Sua
escrita apresentava uma narrativa ultrarromântica caracterizada pela
representação das mazelas vividas diante da escravidão e a desesperança frente
à vida, ao amor e à realidade. Professora, poeta, compositora e colaboradora de
jornais do Maranhão, foi protagonista em outros futuros que seguiriam seus
próprios passos quando, no início de 1880, fundou uma escola para meninos e
meninas, sendo esta a primeira do estado e uma das primeiras do país. Filha
bastarda de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis, a escritora ficara
órfã aos cinco anos, mudando assim para a vila de São José de Guimarães,
acolhida por sua tia materna, presença crucial em sua formação. Desde esse
momento, iniciava então o seu contato com as letras.
A voz da mulher escravizada foi silenciada por muito tempo, calada duas vezes por ser mulher e também por ser negra, e tamanho preconceito se faz presente até os dias atuais. Maria Firmina dos Reis foi crítica quando escreveu o conto "A Escrava". A obra apresenta uma mulher branca, que conduz a narrativa abordando seus sentimentos e também sua visão abolicionista diante da elite privilegiada, escondida em uma imagem disfarçada, se dizendo ser defensora da moral e da escravidão. A personagem em destaque entra em cena ao centralizar Joana, uma escrava em fuga, dando a ela um lugar e uma voz outrora silenciada. Joana é vista como uma crítica social e política contra o sistema escravagista e de intensa discriminação do contexto pré-abolição. "A Escrava" reflete a representação da imagem da democracia escravocrata no século XIX. O conto serve como molde perfeito que encaixa a exposição dos males da escravidão ao público leitor.
“Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e sempre será um grande mal. Dela a decadência do comércio; porque o comércio, e a lavoura caminham de mãos dadas, e o escravo não pode fazer florescer a lavoura; porque o seu trabalho é forçado. Ele não tem futuro; o seu trabalho não é indenizado; ainda dela nos vem o opróbrio, a vergonha; porque de fronte altiva e desassombrada não podemos encarar as nações livres; por isso que o estigma da escravidão, pelo cruzamento das raças, estampa-se na fronte de todos nós.”
Escrito poucos meses antes da Lei Áurea (1888), a obra possui caráter abolicionista, na qual são expostas atitudes preconceituosas desde pessoas de alta importância até a vivência cotidiana da escrava Joana e todo seu sofrimento, com o intuito de chocar o que parecia tão banal e normalizado naquela época.
A escritora derrama em palavras
toda sua luta e a de tantos outros escravos, apresentando tamanha dor interna e também revolta pela dor de Joana e pela entrega de Gabriel a qualquer sacrifício
para que pudesse defender a mãe, a fim de que ela não sofresse mais do que já sofrera. Maria usou sua melhor arma
para contribuir com o abolicionismo, a escrita, sendo esta também a sua voz, eternizada na literatura.
Joana teve sua liberdade, mas foi reescravizada. Tal situação fez com que
houvesse mais revolta, pois fugia constantemente, e era cada vez mais violentada, o que a fez enlouquecer, principalmente quando tiraram dois de
seus filhos, Carlos e Urbano — vendidos para o tráfico e levados para o Rio de Janeiro.
Após o encontro com a senhora que
lhe ajudara, Joana narra as memórias de
todas as suas vivências e os males que a perseguiram, uma trajetória de vida
marcada pelas cenas da escravidão. A partir daí, passa a ser a narradora do conto, que até o momento estava sendo narrado pela senhora branca que a escondeu e
ofereceu proteção a ela e seu filho.
Há no conto o retrato de uma mulher negra que vivia em fuga e que era tida como “douda” por aqueles que a procuravam. Tal percepção nos faz entender como a pobre mulher aos poucos partia dessa vida, pois tanto já havia sofrido e perdido.
“– Não sabe, minha senhora, eu morro, sem ver mais meus filhos! Meu senhor os vendeu... eram tão pequenos... eram gêmeos. Carlos, Urbano...
Tenho a vista tão fraca... é a morte que chega. Não tenho pena de morrer, tenho pena de deixar meus filhos... Meus pobres filhos!... Aqueles que me arrancaram destes braços... este que também é escravo!...”
Joana partiu nesse mesmo momento, mas cada sofrimento vivido por ela só a deixava mais perto da despedida; em seus momentos finais não houvera paz, pois lembravam apenas os momentos de sua dor e as perdas. Houve apenas o conforto de ter ao seu lado o seu filho, e os cuidados de alguém que por uma única vez a olhou. Mas até depois da morte seus captores ainda a procuraram.
“– Sei que esta negra está morta, exclamou ele, e o filho acha-se aqui: tudo isto teve a bondade de comunicar-me ontem. Esta negra, continuou, olhando fixamente para o cadáver – esta negra era alguma coisa monomaníaca, de tudo tinha medo, andava sempre foragida, nisto consumiu a existência. Morreu, não lamento esta perda; já para nada prestava.”
O final do conto é narrado pela senhora anônima, a mesma que salvara Joana e concedeu liberdade a Gabriel, aquela que ousou ter uma voz abolicionista e usou de sua posição para defender quem era silenciado. Percebe-se nela uma diferença cabal daqueles que se diziam defensores da moral e do cristianismo, o que ficava apenas na teoria e no discurso.
– Desculpe-me, senhor Tavares, disse-lhe:Em conclusão, apresento-lhe um cadáver e um homem livre.Gabriel ergue a fronte, Gabriel és livre!
Maria Firmina dos Reis dizia que a escravidão
atrasava o progresso do país, com este ficando pra trás de tantas outras nações. Pois
a escravidão é e sempre será um grande mal, e que infelizmente ainda persiste.
Referências
- A escrava (Maria Firmina dos Reis)
- Resenha - A escrava (Memorial de Maria Firmina dos Reis)
- Maria Firmina dos Reis (Literafro - Literatura Afro-Brasileira)
Arte em destaque: Caroline Cecin
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