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Joan Didion e a Califórnia


Em minha defesa, este não era pra ser um texto póstumo.

Quando escolhi a pauta para meu texto de janeiro, lá no final de novembro, eu ainda não tinha ideia do que isso aqui se tornaria. Em novembro, Joan Didion ainda era minha grande descoberta do ano de 2021, uma autora que me cativou como uma figura, antes mesmo que como escritora, um símbolo. No entanto, no dia 23 de dezembro, esse símbolo veio a falecer.

Notícia desnorteadora, nunca é fácil lidar com a morte de alguém que admiramos tanto, mesmo com essa admiração sendo tão distante e recente. E depois de dias remoendo aquilo que eu já tinha escrito sobre a figura-Didion que tanto me hipnotizou, decidi que era hora deste texto não-póstumo, longe do intenso luto que Joan viveu e do luto que agora estamos vivendo.

O documentário Joan Didion: The Center Will Not Hold, lançado no ano de 2017, dirigido por seu sobrinho Griffin Dunne e atualmente disponível na Netflix, nos apresenta a trajetória de uma das mais importantes jornalistas dos Estados Unidos, caminhando por sua infância, seus primeiros trabalhos como redatora da Vogue, seu primeiro romance, seu casamento com John Gregory Dunne, a adoção de sua filha, dentre outros temas. Mas, pessoalmente falando, a mudança de admiração para obsessão com a autora me ocorreu quando chegamos (voltamos) para a Califórnia.


“Eles tinham uma maravilhosa casa antiga na Avenida Franklin em Hollywood. Grande, não muitos móveis.” Nessa época, Joan Didion acordava tarde de manhã, pegava uma Coca-Cola gelada na geladeira usando óculos escuros e permanecia em silêncio. Esse silêncio também respingou em sua escrita. Didion não fazia perguntas, apenas observava. Quando escreveu seu artigo sobre Jim Morrison, assim como a vida de outras pessoas que viviam o rock n’ roll - a autora afirmava que esse era seu tema ideal, pessoas que apenas vivem suas vidas na sua frente -, ela apenas o observou.

Os movimentos do rock nas décadas de 1960 e 1970, a pauta sobre crianças descontentes, além dos hippies, é um grande exemplo de como Joan Didion teve a capacidade de escrever uma geração por meio de seus ensaios. Sua escrita tornou-se um espelho do que vivia e assistia, crescendo do ensaio para a ficção.

Os Estados Unidos viviam um momento de crise, de falência, de violência, enquanto os jovens se moldavam como seres sem regras e moralidade, resultado de um abandono da civilidade. Como jornalista, Didion teve de enfrentar situações como uma criança abandonada, largada no chão de um estranho e apagada por ter usado LSD, ao mesmo tempo em que cuidava de uma criança de dois anos em sua própria casa. O momento em questão foi descrito pela autora como “ouro puro”, algo que todos que estão escrevendo um artigo esperam encontrar. Bom ou ruim.

Em seus artigos era possível encontrar um horror à desordem, marca de sua narrativa e personalidade, e é nesse momento que a autora publica a obra, Rastejando até Belém, em 1968, livro traduzido recentemente para o português por Maria Cecilia Brandi e publicado pela editora Todavia, que após uma crítica não muito favorável, tornou Didion em uma figura relevante no país.

Uma vez levaram a cantora e compositora Janis Joplin para uma festa na casa casa da Avenida Franklin após um show, ela sendo uma dos vários músicos que cercavam a vida de Joan num período confuso e perturbador, como a mesma descreveu, citando a ocasião de quando foi conferir se estava tudo certo com o quarto de sua filha Quintana e encontrou drogas no chão. A presença frequente das drogas na cidade tornou-se presente também em sua mente.

Outro momento muito marcante dessa época foi o conhecido crime que aconteceu na casa do diretor Roman Polanski em Cielo Drive, no qual sua esposa, Sharon Tate, que estava grávida de oito meses, foi brutalmente assassinada pela seita de Charles Manson. Esse assassinato marcaria o final da década de 1960, na noite de 9 de agosto de 1969. Didion viria, então, a entrevistar Linda Kasabian, uma das pessoas envolvidas no assassinato. Kasabian afirmou que no caminho para a casa de Polanski, passou em frente à casa de Didion e Dunne, algo que assombrou a autora. Esse caso traz uma das maiores provas da onipresença de Joan Didion em tanto eventos marcantes da época, como descrito:

“Na manhã da morte de John Kennedy, em 1963, eu estava comprando na Ransohoff’s em São Francisco, um vestido de seda curto com o qual eu ia me casar. Alguns anos mais tarde, este meu vestido foi destruído quando, em um jantar em Bel Air, Roman Polanski acidentalmente derramou um copo de vinho tinto nele. Em 27 de julho de 1970, eu fui à loja Magnin em Beverly Hills e escolhi, a pedido de Linda Kasabian, o vestido que ela usou no início de seu testemunho sobre os assassinatos de Sharon Tate Polanski, em Cielo Drive. Eu acredito que essa é uma sequência de coincidências sem sentido. Mas naquela prosaica manhã de verão, ela fez tanto sentido como qualquer outra coisa.”


Nesse ambiente nasce a obra O álbum branco (1979), uma coletânea de ensaios sobre o final da década de 1960 e início da década de 1970, livro que também encontramos traduzido para o português, com tradução de Camila von Holdefer, dessa vez publicado pela Harper Collins. O nome veio do disco dos Beatles, que foi citado nos julgamentos de Manson. Joan Didion faz com seu álbum branco o mesmo que a banda fez com seu disco, uma experiência entre o sombrio e o suave, uma narrativa não coerente de uma época não coerente, participando da paranoia do seu tempo.

Após anos sombrios de escritas sombrias, na costa da Califórnia, em algum lugar na praia de Malibu, Didion encontra a paz novamente. A Coca-Cola pela manhã ainda era um costume, a escrita e o olhar para o horizonte também. Quando não conseguia escrever um texto, quando ficava travada sem saber como prosseguir, Didion colocava o manuscrito em um saco plástico e o deixava no freezer até ter um norteamento de como continuar. Foi nessa casa, inclusive, que um carpinteiro que viria a tornar-se um grande ator de cinema, Harrison Ford, passou dois meses montando estantes e um deque para a casa de Malibu. Ford acabou virando um amigo da família. Outras personalidades marcantes como Brian de Palma, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Warren Beatty, entre outros, também figuravam por lá.

Joan Didion nasceu no dia 05 de dezembro de 1934, em Sacramento, Califórnia. Se formou em Berkeley, na Universidade da Califórnia. Escreveu, na Califórnia, textos que se espalharam por todo o território estadunidense, ecoando a paranoia californiana, o centro de todo o caos. Falecendo aos 87 anos, Didion acumulou uma enorme e riquíssima obra, um reflexo de seu tempo que ainda lê uma geração que já não é mais a dela. Joan Didion propôs um novo jornalismo, um jornalismo de si próprio. Sua vida ainda viria a ser marcada por momentos trágicos, como a morte repentina de seu marido seguida pela morte de sua filha, que refletiriam em obras como O Ano do Pensamento Mágico (2005), vencedor do National Book Award, e Blue Nights (2011), dessa vez com uma escrita dolorida e de luto, mas sempre escrevendo o que tinha em mente. 


Arte em destaque: Mia Sodré  

Juliana Toivonen
Licenciada em Letras pela Universidade Federal de São Paulo. Entusiasta da literatura de autoria feminina e do resgate de vozes e narrativas perdidas. Pesquisadora na área da literatura portuguesa. Publicou o livro "palavras roubadas de mulheres mortas" pela Margem Edições em 2021.

Comentários

  1. Não sabia da existência de um documentário pela Netflix sobre. Colocando na minha listinha para assistir ainda esse mês!

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