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O impacto social dos X-Men


X-Men é uma equipe de super-heróis da Marvel Comics que surgiu nos anos 1960 e, apesar de terem sido criados por Stan Lee e Jack Kirby, dois grandes nomes da literatura nos quadrinhos da época, a equipe não fez muito sucesso e foi cancelada, sumindo das bancas em 1970. Somente após 1975 os X-Men voltaram, sendo reformulados por artistas como Len Wein, Chris Claremont e John Byrne, homens que já tinham um nome conhecido em outros trabalhos dentro da Marvel. Foi nessa segunda versão que a equipe finalmente ganhou destaque com o público.

Seu cancelamento provavelmente foi devido a maioria dos leitores de quadrinhos naquela época serem garotos brancos da classe média que não estavam prontos ou interessados em ler uma metáfora sobre a luta dos negros e outras minorias. Sem contar que, ainda naqueles anos, os Estados Unidos discutia os direitos civis. Os afrodescendentes sofreram uma situação social de marginalidade ao confrontar a sociedade “padrão” dos brancos. No país, os negros da região Sul não podiam sentar nos assentos dos ônibus ou, se pudessem, tinham que ceder lugar para um branco, caso ele estivesse em pé. As escolas eram segregadas e os espaços públicos também.

Com isso, surgiram diversos movimentos de resistência. Havia uma ala mais “moderada” que pregava a convivência pacífica entre brancos e negros, liderada pelo pastor Martin Luther King Jr. Por outro lado, existia uma facção que pregava a violência e a supremacia dos negros perante os brancos, liderada por Malcolm X. Nenhum dos dois sobreviveu aos anos 1960, já que ambos foram assassinados.

Esse conflito de ideias inspirou os quadrinistas a escreverem sobre a situação atual do país. Mas como o tema era muito polêmico e os quadrinhos sofriam rigorosa fiscalização moral, a dupla decidiu disfarçar a questão e criou o conceito de mutantes: seres humanos que nascem com habilidades especiais (superpoderes) que os diferem dos outros, normais. Isso leva a um ambiente de segregação e perseguição por parte da sociedade, nascendo a famosa frase de Lee: “heróis que são odiados pela humanidade que juraram defender”.

Assim, o Professor X, Charles Xavier, encarna o ideal de convivência pacífica de Martin Luther King, e funda os X-Men para proteger a humanidade e os mutantes (inclusive deles próprios). E há o terrorista Erik Lehnsherr (sua identidade só foi revelada décadas depois, assim como o seu nome verdadeiro, Max Eisenhardt), conhecido como Magneto, que reúne a Irmandade de Mutantes, encarnando o ideal de supremacia de Malcolm X.

Há quem diga que a grande rivalidade entre esses dois personagens, ambos líderes de lados opostos, deu início a maior história de "Enemies to friends to enemies again and to lovers" ("de inimigos a amigos e então a inimigos novamente, e depois amantes") que conhecemos até hoje.

A equipe original dos X-Men, além do próprio Charles Xavier, era formada por: Ciclope (Scott Summers), o líder capaz de disparar rajadas ópticas de grande intensidade; Garota Marvel (Jean Grey), uma telecinética, ou seja, ela podia mover objetos com o poder da mente; Fera (Hank McCoy), um jovem brilhante que tem uma aparência animalesca (pés e mãos muito grandes, corpo arqueado), força, velocidade e agilidade muito acima dos níveis normais; Homem de Gelo (Bobby Drake), capaz de recobrir o corpo com gelo e manipular a umidade para formar peças de gelo como pontes, estacas e bolas, além de ser o caçula da equipe; e Anjo (Warren Worthington III), um jovem milionário dotado de asas que lhe permitiam voar. Todos eram adolescentes, na faixa dos 14 aos 17 anos.

Já a Irmandade de Mutantes era formada por Magneto, dotado de poderosos poderes magnéticos que o permitiam manipular qualquer substância metálica. E os outros membros eram mais voláteis: o velocista Mercúrio (Pietro Maximoff) e sua irmã, Feiticeira Escarlate (Wanda Maximoff), capaz de manipular a realidade, eram mantidos na equipe quase como reféns, porque Magneto havia lhes salvado a vida, mas não concordavam inteiramente com os métodos do vilão. Os outros membros da Irmandade eram coadjuvantes, como Groxo (dotado de agilidade), Mestre Mental (podia manipular mentes e criar ilusões) e Blob (um sujeito gordo que era invulnerável e impossível de ser removido de um lugar; aliás esse é um superpoder gordofóbico).

A equipe mudou totalmente a ideia de que ter superpoderes poderia ser uma coisa boa. Diferentemente da maioria dos super-heróis, até mesmo dentro da própria Marvel, como o Quarteto Fantástico, o Homem-Aranha, o Incrível Hulk, o Poderoso Thor, o Homem de Ferro etc., que eram amados pelo público nas histórias, os X-Men eram odiados e temidos justamente por serem diferentes, por terem habilidades super-humanas. Suas histórias, em grande parte, são uma alegoria sobre a questão racial e também sobre o conflito entre gerações, afinal, os X-Men sempre foram retratados como jovens. A discriminação não é apenas por eles serem uma raça diferente, mas por representarem a ideia do novo, os inevitáveis herdeiros da raça humana. Basicamente, temos uma história de pais vs. filhos, sociedade vs. minorias. É uma metáfora de uma sociedade em decadência que normalizou a opressão, mas na qual ainda há os que resistem ao sistema.

A Marvel copiou descaradamente a DC? 

Uma das primeiras polêmicas em torno dos X-Men são as questões editoriais: criou-se a impressão de que os mutantes de Lee e Kirby eram um plágio da Patrulha do Destino, criada por Arnold Drake um mês antes da estreia da equipe de Xavier. Como a indústria de quadrinhos era pequena e praticamente todos se conheciam, não é impossível que Stan Lee tenha sabido da produção do novo grupo de Drake e tenha “copiado” algumas ideias.

Existem algumas coincidências entre as duas equipes, sendo a principal delas ambas terem como líder um senhor de mais idade, preso em uma cadeira de rodas, e os dois líderes serem severos com os seus aprendizes. Também há o fato dos membros serem párias dentro da sociedade. E, por fim, ambos os grupos combateram outro chamado Brotherhood of Evil (Irmandade do Mal), embora a Marvel tenha adicionado “mutants” no final do seu grupo (ficando The Brotherhood of Evil Mutants, ou Irmandade dos Mutantes Malignos; sempre chamada no Brasil apenas de Irmandade de Mutantes).

Outro elemento curioso relacionando os X-Men a DC Comics vem de uma teoria dos fãs: a de que Lee e Kirby tenham criado os poderes da equipe a partir do Super-Homem. Isso explicaria o porquê do Ciclope disparar rajadas ópticas tais quais a visão de calor; o Fera ser super-forte; o Anjo voar; o Homem de Gelo corresponder ao sopro gélido; e a Garota Marvel usar a telecinese para criar campos de força, equivalentes à invulnerabilidade. Isso nunca foi confirmado pelos autores.

Se essas informações e teorias são verídicas ou não, provavelmente nunca saberemos. Se for verdade, será apenas mais um exemplo do famoso lema: nada se cria, tudo se copia (e está tudo bem). Porém, podemos acreditar que a Marvel conseguiu trabalhar bem melhor com os X-Men do que a DC com a Patrulha do Destino, tanto no quesito de história quanto no desenvolvimento dos personagens, então seria basicamente uma cópia melhor do que a ideia original.

Os mutantes nas telas do cinema 

O primeiro filme dos X-Men não foi uma superprodução milionária e não havia nenhuma superestrela envolvida com os papéis principais. O diretor do filme, Bryan Singer, era apenas conhecido por ter feito coisas como Os Suspeitos e O Aprendiz.

Singer aceitou dirigir um filme dos X-Men porque viu ali uma chance de fazer uma história sobre discriminação. Por ser homossexual assumido, esse era o ponto em que o diretor se identificava com os mutantes e acreditava no potencial de uma adaptação, segundo ele.

Quando Halle Berry assinou o contrato para viver a personagem Tempestade, ainda não havia ganhado um Oscar. Os mais famosos no elenco, de fato, eram Patrick Stewart (o Capitão Picard de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração), como Professor X, e Ian Mckellen, indicado ao Oscar por Deuses & Monstros, como Magneto. No papel de Wolverine, o verdadeiro protagonista do filme na época era um desconhecido ator australiano chamado Hugh Jackman.

Lançado em 2000, o filme estourou nas bilheterias, e de certa forma, junto de Blade, dirigido por Guillermo Del Toro, ambos deram início à febre dos filmes baseados em super-heróis dos quadrinhos. Foi graças ao sucesso de X-Men que os estúdios passaram a acreditar mais no gênero, e surgiram outras adaptações do gênero, como Homem-Aranha, Batman Begins e Homem de Ferro.

Embora a qualidade das adaptações seja um tópico polêmico e sensível entre alguns fãs mais radicais, o sucesso comercial das obras é inegável, e grande responsável pela popularidade que os mutantes têm hoje, conquistando inclusive novos leitores para os quadrinhos.

Com quase 60 anos de história, X-Men abriu muitas discussões sobre política, raça, sexualidade e resistência, tanto nos filmes quanto nos quadrinhos. Seu legado pode ser considerado importante e necessário até os dias atuais, apesar de sua mensagem não ser clara para todos, levando em conta a terrível e enorme quantidade de pessoas preconceituosas e ignorantes que se dizem fãs da equipe.

Mas sabemos que se o Magneto vir algumas dessas pessoas por aí, ele não irá hesitar em dar uma “aulinha” bem caprichada, assim como fez com os nazistas que encontrou no meio do seu caminho. Mutante e orgulhoso.

Referências

  • A história dos X-Men nos quadrinhos (Irapuan Peixoto)
  • X-Men: 50 anos de um fenômeno da ficção (Nano Souza)
  • X-Men: a série animada e o impacto social nos anos 90 (Thais Nascimento)


Arte em destaque: Caroline Cecin

Sharline Freire
Estudante e leitora voraz de fanfics, assiste filmes e séries mais do que deveria e escuta músicas dos anos 40. Parece fria e séria, mas já chorou escrevendo sobre Sherlock Holmes e John Watson na internet.

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