últimos artigos

Lesley Gore: a grande festa dos anos 60

Nascida na cidade de Nova York em 1946, a cantora, compositora e ativista Lesley Sue Goldstein se tornou um fenômeno feminino nos anos 1960 com o álbum musical I’ll Cry If I Want, contendo 12 faixas, incluindo o hit pop It’s My Party, que gravou aos 16 anos de idade.

Ansiando por se tornar uma cantora famosa, Lesley, ainda no ensino médio, foi instruída pelo seu professor de música a gravar algumas demos, material que mais tarde chegou às mãos de Quincy Jones, um empresário que se tornaria o produtor musical e mentor da cantora logo depois. Isso facilitou para que a canção It’s My Party se tornasse um sucesso nos EUA rapidamente e garantiu um disco de ouro à artista.

I’ll cry if I want: lágrimas e música

Abordando tristeza, solidão, ciúme e relacionamento, Lesley canta 12 músicas com uma história que se inicia em It’s My Party, para em seguida passear por sentimentos intensos e comuns na juventude até encerrar com The Party’s Over, a última faixa do álbum.

Há uma repetição considerável da palavra “cry” ("choro" em inglês) tanto nos títulos de suas músicas quanto na composição geral delas. Isso porque Lesley aborda de diferentes maneiras um amor conflituoso entre ela, Johnny, aparentemente o garoto por quem ela está apaixonada, e Judy, uma garota que interfere no relacionamento deles.

Na primeira faixa, temos a apresentação. Lesley está na sua festa de aniversário, comemorando com uma dança ao lado de Johnny, até que ele desaparece e, logo depois, Judy também. No entanto, ambos surgem pouco depois de mãos dadas como se fossem “uma rainha com seu rei”, expressão usada na música para descrever a situação. Isso acaba deixando Lesley chateada, resultando nas primeiras lágrimas do álbum.

“Nobody knows where my Johnny has gone
But Judy left the same time
Why was he holding her hand
When he's supposed to be mine?

It's my party and I'll cry if I want to
Cry if I want to
Cry if I want to
You would cry too if it happened to you”

(Ninguém sabe onde meu Johnny foi
Mas Judy saiu ao mesmo tempo
Por que ele estava segurando a mão dela
Quando ele era pra ser meu?

É minha festa e eu choro se eu quiser
Choro se quiser
Choro se quiser
Você também choraria se fosse com você”

As faixas seguintes podem ser interpretadas como acontecimentos indiretos ocorridos após a festa. A segunda música, Cry Me A River, apresenta um suposto arrependimento da parte de Johnny. Isso é evidente no trecho “Now, you say you're lonely, you cried the long night through. Well, you can cry me a river. Cry me a river. I cried a river all over you” ("Agora você diz que está sozinho, que você chorou a noite toda. Bem, você pode se acabar de chorar. Chore pra caramba. Eu chorei demais por você" - em tradução livre). 

No entanto, da terceira até sexta faixa, Cry, Just Let Me Cry, Cry and You Cry Alone e No More Tears, respectivamente, a situação passa a ser abordada novamente pela tristeza acerca da situação na festa, resultando em um coração partido. Esses elementos são nítidos em cada música e explorados repetidamente, acompanhados de batidas animadas em algumas canções ou um piano melancólico em outras. 

Apenas na faixa sete, Judy’s Turn To Cry, a situação da história muda com o surgimento dos já conhecidos Johnny e Judy. Lesley descreve a volta dos dois e o fato de Johnny voltar a se relacionar com ela, deixando Judy de lado. “Cause now it's Judy's turn to cry, Judy's turn to cry, Judy's turn to cry, because Johnny's come back to me.” ("Porque agora é a vez da Judy chorar, vez da Judy chorar, vez da Judy chorar, porque o Johnny voltou para mim.") 

Da oitava até a décima faixa, I Understand, I Would e Mitsy, o álbum volta a descrever sentimentos negativos sobre o conflito amoroso antes apresentado. Porém, utiliza uma outra abordagem nas letras, focando mais na saudade e paixão pelo amado do que nos choros incansáveis já descritos nas faixas anteriores. 

A décima primeira e penúltima música, What Kind Of Fool Am I?, pode ser considerada a faixa mais desconexa da situação apresentada o álbum inteiro, já que se baseia no desentendimento sobre não conseguir se apaixonar em comparação às outras pessoas. “What kind of fool am I, who never fell in love? Why can't I fall in love like other people can? And maybe then I'll know what kind of fool I am” ("Que tipo de idiota sou eu, que nunca me apaixonei? Por que não posso me apaixonar como outras pessoas podem? E talvez, então, eu saberei que tipo de idiota eu sou.") 

Leslie Gore e Quincy Jones

Finalizando o álbum com The Party’s Over, a canção descreve o fim da suposta festa que deu início à narrativa do disco, relatando tanto detalhes mínimos da preparação do ambiente como balões, velas e o flautista, até o voltar para a decepção amorosa. 

“The party's over, the candles flicker and dim
You danced and dreamed through the night
It seemed to be right just being with him
Now you must wake up, all dreams must end
Take off your makeup, the party's over”

(A festa acabou, as velas tremeluzem e escurecem
Você dançou e sonhou durante a noite
Parecia certo apenas estar com ele
Agora você deve acordar, todos os sonhos devem acabar
Tire a maquiagem, a festa acabou)

Particularmente, gosto de escutar o álbum pensando na possibilidade das músicas contarem uma única história, mas isso não é uma análise comprovada ou sequer citada pela Lesley ou pelos compositores das mesmas, já que a maior preocupação dos envolvidos na criação do álbum era descrever situações que as garotas daquela época gostavam de ouvir e com que talvez pudessem se identificar também. 

Lesley Gore e seu impacto feminista

Outro grande sucesso na época, You Don’t Own Me, se tornou um marco feminista, descrevendo de forma negativa o comportamento masculino em relação as mulheres. A música alcançou a segunda posição na Billboard Hot 100 por três semanas, ficando atrás apenas de I Want To Hold My Hand, da banda The Beatles

“And don't tell me what to do
And don't tell me what to say
And please, when I go out with you
Don't put me on display, 'cause

You don't own me
Don't try to change me in any way
You don't own me
Don't tie me down 'cause I'd never stay”

(E não me diga o que fazer
E não me diga o que dizer
E, por favor, quando eu sair com você
Não comece a me exibir, porque

Não sou sua
Não tente me mudar de forma alguma
Não sou sua
Não me prenda porque nunca vou ficar)

A canção ficou tão popular que foi regravada e encenada por outros artistas, como Dusty Springfield, Joan Jett e o elenco do filme O Clube das Desquitadas, lançado nos EUA em 1966.

A música ficou conhecida por descrever de forma atípica os relacionamentos daquela época. Se comparada com outras canções da artista, podemos observar uma grande mudança na composição. Lesley foi de “uma garota triste, chorosa e apaixonada” em I’ll Cry If I Want a uma mulher confiante que impõe limites em seu relacionamento. 

Em 1963, aos dezessete anos de idade, a artista expressou para o mundo através de uma canção que era uma mulher livre. Feito que pode ser considerado inspirador e uma grande mensagem para muitas garotas de sua geração. 

Por mais que a música tenha sido, curiosamente, escrita por dois homens, John Madara e David White, é possível que eles, junto com o produtor e a própria Lesley, souberam entender as mudanças que estavam ocorrendo nos EUA e anteciparam algumas dessas pautas. O movimento pela liberdade das mulheres estadunidenses acabou ganhando mais força na década de 1970. 

“Quando ouvi [a música] pela primeira vez, pensei que tinha uma importante qualidade humanista”, disse Gore ao The Minneapolis Star Tribune em 2010. “À medida que envelheci, o feminismo se tornou mais uma parte da minha vida e de toda a nossa consciência, e pude ver por que as pessoas a usariam como um hino feminista. Eu não me importo com sua idade - se você tem 16 ou 116 - não há nada mais maravilhoso do que subir no palco, balançar o dedo e cantar: 'Don’t tell me what to do' ('Não me diga o que fazer').” 

Uma artista completa: literatura, cinema e televisão 

Finalizando o colegial, Lesley continuou sua carreira na música. No entanto, estudou na faculdade um curso voltado à literatura americana e britânica.

Lesley co-escreveu com seu irmão Michael Gore para o filme Fama, de 1980, o que garantiu aos dois uma indicação ao Oscar por Melhor Canção Original. Isso possibilitou que muitas portas se abrissem para ela na televisão nos anos 1980 e 1990. 

Ela também co-escreveu uma música chamada My Secret Love para o filme A Voz do Meu Coração, de 1996. A obra fez com que Gore expressasse indiretamente pela primeira vez a questão da sua sexualidade, já que a protagonista da obra se trata de uma cantora lésbica que ainda não se assumiu. 

Prevalecendo na questão da sexualidade e em papéis na televisão, em 2003, Lesley apresentou diversas edições do programa televisivo In The Life, que tem como público alvo a comunidade LGBT+. No entanto, somente em 2005, em uma entrevista para o After Life, site de cultura direcionado a mulheres sáficas, Lesley confirmou ser lésbica e também seu relacionamento amoroso com Lois Sasson desde 1982. 

Lesley Gore faleceu em fevereiro de 2015 ao lado de sua companheira, na cidade de Nova York. A cantora pode ser considerada para alguns como uma das artistas femininas mais importantes dos anos 1960 e 1970, impacto que fez suas canções permanecerem famosas até os dias atuais. Abrindo portas para vários temas serem debatidos com música e também possibilitando entregar questionamentos às garotas jovens de sua geração sobre seus lugares e possibilidades no mundo, Lesley e sua festa do choro segue lembrada. 


Arte em destaque: Mia Sodré  

Sharline Freire
Estudante e leitora voraz de fanfics, assiste filmes e séries mais do que deveria e escuta músicas dos anos 40. Parece fria e séria, mas já chorou escrevendo sobre Sherlock Holmes e John Watson na internet.

Comentários

Formulário para página de Contato (não remover)