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O Rei Gélido: o conto de fadas de Louisa May Alcott

Infelizmente, aqui no Brasil conhecemos Louisa May Alcott apenas por seu maior sucesso, Mulherzinhas (Little Women no original). Digo infelizmente porque, dentre tantas coisas que ela escreveu, essa foi uma das histórias de que ela menos gostava. Embora tivesse ligações afetivas com o romance, já que o mesmo é semiautobiográfico, seu editor a obrigou a alterar muitas coisas no enredo, assim, Louisa não foi capaz de escrever o que bem entendesse e colocar mais de si mesma no livro. Ainda que Mulherzinhas seja maravilhoso (e aqui destaco a grandiosidade da escritora, que foi capaz de trabalhar com uma limitação tremenda e mesmo assim produzir uma verdadeira obra-prima), Louisa May Alcott não deveria ser resumida apenas a ele. Escritora com "e" maiúsculo, ela foi romancista, contista, ensaísta e muitas outras coisas ao longo da vida. Dentre elas, também escreveu contos de fadas. 

A editora Wish possui um projeto de resgate de obras clássicas esquecidas ou não traduzidas para o português-brasileiro chamado Sociedade das Relíquias Literárias. É um projeto verdadeiramente maravilhoso que já publicou diversos contos e alguns livros. O conto mais recente é O Rei Gélido, o conto de fadas de Louisa May Alcott. 

Escrito quando Louisa tinha apenas 16 anos. O conto foi originalmente publicado numa coletânea chamada Flower Fables, em 1855. A ideia veio porque Louisa queria escrever algo para a filha de Ralph Waldo Emerson, amigo de seu pai. Ellen Emerson, apenas uma criança na época, ganhou de presente o belíssimo conto - cujo título original é The Frost-King: or, The Power of Love

O Rei Gélido nos relata a tentativa de Violeta para salvar as flores do reino. "A monarca do reino das fadas passava boa parte de seu tempo tentando convencer o Rei Gélido a não matar as belas flores que cultivavam, pois elas tinham um coração tanto quanto qualquer outro ser vivo. A este desejo, no entanto, ele nunca cedeu, e continuava a ordenar que seus Espíritos destruíssem as belas flores. A rainha já estava sem esperanças quando Violeta se apresenta com o pedido inusitado de ir até o Rei Gélido, para convencê-lo com o poder do amor... Será Violeta capaz de descongelar as terras frias sem cor?"

Se todo conto de fadas possui uma lição, a de O Rei Gélido reside na coragem e perseverança mediante aquilo que se acha justo. Violeta era uma fadinha insignificante no reino das fadas, mas mesmo assim ela vai até o Rei Gélido, determinada a conseguir salvar suas flores - ou a morrer tentando. O rei, a princípio, recusa seu pedido e a prende numa cela. Mas ela transforma os Espíritos em seus amigos, até mesmo os insetos gostam dela, e tudo ao seu redor deixa de ser gelado para tornar-se bonito, cheio de vida e de flores e luz. Aos poucos, o coração do Rei Gélido vai sendo descongelado por tanta beleza e amor que emanam de Violeta. 

É incrível pensar que Louisa May Alcott tinha apenas 16 anos quando escreveu esse conto. Trata-se de um conto de fadas em toda sua estrutura e é lindíssimo, perfeito para crianças/adolescentes, embora também toque corações adultos com sua delicadeza.

Louisa May Alcott

Violeta, a pequena fada que era ignorada em seu reino, é quem salva as flores e acaba com a maldade do Rei Gélido ao conquistar a ele e aos Espíritos que para ele trabalham, não com ameaças ou com desespero, mas apenas existindo da maneira como acredita ser melhor. Talvez exista algo problematizável na história no quesito "a mulher transforma um homem mau pelo poder do amor", mas este é um conto de fadas e a moral não é essa. A moral é menos sobre gênero e mais sobre dedicar-se àquilo em que se acredita e não desistir do que se ama apenas porque algumas pessoas são contra. 

Não é muito diferente da filosofia que a própria Louisa May Alcott adotaria até o fim de sua vida. Mesmo enfrentando homens que poderiam facilmente barrar sua profissão, ela manteve-se fiel a si mesma e fez o seu melhor. Na jovem Louisa, encontramos a força de propósito que a escritora demonstrou durante toda sua vida. 

A maturidade literária de Louisa May Alcott pode ser percebida aqui. Ela escreve sobre um tema e num gênero que não a acompanharia depois, já que dedicou-se ao romance e a ensaios políticos e sociais, mas seu texto não tem sobras, não há momentos lentos na leitura. Nem tudo é aventura, claro, mas ela consegue despertar os sentidos de seu leitor e fazer com que ele se importe com as personagens. Sua construção de mundo, ainda que não muito extensa, é encantadora e convincente. Ela não para para explicar quais as funções de cada personagem ou onde exatamente elas se encontram. Ao lê-la, adentramos num mundo mágico e acreditamos nessa realidade. Sua capacidade de nos conduzir a uma suspenção da descrença faz com que o conto torne-se não apenas maravilhoso como efetivo em seu propósito. A narrativa bem conduzida, assim como os elementos literários empregados para tal, transformam O Rei Gélido em um conto agradável e belíssimo. 


Mia Sodré
Mestranda em Estudos Literários pela UFRGS, pesquisando Apolo, Dioniso e a recepção dos clássicos em O Morro dos Ventos Uivantes. Escritora, jornalista, editora e leitora crítica, quando não está lendo, escreve sobre clássicos. Vive em Porto Alegre e faz amizade com todo animal que encontra.

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