
A primeira exibição de Sociedade dos Poetas Mortos ocorreu em 1989. Levaria mais de vinte anos para o surgimento do termo “Dark Academia”. No entanto, todas as referências do que se tornaria uma subcultura da internet no século seguinte já estavam ali: numa paleta de tons terrosos, alunos de uma escola rígida conhecem um professor que vê o conhecimento das humanidades como agente de elevação da alma, e o estudo, antes uma obrigação, passa a ser uma experiência transformadora e eletrizante.
Paletós de tweed, bolsas de couro, camisas xadrez, mocassins, máquinas de escrever, livros clássicos, William Shakespeare, Walt Whitman, John Keats. Deixar o prédio centenário onde estuda, no meio da noite, para ir ao encontro de uma sociedade secreta e recitar poesia. Carpe diem, ou aproveite o dia. Isso é a estética e subcultura Dark Academia. Seria ótimo se pudéssemos parar por aí.
Seitas, enigmas, distúrbios psicológicos, vingança e assassinato são parte das tramas nas quais intelectualidade e ambição levam a consequências extremas. Nas obras que inspiram a Dark Academia, boas e más ações são justificadas em nome da arte e da beleza, mais associada ao sentido filosófico do que é belo e não apenas esteticamente agradável - embora a estética domine grande parte do conteúdo de Dark Academia na internet. Como outra subcultura recente, o Cottagecore, que valoriza a vida no campo e se expressa em tons pastéis, a Dark Academia pratica a arte de romantizar atividades cotidianas, e vai além, resgatando hábitos do passado, como a escrita de cartas, o uso de velas e o estudo de línguas mortas com o desejo de criar uma estética de vida pautada na sede de conhecimento.
Ouvir Fredéric Chopin à luz de velas enquanto produz a própria cera para selar uma carta, em pleno século XXI, é ressignificar uma ação que poderia ser feita em instantes, ao enviar uma mensagem por celular. Como o Cottagecore, a Dark Academia renega o caminho mais fácil de executar uma tarefa numa era dominada pela praticidade tecnológica, em busca de evocar um tempo em que se vivia mais devagar.
Não à toa, ambos estilos explodiram em popularidade entre jovens durante a pandemia do COVID-19, com vídeos alcançando milhões de visualizações em plataformas como TikTok e Instagram. Ao passo em que, durante a pandemia, o Cottagecore estimulava as pessoas a preparar suas próprias tortas ao invés de encomendá-las por delivery, a Dark Academia oferecia um escapismo quase mágico para alunos cujas escolas fecharam as portas.
O sublime
Levou nove anos para que Donna Tartt publicasse seu livro de estreia, A História Secreta, em 1992, e somente uma semana para que a obra alcançasse o título de best-seller nos Estados Unidos. Na época, a futura bíblia de Dark Academia não podia contar com as redes sociais para criar um movimento, mas influenciou uma geração que escreveu uma série de romances policiais ambientados em universidades.
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Donna Tartt |
Foi essa onda de livros que fez com que o termo aparecesse no Tumblr pela primeira vez, no começo da década de 2010, e expandisse o que era a princípio um gênero literário para uma estética, moda e estilo de vida. Em alguns anos, a internet tornou acessível que qualquer um, de qualquer classe e país, pudesse fantasiar com universidades antigas de elite, sociedades secretas e bibliotecas enormes, aulas de latim e salões, torres e gramados como os de Harry Potter.
“Conto que estejam prontos para abandonar o mundo fenomenológico e mergulhar no sublime”, diz o professor Julian, de A História Secreta, na primeira aula do personagem principal e narrador Richard Papen. Papen é o novo integrante da turma de seis alunos de Julian, que leciona grego na universidade de Hampden, nos Estados Unidos. Entre Francis, Henry, Camilla, Bunny e Charles, Richard é um bolsista vindo da Califórnia que finge ser tão abastado quanto o grupo que o fascina, sem saber que por trás de tanto brilho há muita escuridão.
Como espectadores, sabemos no prólogo que Bunny é assassinado e que, de algum modo, o grupo de alunos são os responsáveis. Contado como um livro de memórias que aborda o antes e o depois do assassinato, A História Secreta inspira-se nas tragédias gregas para criar uma trama vertiginosa, ao mesmo tempo poética e sarcástica, com um dos pontos mais altos sendo uma orgia diosiníaca, com a aparição do próprio Dioniso, que culmina em sangue.
Há também um profundo apelo visual nas mais de quinhentas páginas de A História Secreta. Da vestimenta dos personagens, permeada por um estilo europeu, acadêmico e outonal, à descrição do campus e arredores de Vermont, berço de Hampden, que vai acompanhando as mudanças na paisagem conforme as estações do ano. Assim, Tartt capta a atenção dos leitores não só porque apresenta uma interrogação sobre a morte de Bunny, mas porque concebe um universo em que de repente nos vemos correndo pelo campus e discutindo filosofia grega nas aulas de Julian.
“A morte é a mãe da beleza”, Henry disse.“E o que é beleza?”“Terror.”
Nas obras de Dark Academia, somos confrontados com dilemas da adolescência nos mais absurdos contextos. Para se encaixar no grupo de alunos estilosos e excêntricos, Richard renuncia a seus valores morais ao ponto de colaborar com um homicídio. Esse dilema não está distante da vida real, pois questiona quais são os limites na busca por aceitação. Escolhendo a conturbada fase da adolescência e o ambiente acadêmico, tipicamente associado à luz e aos bons modos, Donna Tartt conta uma história de medo, traição, vingança e aniquilamento da alma. Ter acesso ao conhecimento, em A História Secreta, não ilumina ninguém.
Nesse sentido, podemos dizer que a abertura de Sociedade dos Poetas Mortos é perfeita. Ao anunciar “a luz da sabedoria” nos primeiros instantes do filme, o personagem do diretor enaltece a educação tradicional e rigorosa da academia Welton, dominada pelos quatro pilares, “tradição, honra, disciplina e excelência”, que, ao invés de iluminarem, ofuscam o livre arbítrio e o talento dos alunos. John Keating, o professor cujo nome faz trocadilho com o poeta John Keats, é então quem ilumina por meio de sua filosofia de vida, o carpe diem. Infelizmente, a vela acesa por Keating não é suficiente para impedir que, mesmo munido de conhecimento, um de seus alunos acabe tirando a própria vida após sofrer pressão acadêmica pelos pais, que o obrigam a desistir do sonho de atuar.

Com a proposta de ser um estilo de vida para além de uma estética, a Dark Academia realiza o que muitos educadores almejam alcançar em seus alunos: torna museus novamente atrativos, desperta o interesse por literatura e idiomas clássicos, incentiva a visita a bibliotecas e livrarias, estimula o senso crítico e gera apetite pelas disciplinas de humanas, que enfrentam um cenário de crescente precarização. Porém, como qualquer outro movimento, há camadas mais sombrias nessa estética do que nas tramas de ficção - a começar pela grande possibilidade de você ter imaginado apenas jovens brancos nas descrições até aqui.
As sombras
Basta uma breve pesquisa no Google e listas como Dead Poets Society & 9 Other Movies For Fans Of The Dark Academia Aesthetic, do site Screenrant, surgirão com referências cinematográficas, literárias e estéticas de pessoas brancas. Maurice, de 1987, interpretado por Hugh Grant; Os Sonhadores, 2003; com Eva Green e Louis Garrel; The Riot Club, 2014, com Sam Claflin e Douglas Booth. Das referências literárias, encontram-se Sherlock Holmes, O Retrato Dorian Gray, A Abadia de Northanger, Frankenstein. Os filmes biográficos de Mary Shelley, J. R. R. Tolkien, Colette, Allen Ginsberg e Alan Turing também figuram em tais listas como exemplos da estética.
Nós podemos amar a Dark Academia pela romantização do passado e do conhecimento, mas não devemos ignorar que esse é um movimento de raízes profundamente problemáticas. Ao inspirar-se na cultura das universidades de elite europeias, acaba por flertar com os ideais classistas, sexistas e racistas perpetuados por essas mesmas universidades durante séculos; mesmo que de maneira sutil, mais visual do que proferida. Embora as obras de ficção não contenham, em geral, cenas racistas, é fato que são quase sempre protagonizadas por jovens brancos, magros e de beleza europeia acima da média, privilegiados em todos os sentidos, principalmente no contexto econômico.
Não é novidade que as redes sociais pecam em algoritmos que contribuem para a manutenção da desigualdade racial, dando preferência a criadores de conteúdo e rostos brancos. Em razão disso, torna-se um desafio que influencers não-brancos de Dark Academia possuam igual relevância e visibilidade de influencers brancos, apesar de contas como Cosyfaerie, no Instagram, contarem hoje com 50 mil seguidores. Muitas vezes, parece haver maiores chances de encontrar a mesma imagem da mão pálida, esquelética e masculina, com o pulso coberto pela manga de uma camisa vitoriana, do que referências de novos criadores negros, latinos e asiáticos na Dark Academia.
O que, de modo algum, indica um problema irreparável. Desde que deixou a bolha do Tumblr para viralizar em 2020, no início da pandemia, a Dark Academia atraiu adeptos que questionaram suas influências e falta de representatividade tanto estética quanto substancial. A mensagem deles é clara: não é por ter nascido da cultura de universidades europeias que o estilo deva reproduzir o eurocentrismo, tampouco carregar os valores retrógrados do passado.
Em razão do custo elevado da educação em diversos países, estudar em uma universidade que lembra um castelo é um sonho, mas esse sonho não precisa ser de outra pessoa. É possível sonhar sem desfazer-se da própria identidade. Grande parte do conteúdo de Dark Academia na internet é sobre como tornar esse sonho próximo do real através de pequenos gestos, pois, já que a maioria de nós não terá a oportunidade de entrar em universidades como Oxford e Cambridge, podemos nos vestir a caráter e mergulhar na história da arte por nós mesmos.

O que caracteriza a Dark Academia como “dark” é o lado sombrio da subcultura, ausente na alternativa, a Light Academia. Nela, a moda outonal carrega menos lã e mais linho, os tons terrosos clareiam, as universidades veem dias de sol e os alunos leem mais Jane Austen do que Emily Brontë. Por ora, é dessa forma que a Light Academia é conhecida - como uma alternativa. Para a maioria, o ambiente acadêmico ainda é indissociável da pressão psicológica e transtornos mentais subsequentes, como ansiedade e depressão, bem como a sensibilidade desenvolvida pelas humanidades é indissociável de lampejos melancólicos.
“A beleza raramente é suave ou reconfortante”, afirma o professor Julian em A História Secreta. “Pelo contrário. A verdadeira beleza sempre nos assusta.” A Dark Academia, como várias subculturas antes dela e tantas que virão depois, peca ao romantizar a tristeza e os transtornos mentais por um lado; por outro, acerta ao abraçar sentimentos negativos comuns durante o amadurecimento. Hoje, a sensação é de que como tendência ela não nos deixará em breve, mas a internet é especialista em criar coisas especiais e destruí-las sem pestanejar.
O fato de existir em nossa época, que se move tão rapidamente, um movimento pelo estudo dos clássicos e das humanidades entre adolescentes é em si uma vitória, e cumpre o papel de manter vivo um dos discursos mais famosos do cinema:
“Não lemos e escrevemos poesia porque é bonitinho. Lemos e escrevemos poesia porque somos membros da raça humana e a raça humana está repleta de paixão. E medicina, advocacia, administração e engenharia, são objetivos nobres e necessários para manter-se vivo. Mas a poesia, beleza, romance, amor... é para isso que vivemos.”
Referências
- What Dark Academia says about elite education (The Take)
- TikTok's Dark Academia trend criticised for 'whiteness' (The Guardian)
- A guide to 'dark academia,' the TikTok-popular aesthetic with preppy style and an intellectual focus (CNN)
- Algoritmos: pesquisadores explicam tecnologia que intensifica racismo (Agência Brasil)
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