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Pequenos fragmentos da vida pessoal de Liev Tolstói em Anna Kariênina


Ambientado na Rússia Czarista, Anna Kariênina teve sua primeira publicação em 1875 de forma incompleta, contendo apenas 14 capítulos. A história se inicia em meio a um drama familiar. O irmão e cunhada da nossa protagonista, Anna Kariênina, enfrentam problemas no casamento e Anna os visita na esperança de ajudá-los a encontrar uma conciliação. Neste meio tempo de deslocamento, entre ajudar o irmão e seu retorno à sua própria casa, onde lhe esperavam marido e filho, ela conhece o Conde Vronsky, com quem inicia um romance, trazendo reviravoltas e confusões para sua vida social e psicológica. Um tanto irônico, não?

O livro apresenta duas histórias paralelas. Além de Anna, acompanhamos também a história de Liévin, um homem culto e de fácil convívio que, apesar de ter muitos conhecidos na alta sociedade da época, rejeita essa vida de grandes eventos e reuniões, preferindo sua rotina na propriedade rural. Em diversos momentos, Liévin se mostra um homem apaixonado, de personalidade tranquila e amigável. Mas, apesar de bem informado sobre assuntos diversos, se sente inseguro perante as outras pessoas.

Todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira.

O romance traz assuntos que nos fazem refletir durante muito tempo. Às vezes são necessárias releituras. Num primeiro momento, a aparição tardia da protagonista causa estranhamento, assim como o grande foco dado em Liévin e seus intermináveis questionamentos internos. Para muitos, Liévin não seria o personagem principal, apenas um retrato do autor, Liev Tolstói. Observação feita inclusive pela sua esposa em um dos diversos momentos em que o autor buscou sua opinião sobre suas obras.

Liev Tolstói

A narrativa traz, portanto, dois personagens jogando o mesmo jogo, mas cada uma lidando com as consequências de uma forma diferente do outro. Liévin, racional, tem seu justo final feliz no qual soluciona suas questões e percebe que ama a sua familia, apesar de todas as dúvidas que ainda tinha sobre o que queria. Anna não teve essa chance. Mais emocional que todos, seu final trágico era quase certo e, apesar de ter sido inspirada em uma história real vista pelo autor, é também uma representação da consequência da juventude de que Tolstói tanto se culpava.

Lev Tolstói não foi o mais recatado dos jovens. Sua história de juventude regada a bebedeiras, jogos e até mesmo um filho com uma jovem camponesa nunca foram segredos. Mesmo após abandonar essa vida e anos depois se casar com Sophia Behrs, uma moça dezesseis anos mais nova, Tolstói ainda caminhava para se tornar o escritor que conhecemos hoje. Assim como seu personagem Liévin, o autor tinha muito medo da rejeição. Por isso, seu pedido de casamento foi em formato de carta. Também decidiu mostrar à esposa seu diário, onde contara tudo o que já havia feito no passado. Essa situação é recriada no romance entre os personagens Konstantin e Kitty.

Apesar do amor romântico entre Tolstói e sua esposa, há uma relação paternal entre eles, como alguém que busca moldar a outra pessoa durante sua criação.

Desde o início Sophia aceitou de bom grado a autoridade moral do marido, e em cartas escritas a Liev nos primeiros anos de casamento se refere a si mesma como sua “filha mais velha”.

Sophia Tolstói

Desde o começo do seu casamento, o autor vivia numa realidade não esperada por Sophia. A situação de pobreza em que se encontrava não condizia com seu título de conde e dinheiro obtido. Durante a época em que escrevia Anna Kariênina, Tolstói começou a ter algumas questões internas intensificadas, o que lhe causou uma crise depressiva. Assim, acabou por rejeitar de vez sua vida de luxo como membro da aristocracia e passou a se aprofundar numa nova teoria filosófica e também religiosa. Como ele mesmo disse em uma carta para Mahatma Gandhi, em 1910: 

Quanto mais tempo eu vivo — e principalmente agora que sinto com clareza a aproximação da morte — mais forte se torna a necessidade de transmitir a outras pessoas sobretudo aquilo que sinto tão profundamente e que, em minha opinião, é de enorme importância, a saber: o que chamam de não violência nada mais é que, em sua essência, a doutrina do amor, livre de falsas interpretações.

O Tolstoísmo, filosofia que prega o amor em sua forma plena, sem as distorções que surgem através da luxúria (relações sexuais de todos os tipos) e avarezas (como por exemplo, a propriedade privada) causou uma grande comoção e conflitos na Rússia e, principalmente, na casa de Tolstói. Foi durante esse período que a briga entre sua esposa e seu discípulo, Vladimir Tchertkov, começou. Tchertkov e outros seguidores buscavam que a propriedade fosse dada aos camponeses que ali trabalhavam e moravam e as obras tivessem seus direitos vendidos, passando a pertencer à população russa.

O encanto que Liévin experimentava no próprio trabalho, a proximidade que isso gerava entre ele e os mujiques, a inveja que sentia deles e de sua vida, o desejo de transferir-se para essa vida, que naquela noite fora para ele não um mero devaneio, mas sim um propósito, cuja execução ele ponderou em minúcias.

Neste aspecto diferenciam-se o autor, Tolstói, e o personagem, Liévin. Apesar de compartilharem o mesmo pensamento filosófico, divergem na sua execução. Liévin e Kitty se desentendem em alguns momentos quando falam sobre amor e sobre a vida na cidade e no campo, mas sempre chegam num entendimento e não colocam sobrepeso no outro para seguir o que acreditam. Já Tolstói pregava com muito afinco que devemos fazer tudo com amor e a liberdade que vem com o desapego a bens materiais e desejos humanos.

Tolstói e família (1905)

Sua esposa ia contra algumas dessas ideias, batendo de frente com algumas decisões do marido. Não por egoísmo e loucura, como por anos os discípulos de Tolstói afirmavam, mas porque era uma mulher que também queria ter seus direitos lembrados pelo homem com quem se casou. Sozinha, Sophia Tolstói cuidou dos treze filhos do casal, editou trabalhos do marido e, sozinha, era responsável pela alimentação e serviços da propriedade onde moravam, já que Tolstói não gostava da ideia de ter empregados.

Felizmente, graças aos novos estudos sobre a vida dos Tolstói e a publicação dos diários de Sônia, essa imagem pôde ser mudada. Ao invés de egoísta, Sophia Tolstói foi uma mulher que abdicou de sua paixão por fotografia, teve seus trabalhos escritos ignorados e quase não participava da vida social de bailes em Moscou, que tanto desejava. Assim, conseguimos ver que o amor que Liev Tolstói pregava para seu público e seguidores era diferente do amor que era visto em sua casa.


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Referências

Carolina Pereira
Santista, 20 anos, estudante de psicologia e de filosofia. Amante de idiomas, café, mar e tudo o que Edgar Allan Poe tenha colocado no mundo. De vez em quando tem vontade de fugir e viver como um hobbit.

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