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Maria Firmina dos Reis e sua voz abolicionista no conto "A Escrava"


Tida como a primeira mulher romancista do Brasil, Maria Firmina dos Reis se destacou entrando para a história da literatura brasileira há dois séculos como a mulher que lançou sua voz como pioneira no movimento abolicionista através também de sua escrita. Nascida em São Luís do Maranhão, Maria Firmina dos Reis foi uma escritora negra que marcou presença por seu destaque na literatura, sua representatividade e mudança no meio disso tudo, estando à frente de seu tempo, alcançando um futuro que chegaria apenas anos depois. Mostrou-se gigante em uma época que restringia a voz feminina, pois sua posição, e a de tantas outras mulheres, deveria ser e estar direcionada aos cuidados com a casa e a família, mas seguir tais passos não era o que a definia, tampouco se fazia presente em seus anseios.

Sua escrita apresentava uma narrativa ultrarromântica caracterizada pela representação das mazelas vividas diante da escravidão e a desesperança frente à vida, ao amor e à realidade. Professora, poeta, compositora e colaboradora de jornais do Maranhão, foi protagonista em outros futuros que seguiriam seus próprios passos quando, no início de 1880, fundou uma escola para meninos e meninas, sendo esta a primeira do estado e uma das primeiras do país. Filha bastarda de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis, a escritora ficara órfã aos cinco anos, mudando assim para a vila de São José de Guimarães, acolhida por sua tia materna, presença crucial em sua formação. Desde esse momento, iniciava então o seu contato com as letras.

A voz da mulher escravizada foi silenciada por muito tempo, calada duas vezes por ser mulher e também por ser negra, e tamanho preconceito se faz presente até os dias atuais. Maria Firmina dos Reis foi crítica quando escreveu o conto "A Escrava". A obra apresenta uma mulher branca, que conduz a narrativa abordando seus sentimentos e também sua visão abolicionista diante da elite privilegiada, escondida em uma imagem disfarçada, se dizendo ser defensora da moral e da escravidão. A personagem em destaque entra em cena ao centralizar Joana, uma escrava em fuga, dando a ela um lugar e uma voz outrora silenciada. Joana é vista como uma crítica social e política contra o sistema escravagista e de intensa discriminação do contexto pré-abolição. "A Escrava" reflete a representação da imagem da democracia escravocrata no século XIX. O conto serve como molde perfeito que encaixa a exposição dos males da escravidão ao público leitor.

“Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e sempre será um grande mal. Dela a decadência do comércio; porque o comércio, e a lavoura caminham de mãos dadas, e o escravo não pode fazer florescer a lavoura; porque o seu trabalho é forçado. Ele não tem futuro; o seu trabalho não é indenizado; ainda dela nos vem o opróbrio, a vergonha; porque de fronte altiva e desassombrada não podemos encarar as nações livres; por isso que o estigma da escravidão, pelo cruzamento das raças, estampa-se na fronte de todos nós.”

Escrito poucos meses antes da Lei Áurea (1888), a obra possui caráter abolicionista, na qual são expostas atitudes preconceituosas desde pessoas de alta importância até a vivência cotidiana da escrava Joana e todo seu sofrimento, com o intuito de chocar o que parecia tão banal e normalizado naquela época. 

A escritora derrama em palavras toda sua luta e a de tantos outros escravos, apresentando tamanha dor interna e também revolta pela dor de Joana e pela entrega de Gabriel a qualquer sacrifício para que pudesse defender a mãe, a fim de que ela não sofresse mais do que já sofrera. Maria usou sua melhor arma para contribuir com o abolicionismo, a escrita, sendo esta também a sua voz, eternizada na literatura.

Joana teve sua liberdade, mas foi reescravizada. Tal situação fez com que houvesse mais revolta, pois fugia constantemente, e era cada vez mais violentada, o que a fez enlouquecer, principalmente quando tiraram dois de seus filhos, Carlos e Urbano — vendidos para o tráfico e levados para o Rio de Janeiro. 

Após o encontro com a senhora que lhe ajudara, Joana narra as memórias de todas as suas vivências e os males que a perseguiram, uma trajetória de vida marcada pelas cenas da escravidão. A partir daí, passa a ser a narradora do conto, que até o momento estava sendo narrado pela senhora branca que a escondeu e ofereceu proteção a ela e seu filho. 

Há no conto o retrato de uma mulher negra que vivia em fuga e que era tida como “douda” por aqueles que a procuravam. Tal percepção nos faz entender como a pobre mulher aos poucos partia dessa vida, pois tanto já havia sofrido e perdido.

“– Não sabe, minha senhora, eu morro, sem ver mais meus filhos! Meu senhor os vendeu... eram tão pequenos... eram gêmeos. Carlos, Urbano...

Tenho a vista tão fraca... é a morte que che­ga. Não tenho pena de morrer, tenho pena de dei­xar meus filhos... Meus pobres filhos!... Aqueles que me arrancaram destes braços... este que também é escravo!...”

Joana partiu nesse mesmo momento, mas cada sofrimento vivido por ela só a deixava mais perto da despedida; em seus momentos finais não houvera paz, pois lembravam apenas os momentos de sua dor e as perdas. Houve apenas o conforto de ter ao seu lado o seu filho, e os cuidados de alguém que por uma única vez a olhou. Mas até depois da morte seus captores ainda a procuraram. 

“– Sei que esta negra está morta, exclamou ele, e o filho acha-se aqui: tudo isto teve a bondade de comunicar-me ontem. Esta negra, continuou, olhando fixamente para o cadáver – esta negra era alguma coisa monomaníaca, de tudo tinha medo, andava sempre foragida, nisto consumiu a existência. Morreu, não lamento esta perda; já para nada prestava.”

O final do conto é narrado pela senhora anônima, a mesma que salvara Joana e concedeu liberdade a Gabriel, aquela que ousou ter uma voz abolicionista e usou de sua posição para defender quem era silenciado. Percebe-se nela uma diferença cabal daqueles que se diziam defensores da moral e do cristianismo, o que ficava apenas na teoria e no discurso.

– Desculpe-me, senhor Tavares, disse-lhe:
Em conclusão, apresento-lhe um cadáver e um homem livre.
Gabriel ergue a fronte, Gabriel és livre! 

Maria Firmina dos Reis dizia que a escravidão atrasava o progresso do país, com este ficando pra trás de tantas outras nações. Pois a escravidão é e sempre será um grande mal, e que infelizmente ainda persiste.

Referências 

 


Arte em destaque: Caroline Cecin
Lyriel Damasceno
Amante da arte, cinéfila na maior parte do tempo e leitora assídua nas horas vagas. Aspirante a escritora que transborda na poesia das canções de Taylor Swift e sofre incondicionalmente por Crepúsculo, Antes do Amanhecer e Sociedade dos Poetas Mortos. Suas principais inspirações se fazem presentes nas escritas de Jane Austen, na poesia de Emily Dickinson e na melancolia de Clarice Lispector.

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