Não viver um amor é como ser eternamente assombrado pelo que poderia ter sido. Você está vivendo normalmente, mas, de repente, lá estava o fantasma, vagando por sua memória, mostrando sua face em detalhes - um tom de voz, um perfume, uma risada, até mesmo uma pessoa passando rapidamente pela rua, com uma silhueta semelhante a daquele espírito. Exceto que não são espíritos dos mortos - ou, talvez, sejam da morte da juventude.
E, de repente, você é a própria menina debaixo da figueira de Sylvia Plath.
“Eu via minha vida se ramificando à minha frente como a figueira verde daquele conto. Da ponta de cada galho, como um enorme figo púrpura, um futuro maravilhoso acenava e cintilava. Um desses figos era um lar feliz com marido e filhos, outro era uma poeta famosa, outro, uma professora brilhante, outro era Ê Gê, a fantástica editora, outro era feito de viagens à Europa, África e América do Sul, outro era Constantin e Sócrates e Átila e um monte de amantes com nomes estranhos e profissões excêntricas, outro era uma campeã olímpica de remo, e acima desses figos havia muitos outros que eu não conseguia enxergar. Me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. Eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés.”
Às vezes, nos deparamos com escolhas impossíveis. Seja pelas circunstâncias do momento, de personalidades, de relacionamentos que já estamos vivendo ou de timing. Isso é ainda mais evidente especialmente quando falamos desses fantasmas de amores nunca vividos de séculos passadas, quando a sociedade ainda restringia o sentimento em prol da relação hierárquica de poder dos casamentos arranjados e do que se consideravam "boas famílias".
Fugir de uma lembrança, de um sentimento, é sempre difícil. É dito que as afeições da juventude são intensas e passageiras, mas aquelas nunca concretizadas não são testadas - e, como não são testadas pelo tempo e pelo cotidiano, marcam a alma eternamente, vivendo sob nossa pele como um perpétuo desejo das coisas que poderiam ter sido. Esse é o drama de Newland Archer.
Edith Wharton |
Jovem, rico e solteiro, o protagonista de A época da inocência, romance de Edith Wharton, começa o livro despreocupado. Tendo se livrado dos romances fugidios da juventude, ele, um homem de vinte e oito anos, prepara-se para oficializar o noivado com May Welland, considerada a jovem mais bonita da aristocracia de Nova York em 1870 e poucos. Os sentimentos de Archer são serenos: May é bonita, tranquila, adequada, educada - certamente dará uma perfeita esposa. E ele gosta dela. Não é uma paixão, mas sim um gostar sossegado, o esperado dentro dos padrões daquele mundo. Mas todo o esperado não parece importar quando a prima de May, a condessa Ellen Olenska, chega à cidade, vinda diretamente da Europa após deixar o marido, um conde polonês, causando escândalo por onde quer que passa.
Archer já conhecia Ellen brevemente - na infância e adolescência, ambos passavam tempo juntos durante as visitas da futura condessa aos Estados Unidos, acompanhada de sua excêntrica tia Medora, que havia levado a menina para ser criada e educada na Europa. Mas o tempo muda tudo, e também os sentimentos: uma vez casada e no exterior, Ellen havia sido esquecida, tornando-se apenas um assunto de conversa eventual; de volta, o exato oposto ocorre, e ela é o ponto central do falatório em qualquer reunião social, mas agora existe uma fragilidade aliada à sua força e coragem, que atrai Archer mais do que qualquer coisa.
Nosso protagonista quer tudo, menos a vida normal que lhe fora decidida desde sempre. Embora esteja feliz com May, tal felicidade assenta-se na perspectiva de que aquele é o melhor que poderia conseguir dentro do que lhe foi oferecido pelo destino no nascimento. Famílias aristocratas nova-iorquinas casam-se entre si, e May era a melhor escolha livre. Mas Ellen estava de volta, e ela não era uma possibilidade de escolha - porém tinha o coração de Archer nas mãos.
Não de forma manipuladora, claro. O triste da história criada por Edith Wharton é que há, sim, manipulação, mas ela vem da sociedade, dos bons costumes, da família de May (o ditado "não se casa apenas com a pessoa, casa-se com a família" nunca foi tão real) - nunca de Archer e Ellen, duas pessoas que se amam e, por respeito à família e medo das consequências, não concretizam o amor, deixando tudo pelo não dito, por olhares, por dois beijos brevemente trocados e apenas uma alusão a promessas que jamais seriam cumpridas. Era a década de 1870, e não havia possibilidade para nenhum dos dois além daquelas para as quais nasceram.
The age of innocence (1993) |
Se isso existe hoje, existia ainda mais no século XIX.
Martin Scorsese disse que A época da inocência, seu filme de 1993, baseado no livro de Edith Wharton, é sua obra mais violenta. E ele estava certo. Embora seja conhecido por filmes em que jorram sangue e atos de violência física, há poucas coisas mais violentas do que ser levado a não ter liberdade, não conseguir vivenciar seu amor, e ser atormentado pelo fantasma do que poderia ter sido durante toda a sua vida, em todos os minutos, porque não há escapatória. É algo inquietante, desesperador. Uma vida ignorando o amor é possível de ser vivida, mas a que custo? A quantas violências nos submetemos em nome de fazer o que é certo perante a sociedade?
“Era a maneira como a velha Nova York tirava a vida 'sem derramamento de sangue': a maneira das pessoas que temiam o escândalo mais que uma doença, colocavam a decência acima da coragem e achavam que não havia nada mais grosseiro do que uma 'cena', exceto a conduta de quem a provocava.”
Adorei! Comprei o livro há uma semana e ainda nao tinha começado a ler, agora me deu muita vontade, parece ser ótimo♡
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