sofreemos, elas irrompem e precipitam-se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo faro é extremamente delicado, distingue o medalhão completo do medalhão incompleto.”
Resumidamente, ser medalhão consiste em não só não ter ideias próprias, como também se esforçar para permanecer não as tendo.
De outro giro, há Liev Tolstói. Escritor russo e igualmente um grande realista, é responsável pelas obras Guerra e paz e Anna Kariênina, sendo que um dos personagens de sua criação tem conexão com a Teoria do Medalhão de Machado de Assis. Stiepan Arcadievitch, de Anna Kariênina, mesmo a mais de 10 mil quilômetros de distância, se mostrou um perfeito medalhão conforme a descrição do Bruxo do Cosme Velho.
De acordo com o pai de Janjão – jovem promissor como medalhão no conto –, o cumpridor de tal ofício não deve, de modo algum, “chegar a conclusões que não sejam as já achadas por outros” e, para mais, fugir de tudo que possa gerar reflexão, originalidade etc.
Mas onde está a conexão com Stiepan Arcadievitch de Tolstói? Tolstói, ele mesmo, nos conta de tal semelhança no seguinte trecho:
“Stiepan Arcáditch comprava e lia um jornal liberal, não em excesso, mas daquela tendência seguida pela maioria. E apesar de nem a ciência, nem a arte, nem a política o interessarem em especial, ele sustentava com firmeza, em todos esses assuntos, as opiniões seguidas pela maioria e pelo seu jornal, e só as modificava quando a maioria também as modificava.”
Assim, como um bom medalhão em ascensão, Stiepan fugia das ideias próprias e navegava com as ideias da maioria, sabia o suficiente de ciência, arte e política para que fosse possível sustentar um discurso respeitável em seu círculo social, como é indicado por Machado ser um dos melhores artifícios de um medalhão, no trecho:
“- Isto é o diabo! Não poder adornar o estilo, de quando em quando...- Podes; podes empregar umas quantas figuras expressivas, a hidra de Lerna, por exemplo, a cabeça de Medusa, o tonel das Danaides, as asas de Ícaro, e outras, que românticos, clássicos e realistas empregam sem desar, quando precisam delas. Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento.”
Ou, quando se refere à política, o pai instrui Janjão a “[...] dizes simplesmente: Antes das leis, reformemos os costumes! - E esta frase sintética, transparente, límpida, tirada ao pecúlio comum, resolve mais depressa o problema, entra pelos espíritos como um jorro súbito de sol”.
Dessa maneira, mantendo a boa conduta, agradando a todos e preservando ideias e discursos rasos e repetitivos – características tanto de medalhões e Stiepan Arcadievitch – torna-se possível prosperar na sociedade, ou melhor, na nata brasileira e russa do século XIX. Ou, quem sabe, Liev Tolstói e Machado de Assis apenas trouxeram para a literatura uma figura sempre presente em qualquer círculo social, e, mais ainda, em qualquer século.
Oi, Ana! Não conhecia a teoria do medalhão, mas ela se aplica mesmo a indivíduos de todos os tempos. Acho que é um termo muito pertinente nas discussões atuais...
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