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O início do blind item: a criação da fofoca anônima em meados de 1800


Com o advento da internet, um formato de fofoca ficou muito popular: o blind item ou blind gossip, que é uma informação (geralmente escandalosa) sobre alguém famoso. Tanto a vítima como o autor são ocultados quando a informação é postada, podendo a "vítima" ser revelada depois. Redes sociais como o DeuxMoi e sites como Crazy Days and Nights e Blind Gossip são muito populares na internet e são criados com o propósito de expor informações sobre famosos. Apesar de parecer um fenômeno recente, o blind item surgiu em meados de 1800 nos Estados Unidos com uma história surpreendente e, claro, escandalosa. 

Tudo começou em um jornal de Nova York chamado "The American Queen". O jornal, inicialmente, possuía artigos sobre arte, música, literatura e outros assuntos considerados importantes para a sociedade. No entanto, ele estava falido, e por isso foi vendido para os irmãos Mann. Um dos irmãos, Eugene Mann, transformou o jornal, começando pelo nome, que se tornou "Town Topics: The Journal of Society" (publicado entre 1885 e 1937), também mudou a estética da publicação. No entanto, sua participação foi finalizada nesse ponto, já que ele foi forçado a sair da cidade por causa de um processo. O outro irmão, William Mann, ex-soldado que lutou na Guerra Civil, tornou-se o responsável pelo jornal e decidiu inserir a seção "Saunterings", com o intuito de expor assuntos delicados sobre a alta sociedade para que as pessoas pudessem se interessar e ele, dessa maneira, pudesse capitalizar em cima disso. 

Coronel William Mann

Para ter acesso às histórias, William pagava camareiras, garçons, secretárias e qualquer outra pessoa que pudesse ter informações sobre a alta sociedade; essas pessoas eram pagas não só para "contar as fofocas", mas também para ficarem de olho nos alvos e descobrir o que pudessem. Quando isso aconteceu, William teve outra ideia: acordos para enterrar as histórias sob pagamento. Bem parecido com chantagem, nem é necessário dizer. Assim, para não ter a vida pessoal e os escândalos expostos no jornal, as vítimas tinham de comprar espaços destinados à propaganda ou financiar os livros que Mann lançava.

Para não ser processado pela exposição da vida privada, William Mann desenvolveu um método sagaz: em uma página havia o nome da pessoa envolvida numa história simples, sem graça e desinteressante; do outro lado, era publicado o escândalo com o nome censurado. As pessoas somavam um mais um e sabiam que a pessoa da página anterior era a mesma do escândalo, mas como um artigo não estava diretamente ligado ao outro, ele evitava maiores dores de cabeça judiciais.

Aqui, uma fofoca publicada em 19 de Outubro de 1899:

"A srta. Elizabeth Marbury é responsável por uma declaração feita durante seu retorno da Europa no último sábado, que a srta. Cora Potter disse para ela que a razão para não voltar à América para tocar nessa temporada, era que ela (Srta. Potter) não queria estar aqui enquanto seu marido, Sr. James Brown Potter, estava casando com a Srta. May Handy de Richmond... Se a Srta. Marbury foi citada corretamente, e se ela citou a Srta. Potter corretamente, essa é a primeira informação definitiva de que ela e o Sr. James Brown Potter se divorciaram."

O escândalo "Saunterings"

Como dito acima, "Saunterings" era a seção do jornal na qual a alta sociedade lia sobre ela mesma. 

Em 1905, Edwin Post foi visitado pelo representante da Town Topics, Charles Ahle. Este ofereceu uma proposta a Post: se comprasse a cópia do livro America's Smart Set, prestes a ser lançado (tal livro era uma versão semelhante ao conhecido Who's Who), por quinhentos dólares, Edwin não leria um escândalo sobre ele mesmo no jornal - no caso, uma informação sobre uma amante fixa e o apartamento que Post havia comprado exclusivamente para ficar com ela (o que era comum na época, mas mesmo assim não era algo falado em voz alta). Post disse que iria pensar sobre a proposta, e ao invés disso, foi atrás da polícia, e juntos criaram uma armadilha. Edwin Post encontrou Ahle para entregar o dinheiro, e no momento da entrega, um policial prendeu o representante do Town Topics

Para tornar mais escandalosa a situação, um jornal rival decidiu expor que Mann pagava um juiz conhecido na alta sociedade para obter informações. Muitas personalidades conhecidas na época, como John Jacob Astor, Stanford White e William K. Vanderbilt Jr., foram envolvidas no escândalo, pois pagaram o jornal para que histórias não fossem reveladas. Essa situação terminou em um processo judicial.  Mann se defendeu dizendo que estava em "uma missão moral". Também fez a seguinte declaração: "Minha ambição é reformar Os Quatrocentos, fazendo eles sentirem tanto nojo deles mesmos que não conseguirão mais continuar com suas vidas bobas e vazias". E continuou afirmando que "estava ensinando os americanos a pararem de se importar com esses idiotas". Os Quatrocentos (The Four Hundred) era uma lista com os membros da alta sociedade da Era Dourada, feita pela Sra. Astor. A lista oficial foi publicada em fevereiro de 1892, pelo jornal The New York Times.

Caroline Schermerhorn Astor, a Mrs. Astor

Infelizmente, muitas pessoas tiveram suas vidas arruinadas nesse escândalo, e uma delas foi a escritora Emily Post. A autora sabia das traições do marido, e o casamento estava com problemas fazia um tempo. No entanto, foi extremamente humilhante para ela ver sua vida exposta dessa maneira tão vulgar. Ainda assim, ela se manteve firme durante o julgamento, escutou calmamente o testemunho de seu marido contra Charles Ahle e, após seis meses do ocorrido, divorciou-se do marido. Como consequência disso, Mann perdeu todo seu dinheiro e sua casa em indenizações. 

Apesar disso, o interesse na vida dos famosos se manteve firme e faz parte do entretenimento atual. Jornais, sites, blogs e redes sociais usam da vida privada e de informações sem embasamento sobre celebridades como forma de conteúdo, que é absorvido e repassado em massa. Muitas vezes as fontes são anônimas e essas páginas são pagas para expor ou esconder escândalos. Apesar de boa parte não passar de conjecturas e baboseira prejudicial, muitas eram reais e ajudaram a expor escândalos que hoje são notórios, como os casos de Harvey Weinstein, Kevin Spacey e o envolvimento de Allison Mack em uma seita que explorava mulheres. 

Referências 


Arte em destaque: Caroline Cecin


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