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Mulherzinhas nos ensina a abraçar a nossa liberdade


Na época difícil da Guerra Civil, a família March parece criar sua própria alegria. Quando conhecemos Mulherzinhas (Little Women no original), é impossível não se apaixonar pela linda união entre Marmee e suas quatro filhas, que têm sonhos, talentos e posturas diferentes, bem como uma conexão inabalável. Inspirada na própria vida da autora Louisa May Alcott, a história ambientada predominantemente em Concord, nos Estados Unidos, acompanha o amadurecimento das irmãs Jo, Meg, Amy e Beth durante o final do século XIX. 

Após recusar o pedido de casamento de Laurie e saber que será Amy quem acompanhará tia March à Europa, Jo se deprime ao pensar que nunca se adaptará, pois acredita que é feia, desajeitada e sempre diz a coisa errada. Apesar de ter uma visão distorcida da sua verdadeira essência, Jo tem, de fato, um diferencial subversivo, mas admirável. Aconselhada por Marmee, ela viaja à Nova York para publicar suas escritas, o que não era facilmente conquistado por uma mulher do século XIX – seu pseudônimo masculino para Joseph March, Jo, facilita essa conquista.

“Jo, você tem tantos talentos extraordinários. Como pode esperar levar uma vida normal? Você está pronta para sair e fazer bom uso do seu talento. Embora eu não saiba como farei sem a minha Jo. Vá, abrace sua liberdade e veja que coisas maravilhosas acontecem.”

A primogênita é tudo que a sociedade espera de uma moça. Meg é disciplinada e sonha em casar e ter uma família, “uma casa linda e coisas lindas”. Após ver de perto a essência deplorável da alta sociedade, ela percebe que prefere abrir mão de uma vida financeiramente confortável para ser feliz ao lado do tutor de Laurie, John, digno de todo seu amor. Amy, a ultimogênita, é a escolhida para viajar à Europa com tia March e estudar pintura. Ela é parecida com Meg, mas é um pouco mais teimosa em acreditar que ter estabilidade financeira é essencial para ser plenamente feliz. Assim como a irmã, Amy se rende ao amor.

“Eu só me preocupo com o que pensa de si mesma. Se acha que seus valores se resumem em ser um bibelô, eu temo que algum dia você possa acreditar que realmente é apenas isso. O tempo destrói toda beleza, mas não pode diminuir aquilo maravilhoso que tem na mente. Seu humor, sua bondade e sua coragem moral. São as coisas que eu admiro em você. Eu gostaria tanto de dar às minhas filhas um mundo mais justo, mas sei que farão dele um lugar melhor.”

Beth é tímida, bondosa, toca piano, tem desejos simples e pouco tempo para contar sua história. Em um determinado momento, ela revela que nunca foi como as irmãs, fazendo planos sobre grandes coisas, pois nunca se achou grande coisa. As mulheres são influenciadas a pensarem pequeno, como se não fossem capazes de desempenhar outros papéis além do de mãe e esposa. Mulherzinhas nos ensina a ver a vida com um olhar repleto de coragem e perseverança para realizar nossos verdadeiros desejos, independentemente da época e do quão desafiador possa ser afrontar a sociedade.

Para Louisa, escrever era uma paixão desde a infância. Sua imaginação se transformava em manuscritos que serviam como roteiro para atuar em peças de teatro com suas irmãs. Confrontando uma sociedade que oferecia poucas oportunidades às mulheres, Louisa escreveu em seu diário: “Farei alguma coisa aos poucos. Não me importa o que, ensinar, costurar, atuar, escrever, qualquer coisa para ajudar a família; e serei rica e famosa e feliz antes de morrer, veja se não serei!”. Ela realizou muitos trabalhos e conseguiu publicar algumas de suas escritas. Em 1868, pediram à Louisa que escrevesse uma “história de menina”, que se dividiu em duas partes.

Quando conhecemos o final de Mulherzinhas, podemos achar incoerente a união entre Jo e o professor de Filosofia Friedrich, visto que ela é contra casamento ou, então, pensávamos que casaria com Laurie. Louisa se viu obrigada a casar as três irmãs para que sua obra literária fosse bem-sucedida: “Meninas escrevem para perguntar com quem as mulherzinhas casam, como se esse fosse o único objetivo e fim da vida de uma mulher”. A solução para amenizar sua frustração foi inventar um pretendente sem sentido para Jo. 

“Não casarei Jo com Laurie para agradar alguém.”

Meg e Amy sempre sonharam em casar, o que não precisa ser considerado errado. Casar é uma escolha, entre muitas outras que podem ser realizadas ao longo da vida de uma mulher. No fim do dia, todas concordamos que é melhor dormir à noite sabendo que o amor guiou nossas ações. Uma mulher deve amar sua liberdade de lutar pelo que faz sentido em seu coração, pois, um dia, o presente será um passado distante e felicidade será saber que os sonhos foram vividos, não os medos. O que importa é sermos verdadeiramente felizes com nossas escolhas, verificando se estas não são influenciadas pela sociedade e tendo em mente que somos capazes de desempenhar qualquer papel.

“Todas vamos crescer algum dia. Devemos saber o que queremos.”

Em dezembro de 1994, Adoráveis Mulheres estreava nos Estados Unidos, uma adaptação cinematográfica de Mulherzinhas que conquistou três indicações ao Oscar e era considerada um “needle in the eye movie” – expressão que significa que os homens prefeririam fincar uma agulha no olho do que assistir ao filme. Gillian Armstrong, diretora de Adoráveis Mulheres, disse ao jornal The New York Times: 

“Quinze homens de terno assistiram [ao corte bruto] e um dos momentos mais emocionantes e memoráveis da minha vida foi quando as luzes se acenderam e eles disseram: ‘Estávamos temendo tendo que vir e ver este filme de menininha, mas amamos e choramos. Queremos lhe dar um pouco mais de dinheiro.”

Uma das razões que diferencia a adaptação de 1994 das de 1933 e 1949 é a exposição de detalhes essenciais que dão voz à Louisa. Em uma entrevista ao jornal Los Angeles Times, Robin Swicord, roteirista de Adoráveis Mulheres, disse: “Eu tentei escrever o filme como imaginava que ela teria escrito hoje, livre das restrições culturais da época em que viveu”. A segunda parte de Mulherzinhas se tornou mais convencional, mas quando sabemos o porquê, também se torna mais significativa. Apesar de não ter agradado sua autora, é impressionante como a história da obra e de sua criação se conectam, relevando as mensagens que ela desejava expor.

Para dirigir Adoráveis Mulheres, Gillian realizou uma enorme pesquisa sobre a obra e descobriu que esta foi muito radical para a época, pois havia uma habitual idealização que era atribuída às crianças de livros infantis, especialmente meninas. As crianças de Louisa eram reais, afinal, foram inspiradas na sua realidade. Gillian disse à revista Vulture: 

“Elas são más uma com a outra, têm inveja uma da outra e são confusas. Ela realmente capturou jovens meninas crescendo e eu acho que esse é o porquê de ter resistido ao teste do tempo.”

Não é à toa que a “história de menina” de Louisa tenha passado por tantas adaptações, sendo a mais recente produzida em 2019. É uma obra clássica atemporal que apresenta temas urgentes, mesmo após 154 anos, e ressoa uma mensagem particular em cada pessoa. Enquanto olha para as coisas de Beth guardadas em um baú, Jo pensa em escrever sobre si e suas irmãs. Nesse momento, nasce as primeiras ideias do que será o primeiro romance publicado em seu nome, inspirado em suas experiências e escrito com toda sua alma. É devido à coragem e perseverança que Josephine March é reconhecida por sua escrita... como tudo é.

Referências 


Comentários

  1. Li o livro há muitos anos e confesso que esqueci de grande parte da narrativa. Preciso reler com calma e um olhar mais apurado!

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