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As Bruxas de Salem: a caça à mulher liberta do teatro para as telonas


Uma das obras teatrais mais influentes de seu tempo, As Bruxas de Salem (ou The Crucible), publicada em 1953 pelo autor estadunidense Arthur Miller, nos apresenta a brutalidade humana que assolou a comunidade de Salem em Massachusetts no século XVII. Miller, inclusive, foi acusado de propagar ideias socialistas por expor a hipocrisia do sistema penal do país, ainda mais se considerarmos que na década de 1950 os Estados Unidos perseguiam e prendiam todo e qualquer indivíduo que propagasse esses ideais. 

The Crucible entrou em cartaz pela primeira vez no Martin Beck Theatre no dia 22 de janeiro de 1953, tendo uma recepção mista, mas que rendeu um prêmio Tony (o Oscar do teatro) no mesmo ano. Dividida em quatro atos, a peça se inicia com uma discussão sobre o que estava ocorrendo com a personagem Betty Parris: se ela tinha o diabo em seu corpo e alma. A discussão é calorosa, mas as acusações de bruxaria são feitas para Tituba (a primeira mulher negra perseguida em Salem em meio às acusações de bruxaria), Abigail e a própria Betty, acusações essas realizadas por outros moradores da vila.

Envoltos pela tensão de também serem acusados e levados aos julgamentos e de acabarem sendo enforcados em praça pública, no decorrer da peça temos diversos diálogos que tentam entender de onde tais acusações estão vindo: suas reais intenções, quais provas tinham, que muitas vezes não eram mais do que palavras vazias, semelhante ao que acontecia com os ditos comunistas em 1950. Como disse a historiadora Silvia Federici sobre o que Arthur Miller interpretou acerca da caça às bruxas de Salem: assim que despojamos de parafernália metafísica a perseguição às bruxas, começamos a reconhecer nela fenômenos que estão muito próximos a nós.

Já no terceiro ato, chegamos de fato ao julgamento e o debate entre o juiz, John Proctor, Mary Warren e outros moradores de Salem que acabaram se envolvendo com a dúvida entre se o demônio habitava suas terras ou não. Enquanto tentam convencer que as garotas dançando na floresta era apenas um boato (boato que deu início a tudo), documentos e petições são apresentados, na tentativa de provar que nunca estiveram envolvidos com bruxaria ou outras atividades do diabo, ao mesmo tempo em que o juiz tenta levá-los à uma confissão, mesmo que de forma forçada e mentirosa.

No entanto, conversa vai e conversa vem, personagens começam a se contradizer, e aqueles que antes negavam a existência da prática de bruxaria na comunidade, agora sugerem que de fato existem bruxas entre eles. Para apimentar ainda mais a discussão, casos amorosos são levados à tona, personagens supostamente começam a alucinar e o "herói" da peça acaba sendo acusado formalmente de tentativa de assassinado e bruxaria, que o condena à morte. 

Com a morte de nosso herói, Miller abre espaço para presenciarmos a brutalidade e a injustiça com nossos próprios olhos. Brutalidade essa que agia em nome do puritanismo de Salem e do medo do comunismo estadunidense da década de 1950, separados por séculos, mas muito semelhantes. Ademais, não podemos esquecer de todas as mulheres que foram assassinadas em meio à histeria na Massachusetts colonial, que ocorreu entre 1693 e 1694.

Hoje já sabemos mais sobre o que realmente pode ter acontecido em Salem: estudiosos apontam que muitas acusações eram realizadas por crianças, sendo em sua maioria as acusadas mulheres proletárias, e as crianças filhas dos patrões dessas mulheres. Sendo assim, muito provavelmente essas crianças foram manipuladas por seus pais. Fato é que, principalmente no continente europeu e em Salem, a caça às bruxas foi um movimento silenciador de mulheres, que vinham ganhando voz e tomavam frente de lutas sociais. 

As Bruxas de Salem, já como um clássico estadunidense, rendeu inúmeros prêmios e adaptações no decorrer dos anos: Les Sorcières de Salem, adaptação cinematográfica feita por Jean-Paul Sartre em 1957; uma ópera por Robert Ward, que venceu um prêmio Pulitzer por seu trabalho com a obra de Miller; adaptações para a televisão em 1967 e em 2002, e adaptações menos diretas, como ocorreu na série O Mundo Sombrio de Sabrina da Netflix, em 2018. 

Mas uma adaptação se destaca entre todas. Em 1996, o próprio Arthur Miller fez uma adaptação de sua peça teatral, dirigida por Nicholas Hytner, tendo atores como Daniel Day-Lewis e Winona Ryder no elenco. Mesmo com uma bilheteria fraca, a recepção da crítica foi favorável, rendendo indicações de roteiro adaptado em grandes premiações como o BAFTA e o Oscar, além de indicações e prêmios de atuação para Paul Scofield (que interpretou o juiz Thomas Danforth) e Joan Allen (Elizabeth Proctor).

Nos dias de hoje, As Bruxas de Salem é uma das peças teatrais mais comumente encenadas por escolas estadunidenses. Tanto o filme quanto a peça são lembrados como um importante relato histórico sobre as verdadeiras intenções da caça às bruxas, que vem sendo cada vez mais explorada e repensada por acadêmicos e estudiosos por todo o mundo: a caça às bruxas pouco tem a ver com magia, feitiços e o próprio diabo, e sim com a dificuldade de enxergar a mulher como um ser liberto e capaz.

Referências



Arte em destaque: Caroline Cecin


Juliana Toivonen
Licenciada em Letras pela Universidade Federal de São Paulo. Entusiasta da literatura de autoria feminina e do resgate de vozes e narrativas perdidas. Pesquisadora na área da literatura portuguesa. Publicou o livro "palavras roubadas de mulheres mortas" pela Margem Edições em 2021.

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