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Zumbi: a criatura mais política do cinema


O cinema de horror é o mais político de todos. São nessas produções que as pessoas marginalizadas encontram espaço para exporem sua voz, suas histórias e suas lutas. Por ser subjugado por muitos críticos que ainda enxergam o gênero como inferior, vários diretores conseguem ter uma maior liberdade para contar histórias e dar destaque às minorias em suas produções. Um dos primeiros a inserir elementos de horror em discussões importantes como racismo, consumismo e militarismo foi George A. Romero. Em suas entrevistas, um dos mais adorados e idolatrados diretores de todos os tempos, sempre pareceu amigável, gentil, simpático e com um sorriso no rosto. Era muito visível a emoção e a felicidade com que falava sobre seus filmes e ficava nítido o quanto ele amava suas histórias. 

O pai dos zumbis modernos 


A Noite Dos Mortos-Vivos, longa de 1968 dirigido por Romero, é um marco no cinema. Não apenas pela qualidade indiscutível da produção, mas também por todas as discussões que o filme abordou em pouco mais de uma hora. Mesmo que o próprio Romero tenha admitido que num primeiro momento sua intenção não era fazer uma crítica à sociedade da época e que a escolha de um ator negro para protagonizá-lo aconteceu apenas porque gostou da atuação de Duane Jones, o enredo e as personagens de A Noite dos Mortos-Vivos continua atual até os dias de hoje. Foi também o momento em que um dos monstros mais famosos do cinema recebeu uma nova releitura, que a partir daquele momento teria sua história mudada para sempre e se tornaria parâmetro para tudo que viesse depois: o zumbi. 

Romero não é considerado o pai dos filmes modernos de zumbi à toa. Antes de seus filmes, os zumbis representados no cinema eram extremamente estereotipados e possuíam conotações racistas e xenófobas por conta da criação dessas criaturas através do vodu, oriundo do Haiti. 

Haiti e a criação de zumbis 


Desde o seu "descobrimento" em 1492, a ilha batizada de Hispaniola sofreu ataques e tentativas de colonização de diversos países. Além disso, os taino aruaques, povo nativo da ilha, sofreram com a escravização após os europeus reivindicarem controle sobre suas terras. Por volta de 1517, com a dizimação dos aruaques, escravizados da África foram levados para a ilha para trabalhar no cultivo de cana, levando consigo uma grande variedade de práticas religiosas. Em meados de 1600, os franceses desembarcaram na ilha, tomando uma porção ao norte e saqueando as plantações de tabaco, dando início a um conflito entre a França e a Espanha. Em 1697, os dois países dividiram a ilha. A França ficou com o terço ocidental do país, e o nomeou de Saint-Domingue, que mais tarde seria conhecido como Haiti. Em 1793, os escravizados se revoltaram, dando início à mais significativa das revoltas, que ficou conhecida como a Revolução Haitiana, finalmente levando à abolição da escravidão. Em 1804, o Haiti se tornou independente e a França tentaria tomar a ilha novamente em 1825, o que resultou em um tratado em que a França reconheceria o Haiti como um país independente. Como afirmou Robin Coleman

"Durante todo esse processo, alguns haitianos, ex escravizados e colonos brancos franceses, fugiram para Nova Orleans, Louisiana. Essa migração causou um grande impacto na cultura da cidade. 

[...]

Enquanto monstros como Frankenstein e Drácula tinham uma origem literária, os zumbis, supostamente, eram oriundos da não ficção; descrições de vodu e zumbis eram encontradas em relatos em primeira mão escritos por europeus e norte-americanos."

Em 1915, os Estados Unidos iniciaram uma ocupação no Haiti alegando uma preventiva motivada pela Primeira Guerra Mundial. Dezenove anos mais tarde, com o país ainda mais empobrecido, a marinha estadunidense finalmente pôs um fim à ocupação. Dois anos antes da desocupação total da ilha pelos Estados Unidos, o primeiro filme estadunidense inspirado no vodu foi lançado. 


Tendo como cenário o Haiti, Zumbi Branco (1932) foi o primeiro, mas não seria o único a explorar a religião e as crenças do povo haitino, mostrando o vodu como uma espécie de "magia negra" ou apenas uma "baboseira dos nativos". Além disso, Zumbi Branco faz uma alusão explicita à escravidão e deixa claro que o grande problema da trama não são os mortos ressuscitados e forçados a trabalhar dia e noite sem parar, e sim a pobre noiva indefesa enfeitiçada pelo bruxo maligno. A zumbi branca. 

"Senhor, poderíamos ter sido pegos. Não são homens, senhor. São corpos. Sim, senhor, zumbis. Mortos vivos, corpos retirados de seus túmulos e que são obrigados a trabalhar em usinas de açúcar e nos campos do norte. Olhe! Eles estão vindo!"

(Zumbi Branco, 1932)

O estereótipo da mulher branca que se torna vítima de homens negros e/ou suas culturas seria usado muitas vezes mais no cinema, inclusive em filmes de zumbi nas décadas seguintes. Dentre eles, vale destacar I Walk With a Zombie, de 1943, que no Brasil é conhecido como A Morta-Viva

O filme conta a história da enfermeira Betsey (Frances Dee), contratada para cuidar de Jessica (Christine Gordon), esposa de Paul Holland (Tom Conway), poderoso fazendeiro na ilha de St. Sebastian, no Caribe. Aparentemente, Jessica está em estado catatônico após contrair uma "febre tropical". Betsy, que logo se apaixona pelo patrão, deseja deixá-lo feliz e tenta de tudo para fazer sua esposa recuperar a saúde, mas nada parece dar resultado. Tudo muda quando uma empregada diz a ela que existe um tipo de médico diferente que pode curar Jessica. 

O filme de 1943 tem uma fotografia primorosa, ótimas atuações e uma história intrigante envolvendo uma família cheia de segredos, mistérios e traições. Porém, o longa descreve a cultura dos nativos da ilha como algo para não ser levado a sério. As falas racistas são diversas e a história da mulher branca transformada em zumbi é utilizada novamente. Dessa vez, o zumbinismo quase é visto como uma doença causada pelo vodu. Assim como seus praticantes, que são vistos apenas como pessoas inferiores, ingênuas e contagiosas que "Tocam tambores na selva. Misteriosos e assustadores"


Em dado momento, Jessica e a família começam a ser perseguidos por um zumbi negro denominado apenas como Carrefour (Darby Jones). A representação do zumbi negro e da zumbi branca não poderia ser mais diferenciada. Enquanto Carrefour ("encruzilhada", em francês) é visto como uma criatura assustadora, Jessica, mesmo que tenha sido uma mulher vil quando viva, ainda é preservada e cuidada na casa da família, que faz de tudo para que Carrefour não ponha as mãos nela. 

"Ti-Misery é um homem velho que vive no jardim em Fort Holland, com flechas no corpo e olhar de tristeza e dor na face negra." "Vivo?" Pergunta Betsy. "Não" responde o condutor "É o mesmo que era no começo, na parte da frente de um barco, uma figura de proa. Era um enorme barco que trouxe nossos pais distantes e as mães distantes de todos nós, acorrentados no porão." "Trouxeram vocês para um lugar muito muito bonito, não?" "Se é o que diz, senhorita. Se é o que diz."

(A Morta-Viva, 1943)

É importante lembrar, que apesar dos esforços para retratar o Haiti como um lugar selvagem e sua cultura como algo perigoso, a arte haitiana possui representantes muito importantes para a história da arte. Dentre esses artistas, vale destacar o pintor Hector Hyppolite (1894 - 1946). O trabalho de Hector despertou o interesse do artista Dewitt Peters e do teórico de arte André Breton. O respeito pelo trabalho de Hyppolite possibilitou o acesso a um público mais amplo, e hoje algumas pinturas de Hector estão em exposição no MOMA, famoso museu de arte em Nova York. Segundo Breton, Hector foi o primeiro a registrar cenas de vodu e divindades em suas obras, e há boatos de que além de um artista talentoso Hector era também um houngan ("houngan" e "mambo" são os nomes, em crioulo haitiano, dados as figuras masculina e feminina, dos sacerdotes responsáveis pelas celebrações dos rituais vodu), o que fazia com que ele tivesse ainda mais prestígio e respeito. 

A estética de suas obras mescla o sagrado e o mágico, os deuses vodu e a iconografia católica, evidenciando suas viagens ao exterior e a mistura de povos e culturas durante as diversas ocupações do Haiti. Porém, em boa parte de suas obras, Hyppolite fez questão de deixar em destaque a figura feminina e a cultura de seu país sem a interferência de estéticas externas, destacando a importância e o poder em suas figuras. E as representações que Hector fez de zumbis, sacerdotes e do povo haitiano eram muito mais respeitosas e expunham a verdadeira história por trás de tanto estereótipo e demonização. 

The Congo Queen, de Hector Hyppolite (1946)

Os haitianos e o vodu apenas foram deixados de lado no cinema de horror com temática zumbi após o lançamento do filme A Noite Dos Mortos-Vivos. George A. Romero decidiu ir por outro caminho no que dizia respeito à criação de suas criaturas. Ao invés de magia, Romero fez uma junção entre o terror e a ficção-científica, trazendo pela primeira vez a ideia de que os mortos foram trazidos de volta à vida por conta de uma infecção causada pela radiação de um satélite enviado ao planeta Vênus. 

Os zumbis não são negros, nem surgiram de países como a África, Haiti ou Caribe, tampouco estão sob o comando de alguém. Além disso, Romero inseriu a ideia de que para matar um zumbi é preciso atirar na cabeça, e que o corpo pode voltar à vida apenas alguns minutos depois da morte. 

A Noite dos Mortos-Vivos 


O filme começa no cemitério de uma cidade pequena próxima a Pittsburgh. Os irmãos Barbara (Judith O'Dea) e Johnny (Russell Streiner) estão visitando uma sepultura quando um homem de terno se aproxima com passos cambaleantes e olhar vidrado. 

"They coming to get you, Barbara."

(A Noite dos Mortos-Vivos, 1968) 

Num primeiro momento, é possível acreditar que os irmãos serão os protagonistas do filme, principalmente Barbara quando ela consegue escapar do cemitério e chegar a uma casa de fazenda, mas tudo isso muda muito rapidamente. Pouco depois, Ben (Duane Jones) também chega à casa à procura de refúgio e toma o controle da situação - e o protagonismo da história passa para ele. Por conta do choque, Barbara entra em estado catatônico e permanece assim até o final do filme. Quando não está aos gritos ou no meio de um ataque de choro, ela se cala e parece estar claramente instável e apavorada. Ben, por outro lado, logo se ocupa em manter a casa segura e as criaturas longe, ao mesmo tempo que tenta fazer Barbara manter a calma. 

Ben é corajoso, decidido e proativo. Ao mesmo tempo que quer se salvar, também se importa com os outros, mas não se coloca em segundo plano. É gentil e educado, mas não deixa de se impor. Ele também está com medo e não sabe o que está acontecendo, mas não tem tempo para entrar em choque. Enquanto Ben se ocupa em reforçar a segurança da casa, um grupo de sobreviventes está escondido no porão. No grupo de cinco pessoas, estão em destaque uma família constituída pelo pai, Harry (Karl Hardman), a mãe, Helen (Marilyn Eastman), e a filha, uma menina chamada Karen (Kyra Schon), que foi mordida por um zumbi. 


Logo uma tensão se inicia entre Harry e Ben. Harry quer controlar a situação, mas é extremamente covarde. Enquanto não consegue o que quer, não faz nada para ajudar. Tudo piora quando Ben deixa claro que não vai abaixar a cabeça para ele, e é nesse momento que fica evidente uma tensão muito específica entre eles. Os realizadores do filme sempre afirmaram que a escolha de um ator negro para o papel principal aconteceu por acaso e a questão racial não teve importância no roteiro, o que fica evidente porque a raça de Ben nunca é mencionada no filme. Mas está ali, não apenas o desconforto que Harry sente por não ser o homem no controle, mas por ser obrigado a seguir as ordens de um homem negro. Principalmente quando Ben declara: 

"Se é idiota o suficiente para morrer naquela armadilha, o problema é seu, mas eu não vou segui-lo! Agora vá para o porão. Lá você pode mandar. Porque quem manda aqui sou eu."

Embora o filme de Romero seja uma fantasia sobre mortos-vivos comedores de carne humana, durante a narrativa fica evidente que, na verdade, muitas vezes as multidões brancas de "cidadãos de bem" são mais mortais. O final de Ben mostra que criaturas que comem carne humana podem não ser mais assustadoras do que o que fazemos uns com os outros diariamente. 

Antes de ter a chance de se salvar, na manhã seguinte, após sobreviver a noite inteira, Ben é morto pela milícia com um tiro na cabeça após ser confundido com um zumbi quando olha pela janela. Logo depois, seu corpo é levado pela milícia para ser queimado em uma fogueira junto com os monstros. 

"Pouco importa se os realizadores de A Noite dos Mortos-Vivos estavam escrevendo propositalmente ou de forma velada uma mensagem racial; o que se leva da história é o que importa. Na verdade, em Noite, a alusão ao linchamento com o assassinato monstruoso de Ben é bem clara. Os espectadores do filme que viram o fim de Ben foram lembrados do desamparo social, político e econômico dos negros, e a vitimização violenta era uma história terrível da qual era difícil escapar."

(Horror Noire, Robin Coleman) 

No remake de 1990, dirigido por Tom Savini e roteirizado pelo próprio Romero, Barbara (Patricia Tallman) é apresentada como uma heroína corajosa, muito diferente de sua versão no filme original. E dessa vez, Ben (Tony Todd) e ela formam uma boa dupla. Mas apesar dela conseguir sobreviver, o final de Ben ainda é a morte. Dessa vez, ele não sobrevive até a manhã porque foi ferido gravemente por Harry (Tom Towles), e se transforma em zumbi durante a noite. Quando Barbara percebe que não é possível salvar seu amigo, ela se vinga atirando à queima roupa em Harry assim que o vê, mesmo sabendo que ele ainda estava vivo. Dessa vez, uma pessoa viva também é morta no lugar de um zumbi, mas quando Barbara grita: "Mais um para a fogueira!", a indignação é substituída por satisfação. 

Despertar dos mortos 


Dez anos depois, em 1978, foi lançado Despertar dos Mortos. A trama começa em uma estação de TV durante o início da epidemia, onde estão fazendo uma transmissão sobre os mortos-vivos. Pouco depois, um grupo de sobreviventes se forma e foge de helicóptero, encontrando abrigo em um shopping. Os zumbis também vão para lá, por instinto e pelas memórias do que faziam quando estavam vivos, um lugar familiar onde compravam todo tipo de coisas e caminhavam por horas. Em vida, eram zumbis guiados pelo consumismo vazio, e na morte são literalmente zumbis que carregam apenas memórias. Foi em Despertar dos Mortos que Romero deu a dica de que seus mortos-vivos não são apenas criaturas comedoras de carne. 

"Quando não houver mais espaço no inferno, os mortos irão caminhar sobre a terra."

(Despertar dos Mortos, 1978)

O preto e branco do clássico de 1968 deu lugar às cores e o cenário agora é muito mais amplo, com o shopping, que oferece uma infinidade de possibilidades. Apesar de poucas personagens, todo o espaço é explorado, e isso causa ainda mais a sensação de solidão e de consumismo sem sentido, porque os vivos acumulam coisas e pegam dinheiro como se fosse útil durante um apocalipse. De certa forma, os zumbis e os humanos se comportam da mesma maneira, a única diferença é que são os vivos que puxam os gatilhos. 


O longa também toca no assunto da violência policial, tema que será muito mais discutido no terceiro filme da saga. No início do filme, durante uma batida em um prédio, agentes da SWAT se comportam de forma violenta e começam a atacar inocentes. São homens que perderam a cabeça, e quanto mais o fim do mundo se aproxima, mais eles se comportam como se suas armas fossem objetos sagrados ou uma extensão de seus corpos. As exceções são Peter (Ken Foree) e Roger (Scott H. Reiniger), agentes da SWAT que desertaram para escapar de helicóptero com o casal Francine (Gaylen Ross) e Stephen (David Emge) para o shopping. 

A representante feminina do filme também é mais atuante. Francine, que está grávida, se impõe e deixa claro que quer tomar parte nas discussões e aprender a pilotar o helicóptero. 

Mas nada dura para sempre, e quando uma gangue de motoqueiros liderados por Tom Savini invadem o shopping, acabando a paz do grupo, os únicos sobreviventes, Peter e Francine, ainda grávida, fogem de helicóptero com pouco combustível, fechando o destino dos amigos em um final aberto para o espectador. 

Dia dos mortos 


Em Dia dos Mortos, o embate entre o militarismo e a ciência fica evidente. Além disso, o filme demonstra muito bem como o isolamento, a angústia e o ego podem ser fatores decisivos para situações de extrema violência em ambos os lados. É um filme no qual os militares não são heróis, o que é muito raro no cinema estadunidense, principalmente em 1985. Os homens estão instáveis, são desrespeitosos, machistas e planejam um golpe militar no bunker onde acontece uma missão de pesquisa liderada por Sarah (Lori Cardille). 

Como um último suspiro para fazer a sociedade voltar a ser o que era, cientistas pesquisam os mortos-vivos mesmo sem o apoio do governo, que não responde mais, e com poucos recursos. A pesquisa de Sarah procura encontrar uma solução para o problema dos zumbis. Ela quer erradicar a epidemia, estudar os mortos e quem sabe descobrir uma forma de curá-los. Em contrapartida, o cientista conhecido como "Frankenstein" (Richard Liberty) descobre que são os cérebros que comandam os mortos-vivos. Não precisam de sangue e nem de órgãos internos. O dr. Frankenstein tem certeza de que eles são capazes de serem domesticados e começa a estudar isso ao invés de descobrir uma cura ou a causa de tudo aquilo. 


Dia dos Mortos executa muito bem o que se propõe a mostrar, e as histórias das personagens são construídas com mais profundidade e com tempo para que o telespectador se importe não apenas com os vivos, mas também com os mortos. Bub (Sherman Howard), experimento do dr. Frankenstein, é um zumbi extremamente consciente. Ele se recorda de muitas coisas, é dócil e aprende com muita facilidade como escutar música, abrir um livro e mexer em uma arma. Bub também dá indícios de que possui sentimentos após ficar muito abalado com a morte de Frankenstein. 

Dessa vez, após o embate final e clímax sangrento e eletrizante, temos uma visão de um final feliz entre os sobreviventes, que conseguem escapar de helicóptero e aterrissam em uma praia tranquila. 

Terra dos mortos 


Vinte anos depois, em 2005, foi lançada a quarta sequência direta de A Noite dos Mortos-Vivos. Terra dos Mortos conta mais uma vez com um zumbi evoluído e consciente. "Big Daddy'' (Eugene Clark) é o líder de uma horda zumbi e está ciente da brutalidade contínua direcionada aos seus. Tanto que procura vingança contra os vivos. 

O nome Terra dos Mortos não foi escolhido em vão. A quantidade de mortos parece ser cada vez maior, e o mundo como o conhecemos não existe mais. Ao mesmo tempo que os mortos estão cada vez mais conscientes, os vivos parecem estar perdendo a humanidade. Os ricos se isolam em torres tentando prosseguir com a ilusão de que tudo está como antes, enquanto os mais pobres vivem nas ruas ou em comunidades com poucos recursos. E abaixo de todos estão os zumbis, que vivem em cidades fantasmas e são atacados violentamente pelos mercenários que saem em busca de alimentos e produtos diversos para a comercialização. Os ricos mantêm o padrão e continuam a fingir que o mundo ainda existe, os demais tentam sobreviver com os restos e os zumbis são mortos sem compaixão. 


Romero enfatiza um problema muito atual quando toca na discussão sobre as desigualdades sociais. A crítica do filme é muito boa, mas sem dúvida essa é a mais fraca de todas as sequências. Terra dos Mortos parece artificial demais, tudo é muito grandioso, mas as personagens não têm carisma para carregar a história. De fato, é difícil se importar com quaisquer um deles, exceto pelo próprio Big Daddy e sua horda. Apesar do título, o filme foca demais nos vivos e de forma muito substancial, quando na verdade são os mortos as personagens interessantes. Não se surpreenda se em dado momento você se ver torcendo para que a horda de zumbis consiga vingança. Talvez a melhor parte desse filme é que eles a conseguem. 

"Eles estão fingindo estar vivos."
"E não estamos todos?"

(Terra dos Mortos, 2005)

George A. Romero morreu em 2017, aos 77 anos, deixando uma filmografia fantástica e que conta também com filmes como Martin (1977), que foca na temática do vampiro de forma muito única e que merece reconhecimento. É inegável que todos os filmes após 1968 com a temática zumbi tiveram A Noite dos Mortos-Vivos como referência, para melhor e para pior. Hoje em dia pode parecer uma fórmula batida e que após tantas histórias tão parecidas o gênero precise de uma nova releitura. Mas é importante lembrar o quão importantes foram os zumbis de Romero não apenas para a história do cinema como para povos que antes tinham suas culturas exploradas e demonizadas em filmes anteriores. Independente de muitas obras pós-1968 serem mais do mesmo, é impossível negar que ainda após cinquenta anos, A Noite Dos Mortos-Vivos de Romero ainda é o mais único e atual filme de zumbi já feito. 

Referências 

Babi Moerbeck
Carioca nascida no outono de 1996, com a personalidade baseada no clipe de Wuthering Heights, da Kate Bush. Historiadora, escritora e pesquisadora com ênfase no período do Renascimento, caça às bruxas e iconografia do terror. Integrande perdida do grupo dos Românticos do século XIX e defensora de Percy Shelley. Louca dos gatos, rainha de maio e Barbie Mermaidia.

Comentários

  1. SAÍ DAQUI A MAIOR FÃ DO ROMERO! E DA BABI! TÔ FASCINADA!

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  2. Cara que texto incrível!! Não sabia que o contexto dos zumbis no cinema envolvia aspectos como racismo, religião e consumismo. Ótima reflexão. Já vou adicionar os filmes do Romero na minha lista de filmes pra assistir! <3

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