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O noir e o horror em O Beco do Pesadelo


Uma história, algumas vezes, merece ser recontada. E no caso de Nightmare Alley, ou O Beco do Pesadelo (sua tradução em português), ela é um acerto no longo histórico cinematográfico de horror que passa pelas mãos do maestro Guillermo Del Toro. Existe uma versão noir feita em 1947 já capaz de demonstrar que não se trata de uma história comum. 

Muitos elementos do pesadelo, horror, de circo e noir perambulam pelas linhas do roteiro e cinematografia desse longa que conquistou seu próprio público cativo. Nele, acontece uma sinergia entre o limiar da realidade, conspiração, a própria figura da danação se encaixa no roteiro e na performance carregada de Bradley Cooper. Aliás, essa é uma das melhores performances de sua carreira - talvez seja até mesmo a melhor. Ele não se encontra sozinho, claro. 

Nomes de peso como Cate Blanchett, Rooney Mara, Toni Collette e Willem Dafoe elevam o ato para um patamar onde mesmo que a história te desagrade, os atores conseguem manter sua atenção presa na tela. Mas não apenas de atores competentes se mantém uma obra; ela precisa de direcionamento, de história. E aqui veremos nosso protagonista inserido na Segunda Guerra Mundial, algo não à toa, prestando homenagem aos filmes noir originais ao mesmo tempo em que consegue trazer os horrores do Holocausto numa narrativa claustrofóbica e repleta de mistério. 


O noir é um gênero que ganhou essa alcunha nas mãos do crítico francês Nino Frank, em 1946. A raiz deste cinema encontra-se em 1940, quando os horrores da Segunda Guerra pairavam como um fantasma, acompanhando cada um dos que viveram na época. Ainda sobre o noir, ele tem como fator determinante sua influência do expressionismo alemão e das técnicas aplicadas por Caravaggio, um pintor barroco mundialmente renomado por sua arte com o uso do contraste entre o claro e escuro. 

Apesar do arcabouço sólido, o gênero só encontra seu devido reconhecimento na década de 1970, mesmo sendo estimado que trezentos filmes do nicho tenham sido feitos antes mesmo desse período. Nightmare Alley evoca diversos elementos do gênero, por ser um tributo para a antiga Hollywood. Nele, vamos encontrar o discurso rápido, o roteiro afiado, personagens assombrados por seu passado, uma névoa entre o que é real ou não no tempo presente etc.  

Existe ainda o instrumento do flashback; no entanto, ele é usado com pouca frequência e mais para manter o espectador no escuro quanto a quem é Stan Carlisle (Bradley Cooper), seus segredos, e passado. O passado é um recurso que costuma ser refinado quando nos deparamos com uma obra noir

De maneira semelhante, o cenário é um fator precioso. Estamos diante de histórias envoltas em fumaças inaladas e exaladas com constância, encontramos personagens marginalizados, envoltos numa redoma de opressão, mistério ou sofrimento. E por falar em sofrimento, este doce e sombrio abraço irá envolver o protagonista do começo ao fim; vejamos, ele possui uma companheira de esquemas golpistas, que também é psicanalista. A sacada de Del Toro foi construir um labirinto psicológico diante de nossos olhos, e o que deveria ser um tratamento, encontra contornos de tortura. 

O horror da memória é excruciante, algo explorado em autores como Michel Foucault, que trabalha com esses dois elementos: a memória e o cinema de horror. No entanto, o saudosismo não permite que o filme se perca: ele consegue pincelar uma amálgama num canvas que presta homenagem ao passado, mas salta para o futuro. Sua obra transpassa o horror da memória, alcançando o horror manifesto, e o horror do circo.


A atmosfera circense é vasta nos filmes de suspense, terror e gótico. Nightmare Alley conjura todos esses pontos para, quando atados, criar um universo capaz de se sustentar sozinho. A criação do mundo é importante nas obras de Del Toro, e aqui, não foi diferente. Neste universo, o ser humano é asfixiado pela opressão externa, mas também por seus próprios tormentos da psique. 

Antigas obras do diretor, como A Colina Escarlate (2015) e O Labirinto do Fauno (2006) nos trouxeram elementos do gótico, pés enraizados no fantástico perturbador, e toda a narrativa de Nightmare Alley parece pegar elementos emprestados; porém, refinados, principalmente se o comparamos com A Colina Escarlate. Isso porque em O Labirinto do Fauno, o criador marcou o cinema, criando um filme noturno atemporal, usado de referência até os dias de hoje. 

Em Nightmare Alley, vamos encontrar personagens com dores viscerais, a neblina da realidade pairando durante toda projeção, a paranoia e sentimento de asfixia como residentes a cada ato. Sendo um filme que merece ser prestigiado durante seus 150 minutos de projeção, tanto por suas performances estelares quanto pelo estado labiríntico do humano, do sofrimento, dos marginalizados, do horror atrelado ao noir e ao circo noturno. O cinema ganha, com o filme, não apenas uma homenagem à sua própria história em metalinguagem, mas também uma construção de novos tempos, uma roupagem esmerada do horror fantástico. 


Arte em destaque: Caroline Cecin
Nathália Morais
Pernambucana com o sertão nas veias. Apaixonada por fantasia, true crime e escrever mundos.

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